“Sem rentabilidade não há empresa, sem empresa não há emprego e sem emprego não há economia”

A temática das promoções desperta fricções, posições antagónicas, receio em verbalizar uma opinião que, eventualmente, possa ser mal interpretada. Mas será que as promoções não têm, até elas, uma importante dimensão associada? No rescaldo de um ano de pandemia, com tantas mudanças ao nível do comportamento do consumidor, estará também o rumo da atividade promocional a mudar? As respostas para esta e outras questões foram dadas por Cláudia Lourenço, diretor geral da P&G Portugal, Domingos Esteves, diretor geral da C&A para Espanha e Portugal, Inês Santos, diretora de relações externas do distrito de Lisboa e relações empresariais da Mercadona Portugal, e João Partidário, diretor de vendas da Nestlé Portugal, na conferência “Promoção vs Every Day Low Price: o rumo vai mudar?”.

O mês de março de 2020 parece, já, distante no tempo, volvido que está mais de um ano de vivência pandémica. Certo é que representa um marco no retalho, na indústria e no consumo em Portugal.

Recuando a esses tempos, todos nos recordamos da célebre corrida ao papel higiénico, que, de repente, começou a “desaparecer” das prateleiras dos supermercados e a ver os seus stocks esgotados. Apenas uma das muitas manifestações de uma preocupação de abastecimento por parte do consumidor, que, perante o desconhecimento do que estaria para vir, acorreu às lojas para encher a sua despensa, desafiando, quer o retalho, quer a indústria a ter de responder a uma procura que não tinha tido precedentes. “Tivemos que fazer face a uma procura imediata e espalhada pelo mundo, porque temos fábricas que servem muitos países, mas também, muito rapidamente, adaptar o que estávamos a oferecer aos consumidores, porque as necessidades também alteraram e são mais sustentáveis no tempo”, introduz Cláudia Lourenço, diretora geral da P&G Portugal. 

 

Produto em prateleira

Com o fator segurança elevado ao máximo expoente, retalho e indústria focaram-se na hercúlea tarefa de manter as prateleiras cheias de produto, quando os constrangimentos se sucediam. “Todos nos lembramos da cerca sanitária em Ovar, que afetou muito particularmente a Nestlé, porque ali detém produção. Ainda assim, conseguimos manter as fábricas a trabalhar e demonstrar que estávamos preparados para esse desafio. E muito disso se deve ao incremento da comunicação com os nossos clientes, nomeadamente da grande distribuição. Durante aquele período, os fluxos de comunicação aumentaram tremendamente e notou-se, de um modo muito claro, que todos estávamos focados em manter a cadeia a funcionar e a servir o consumidor da melhor forma”, testemunha João Partidário, diretor de vendas da Nestlé Portugal.

A multinacional suíça sabe bem de que modo o consumo se alterou a partir de março de 2020. Com operação comercial, industrial e de retalho, através das Boutiques Nespresso, no mercado português, e com presença relevante quer no canal alimentar, quer no canal Horeca, testemunhou, em primeira mão, todas as alterações que se sucederam. “O consumo de café dentro do lar disparou de um modo incrível, a categoria de cereais de pequeno-almoço também teve um ‘plus’ muito grande, assim como as ajudas culinárias, porque as refeições passaram a ser feitas em casa. Em contrapartida, todos os produtos e categorias relacionados com o consumo ‘on the go’ ou de impulso foram penalizados. Foi um ano muito desafiante, que exigiu uma grande resiliência”.

Resiliência essa que, se no caso do alimentar, foi necessária, no caso do retalho especializado, que não beneficiou da possibilidade de estar sempre de portas abertas, foi imprescindível. “De um momento para o outro, ficámos com uma grande quantidade de mercadoria parada nas lojas, sem saber durante quanto tempo. Os contentores de roupa ficaram bloqueados em diversas partes do mundo, alguns ainda no produtor, outros já na alfândega. E recorde-se que fevereiro e março são ainda meses de roupa de transição entre o inverno e o verão e só abrimos em junho. Foi um desafio gerir as equipas, os stocks, mas também uma muito rápida mudança no comportamento do consumidor, com algumas categorias de produto, como a chamada roupa de trabalho, a pararem completamente e a ter de se desenvolver outras áreas, mais de roupa casual”, conta Domingos Esteves, diretor geral da C&A para Espanha e Portugal. 

 

Promoções

2020 foi, assim, um ano de grande aprendizagem e de necessidade de reação em curto espaço de tempo. Assim como investir, muito rapidamente, em soluções digitais e tecnologia, sem desequilibrar, sobretudo no retalho especializado, uma delicada gestão de tesouraria. “O têxtil, em concreto, tem vindo, desde 2011, a sofrer uma deterioração das suas margens. Por outro lado, o aparecimento de retalhistas que trabalham mais o preço baixo fez com que muitas marcas entrassem numa gestão promocional um pouco perigosa, do meu ponto de vista, e desestruturada”, defende Domingos Esteves. “Com a pandemia, tudo agudizou. A nossa mercadoria não é perecível, mas é como se fosse. Todos os meses, há novos temas e histórias nas nossas coleções e, se não houver um fluxo de caixa suficiente, não se pode trazer mais mercadoria. Como tal, a C&A optou, na reabertura após último confinamento, a 19 de abril, por não fazer nenhuma promoção. Aprendemos com os ensinamentos do ano passado, em que reabrimos com promoções até 70%, o que teve um impacto brutal a nível financeiro. Agora vendemos muito menos, mas tivemos uma rentabilidade superior. E sem rentabilidade não há empresa, sem empresa não há emprego e sem emprego não há economia”. 

 

“A ‘guerra’ da Mercadona não é a do preço, mas a da qualidade, em primeiro lugar. E isso não é algo que se perceciona numa etiqueta de preço, implica experimentação. Com mais idas às nossas lojas, conseguimos dar a conhecer essa qualidade dos nossos produtos e que é transversal a várias categorias”

 

Por opção estratégica, a Mercadona não faz promoções, mas não é isso que a tem inibido de conquistar e fidelizar clientes, desde que chegou a Portugal. E em 2020, esse processo reforçou-se, quer pelo facto dos clientes apreciarem o modelo de lojas que tem aberto, quer pela sua maior aproximação ao sortido, uma vez que, devido às maiores restrições à mobilidade, concentraram mais as suas compras numa única insígnia, com a Mercadona a saber capitalizar essa tendência. Mas também a estabilidade dos preços, fruto da sua estratégia de “every day low price”, explica esta maior fidelização. “A nossa estratégia de não fazer promoções e, em alternativa, oferecer sempre preços baixos acrescenta valor ao cliente, que passa a saber sempre com o que pode contar numa loja Mercadona. Não queremos que o cliente esteja dependente das promoções para fazer a sua compra. É muito importante esta estabilidade e previsibilidade no que vai gastar relativamente ao que quer comprar”, considera Inês Santos, diretora de relações externas do distrito de Lisboa e relações empresariais da Mercadona Portugal. “A ‘guerra’ da Mercadona não é a do preço, mas a da qualidade, em primeiro lugar. E isso não é algo que se perceciona numa etiqueta de preço, implica experimentação. Com mais idas às nossas lojas, conseguimos dar a conhecer essa qualidade dos nossos produtos e que é transversal a várias categorias”. 

 

Alterações nos hábitos de consumo

Visitar menos lojas foi apenas uma das muitas alterações nos hábitos de consumo potenciadas pela pandemia, a par da importância da proximidade e de um maior planeamento nas compras, com muitas cestas a privilegiarem marcas próprias, numa altura em que se sentiu uma menor intensidade promocional. “A dinâmica entre marcas da distribuição e marcas de fabricante depende muito da própria dinâmica dos canais, que oferecem mais de uma ou de outra, que alterou muito durante a pandemia. Algumas categorias foram mais expostas que outras, o que também se relaciona com a confiança que o consumidor deposita nas marcas, a sensibilidade ao preço e o valor acrescentado”, nota João Partidário. “Felizmente, temos no nosso portfólio marcas fortíssimas, nas quais os consumidores confiam e das quais não abdicam, mesmo que não estejam em promoção. Prevalece a força da marca. Houve uma redução da intensidade promocional neste período, o preço estabilizou e, no final, a Nestlé alcançou uma quota de mercado muito reforçada”. 

Não obstante, tendo em conta a incerteza económica trazida pela pandemia, e as muitas dificuldades que são já vividas, existem categorias de produto que necessitarão de ser dinamizadas. Com a taxa de natalidade a ser fortemente afetada em Portugal, João Partidário destaca, no caso da Nestlé, a alimentação infantil como uma das que mais estão a ser penalizadas. “Preocupa-nos bastante, porque é, para a empresa, uma categoria prioritária. Estamos, neste momento, a perceber junto do consumidor como a evoluir e a estabelecer algumas parcerias, como a com a P&G, para a sua dinamização”.

Dinamização das categorias que passa, inexoravelmente, por apostar na inovação, algo que, segundo Cláudia Lourenço, foi muito acelerado pela pandemia. “Por exemplo, a categoria de lixívias foi beneficiada pela pandemia, mas no início. Agora já existe tanta mais oferta de desinfeção que a lixívia é mais uma. O evoluir das necessidades e da inovação foi muito mais rápido. Nos produtos para barbear, acelerámos a inovação que já tínhamos preparada de Gillette para homens com barba”, detalha.

 

Online

A grande alteração no consumo, contudo, terá sido a grande aceleração do online, sobretudo no retalho especializado, que encontrou neste canal o único modo de chegar ao cliente, durante grande parte da pandemia. Em 2020, a C&A cresceu neste canal cerca de 200%. Mais de 30% dos clientes nunca tinha comprado na marca. “O online é um bom canal para oferecer diversidade, é a nossa maior loja, e, no rescaldo da pandemia, certamente que as lojas físicas terão de se redimensionar. Mas, na verdade, não começámos a fazer nada de novo. Agora, temos é a obrigação de ir mais rápido, porque senão não chegamos ao consumidor. Contudo, o online não compõe as contas”, avança Domingos Esteves. 

O diretor geral da C&A para Espanha e Portugal sublinha que a oferta da marca não assenta no preço. “Sempre nos categorizámos como ‘value retailer’, na assunção de melhor qualidade para o melhor preço. Tudo o que mudou na área da sustentabilidade encaixa na perfeição na C&A. 67% dos nossos produtos já é sustentável, ou porque feito de algodão orgânico ou porque é mercadoria reciclada. E sempre dizemos que o cliente não tem de pagar mais por obter melhor. A compra responsável, quer do lado das empresas, quer do consumidor, vai mudar o paradigma: comprar menos, mas melhor e que dure mais. Nessa medida, as promoções pela simples promoção são algo que não pode continuar”.

É neste contexto que o canal online irá continuar a crescer, para chegar, pelas contas de Domingo Esteves, aos 20% a 30% das vendas. O que significa que 70% a 80% ainda será feito nas lojas físicas, o que é muito relevante. “Temos muito para evoluir nesta área, o online terá de ser um canal rentável. Hoje, a entrega e as devoluções são, ainda, um custo brutal para as empresas e os prazos de entrega praticados por muitos não são, a meu ver, exequíveis. Na C&A, preferimos demorar um pouco mais e conseguir melhorar a experiência do cliente no online e, ao mesmo tempo, ser sustentável, em termos ambientais”.

 

O rumo vai mudar?

A pandemia veio, de facto, colocar o foco na saúde, mas também na sustentabilidade e na compra responsável, mas é inegável a dependência promocional que os consumidores portugueses apresentam. “É um facto, em Portugal, cerca de metade da compra que é feita em supermercados é em base promocional”, confirma Inês Santos. “Uma das perguntas que mais nos faziam, quando abrimos a primeira loja, é se pensávamos conseguir manter a política de sempre preços baixos. Já passaram quase dois anos e continuamos a não fazer promoções. Temos, sim, desde que abrimos a primeira loja, feito um grande trabalho de readaptação: já baixámos preços, já reformulámos produtos, sempre com base nos comentários dos clientes. Estamos satisfeitos com os resultados alcançados até aqui, conscientes de que temos apenas 20 lojas, nem sequer ainda aparecemos nos gráficos, mas também de que, e como o nosso administrador, Juan Roig, costuma muitas vezes dizer, ‘todo o elefante, quando nasce, é pequeno”. 

Inês Santos assegura, ainda, que o projeto da Mercadona em Portugal é de longo prazo. Este ano, irá somar mais nove pontos de venda ao seu parque de lojas e continuar apostada em dar-se a conhecer. “Para nós, o importante é que os clientes visitem as nossas lojas, experimentem os nossos preços e atestem a nossa qualidade. E regressem, novamente, para comprar. Para nós, é muito importante estar perto do cliente e ouvir o que nos tem para dizer. Daí a já referida descida de preços: abrimos as primeiras lojas em julho de 2019 e, no início de janeiro de 2020, tínhamos terminado de baixar cerca de dois mil preços”. 

 

Sendo certo que a noção de valor, por parte do consumidor, é cada vez mais crítica, também o deverá ser a sua sensibilidade ao preço, numa altura de contração económica. Nesse sentido, importa saber se a mecânica promocional será a melhor arma para atuar nesse contexto ou se terá de imperar o diálogo para que quem tem os produtos e quem tem os canais de venda possam continuar a dinamizar a economia

 

Valor

Sendo certo que a noção de valor, por parte do consumidor, é cada vez mais crítica, também o deverá ser a sua sensibilidade ao preço, numa altura de contração económica. Nesse sentido, importa saber se a mecânica promocional será a melhor arma para atuar nesse contexto ou se terá de imperar o diálogo entre quem tem os produtos e quem tem os canais de venda possam continuar a dinamizar a economia. “Acima de tudo, temos todos, retalho e indústria, de perceber o valor que um consumidor está disposto a pagar por um determinado produto. Existem as promoções que a indústria faz, para dar visibilidade aos seus produtos, muito importante no caso da inovação. Convém não esquecer que a promoção também é uma experiência de compra, gera experimentação. Existe um retalho que aposta mais em promoção e outro que prefere os preços baixos. Existem consumidores que têm uma confiança tal nas marcas e não querem promoções e outros que as procuram avidamente. No final, importa servir bem o cliente final e perceber qual é a melhor proposta de valor, seja promoção ou não, seja inovação, baseado em informação sobre o que ele procura”, analisa João Partidário. 

O que é, então, uma boa promoção? Para o diretor de vendas da Nestlé Portugal, importa perceber que valor se está a gerar com uma promoção para a indústria, para o retalho e para o consumidor final. “Se entramos num clima de promoção só porque sim, esquecemos dos outros ‘Ps’ do marketing mix, que são tão relevantes como a promoção”. 

Com os portugueses tão habituados às promoções, as alterações trazidas pela pandemia poderão, no entanto, trazer um maior equilíbrio entre a atividade promocional e os preços sempre baixos. “Oferecer valor, seja de forma promocionada, seja com o preço sempre baixo, é muito relevante. Até porque existe um caminho que é irreversível e que implica para as empresas uma enorme revolução, que é o da sustentabilidade. Todo o nosso modelo de consumo tem de ser reformulado. Se, ao mesmo tempo, que temos de fazer essa transformação estamos a baixar o preço ao mínimo, algo vai falhar. Claro que temos de servir essa variável ao consumidor e, centrando na realidade portuguesa, temos uma franja da população que, de facto, está com o seu rendimento debilitado. Mas também outra franja que não está e, ao mesmo tempo, pessoas que procuram sustentabilidade. Todos os negócios têm de se transformar e todos, em conjunto, temos de investir nisso”, sublinha Cláudia Lourenço. 

 

Ecossistema

Trata-se, no fundo, de um ecossistema onde todos estão interligados. Domingos Esteves salienta que, apesar do consumidor “mandar”, indústria e retalhistas fazem também parte do processo. “Se eu não pagar o preço correto ao produtor, não posso dar o valor correto ao consumidor. Acredito que o consumidor é inteligente e que, hoje, está mais informado do que antes e vai perceber da importância da sua decisão de compra”. 

O consumidor quer conveniência, quer preencher as suas necessidades e está disposto a pagar o preço certo. “A competição em preço retira valor à cadeia e ao mercado e gera um consumo pouco responsável. Compramos mais uma camisa só porque está em promoção, enchemos demasiado o frigorífico só porque sim”, sustenta João Partidário. 

Com a sustentabilidade a ter de estar na agenda de todos os negócios, e a ser transversal a todo o negócio, a Mercadona acredita que a sua política de preços sempre baixos é um fator de sustentabilidade não só para o cliente, como para o próprio produtor. “Toda a cadeia de valor tem de ganhar com o seu trabalho”, conclui Inês Santos. 

Não será, assim, expectável que se aproxime uma guerra de preços no retalho. A batalha, diz Domingos Esteves, será por proporcionar uma melhor experiência de compra e pela fidelização, numa altura em que esta é cada vez mais difícil. “Esta é uma guerra positiva que nos vai ajudar todos a crescer”. 

 

Este artigo foi publicado no mais recente suplemento da Grande Consumo, dedicado ao tema das promoções.

 

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