“A rentabilidade dos negócios condiciona o I&D do sector”

Carlos Ruivo, presidente do Conselho de Administração da Probar

O foco no preço tem condicionado a inovação no sector da charcutaria. Carlos Ruivo não tem dúvidas de que o futuro deste mercado passará, necessariamente, pela perceção de valor e pela experiência de um determinado produto por parte do consumidor. O risco da charcutaria ser vista como uma “commodity”, o papel das marcas próprias, as novas tendências de consumo e a importância da transparência quanto aos produtos e de se passar o máximo de informação para o consumidor são alguns dos aspetos abordados pelo presidente do Conselho de Administração da Probar, empresa que há 54 anos procura afirmar o primado da qualidade em detrimento do preço.

 

Grande Consumo – A Probar assinala, em 2021, 54 anos de atividade comercial e apresenta-se como uma das principais referências da indústria de charcutaria em Portugal. Que balanço pode fazer do percurso feito até aqui pela empresa? 

Carlos Ruivo – Os atuais acionistas entraram na empresa em 2003 e, desde essa data até hoje, mantivemos o seu ADN, que é qualidade. Nas outras empresas do grupo, sempre apostámos na qualidade, como forma de diferenciação. O facto de sermos um grupo verticalizado permite-nos controlar todo o processo produtivo, desde o controlo da alimentação dos animais, às boas práticas de bem-estar animal.

Na Probar, sabemos qual a origem da sua matéria-prima, permitindo-nos ter qualidade nos produtos e maior controlo na rastreabilidade dos mesmos. É um facto que o consumidor cada vez mais se preocupa com a sua alimentação, qual a origem da mesma, para além de ter preocupações com a preservação do planeta. Iremos reforçar a comunicação desta mensagem para o mercado e para o consumidor, pois acreditamos que será importante para ele saber a origem do que come, em total transparência, fortalecendo, assim, a nossa marca. 

 

GC – Como é que a Probar atravessou o período da pandemia? A charcutaria foi um dos sectores que potenciou vendas no período? 

CR – Foi um período desafiante, em que a adaptação foi constante, como internamente comentávamos, de “navegação à vista”, face à incerteza. No início, todos os dias acontecia algo de que não estávamos à espera e tínhamos que ter alternativas para que a empresa continuasse a laborar e os nossos produtos estivessem sempre disponíveis para o consumidor. Isso implicou muito esforço e dedicação dos nossos recursos humanos, aos quais agradecemos. 

Protegemos ao máximo os nossos colaboradores. O nosso lema foi e é “máxima segurança e informação”. Até ao momento, não tivemos questões graves a reportar, fruto de muito empenho e responsabilidade de toda a equipa. 

Relativamente aos outros sectores de atividade, as vendas não foram muito afetadas, uma vez que conseguimos ajustar-nos às necessidades do mercado, transferindo vendas de umas categorias para outras. 

 

GC – O consumidor tem vindo a solicitar alguns produtos com menos sódio, ao qual a charcutaria não passa incólume. Como é que a Probar se adaptou a esta nova forma de consumir? A tradição da charcutaria portuguesa está, de algum modo, colocada em causa? Ou é um movimento que tem que ser feito? 

CR – É um trabalho que temos vindo a realizar com muita precaução, porque temos que ter presente que a redução do sódio tem consequências diretas não só na qualidade, como na segurança do produto. Percebermos a importância da redução do sal, tendo em conta as recomendações da Organização Mundial de Saúde, mas será também importante percebermos a função tecnológica do sal nos produtos de charcutaria, uma vez que, para além do sabor que confere, tem também uma função fundamental para a inibição de certos microrganismos patogénicos.  

A Probar, naturalmente, cumpre com a legislação europeia e nacional no que respeita aos requisitos de higiene e aplicação dos aditivos alimentares utilizados nos nossos produtos, seguindo as boas práticas de higiene e produção. Importa, assim, que o consumidor seja devidamente informado e que perceba que a redução dos aditivos e do sal nos produtos de charcutaria terá também consequências, nomeadamente, na redução do prazo de validade. Julgamos fundamental que haja uma comunicação assertiva e adequada, que permita ao consumidor ficar esclarecido, de modo a que possa tomar as suas decisões de forma consciente.

 

 

GC – Por outro lado, tem-se verificado o aumento da venda de produtos fatiados, de baixa gramagem, em detrimento de embalados em maior volume. Acredita que é uma tendência a manter-se? A indústria soube reagir com formatos adequados e com inovação associada? 

CR – Os fatiados têm sido, de facto, o segmento com maior crescimento, nos últimos anos.  No momento pandémico que estamos a atravessar, o consumidor tem a perceção de que o produto embalado numa unidade industrial tem maior segurança alimentar e qualidade microbiológica, quando comparado com um produto de formato maior que se corta no ponto de venda.  Com a pandemia, o tempo que os consumidores permanecem nos espaços comerciais tende a reduzir-se ao mínimo e os fatiados beneficiam desse facto. É uma tendência que foi acelerada por esta pandemia. 

A reação foi possível unicamente a quem tinha a infraestrutura criada, porque são investimentos que demoram o seu tempo. Relativamente à baixa gramagem, acreditamos que, durante os próximos tempos, em que o poder de compra irá reduzir, será uma solução interessante para ultrapassar a menor disponibilidade financeira por parte do consumidor. Após este período, acreditamos que as gramagens tenderão a aumentar, novamente, até por uma questão de sustentabilidade do planeta, diminuindo o consumo de plástico.   

 

GC – A indústria de charcutaria nacional é inovadora? Qual é o seu principal dínamo: a iniciativa dos fabricantes ou as solicitações dos consumidores? 

CR – É, mas poderia ser muito mais. A verdade é que a rentabilidade dos negócios condiciona o I&D do sector. Uma visão de curto prazo, assente no preço, condiciona o processo referido. Seria benéfico para todos a criação de valor acrescentado, de inovação e de maior dinâmica no lançamento de novos produtos, uma espiral positiva. Os fabricantes têm de ser dinâmicos no sentido de identificar quais as necessidades do consumidor e, de alguma forma, materializá-las.

 

“Por norma, os produtos de marca própria estão muito sujeitos à pressão do preço, o que dificulta a apresentação de um produto que estimule o consumo pela sua qualidade. É normal que determinado produto tenha alterações com alguma regularidade, pelos vários fabricantes que o vão produzindo. Este movimento faz com que o consumidor deixe de ter uma referência de consumo, não crie a fidelização e se comece a desinteressar por determinada categoria, primeiro, porque no linear tem cada vez menos opções de escolha e, depois, porque as que tem não lhe agradam”

 

 

GC – A menor disponibilidade de rendimentos leva, não raras vezes, ao potenciar do consumo de marcas próprias. Estas são uma oportunidade ou um desafio para a indústria? 

CR – No curto prazo, serão um desafio para a indústria; no médio/longo prazo, para a indústria e para a distribuição. 

As marcas dos produtores têm uma ligação emocional com os consumidores e atributos próprios, que são referência por serem constantes. 

Por norma, os produtos de marca própria estão muito sujeitos à pressão do preço, o que dificulta a apresentação de um produto que estimule o consumo pela sua qualidade. É normal que determinado produto tenha alterações com alguma regularidade, pelos vários fabricantes que o vão produzindo. Este movimento faz com que o consumidor deixe de ter uma referência de consumo, não crie a fidelização e se comece a desinteressar por determinada categoria, primeiro, porque no linear tem cada vez menos opções de escolha e, depois, porque as que tem não lhe agradam. 

Por isso, acreditamos que o próprio mercado terá de se reajustar e dar ao consumidor o que ele quer e não o que lhe querem impor. O ser humano gosta de poder escolher, isso faz parte da sua liberdade e traduz-se numa boa ou má experiência. E, num futuro muito próximo, acreditamos que uma boa experiência irá prevalecer face exclusivamente ao fator preço. Terá de haver um equilíbrio por parte de todos, para que a indústria, também ela, tenha disponibilidade para se reinventar e adaptar. 

 

GC – A charcutaria e os produtos associados continuam a ser visto como uma “commodity” ou o valor e experiência de marca geram mais-valias para os seus detentores? 

CR – Acreditamos que o futuro deste mercado está na perceção de valor e na experiência ao consumir um determinado produto por parte do consumidor. 

Uma “commodity” é algo que tem características padronizadas, em que não existe valor acrescentado ou diferenciação. Neste mercado, cada fabricante faz o seu produto e todos eles são diferentes, de comum, só têm a designação.

Efetivamente, a marca própria é cada vez mais vista como uma “commodity”, onde o fator principal é o preço. As marcas próprias, entre elas, competem para terem preços iguais ou mais baixos que o distribuidor concorrente. O risco da charcutaria ser vista como uma “commodity” será o eventual desaparecimento, a médio e longo prazo, de algumas categorias pela perca de identidade do produto, pelo facto da preocupação ser o preço e não a qualidade. 

 

GC – Que novos produtos irá a Probar apresentar ao mercado este ano? 

CR – Vamos lançar um fiambre comemorativo dos 50 anos, um produto de muita qualidade, uma receita que foi recuperada.

No “pipeline”, estamos em fase de desenvolvimento de produtos disruptivos, mas que, pela sua complexidade, demoram o seu tempo a afinar. 

 

GC – Como avalia a maior introdução no mercado de produtos alternativos à carne? Vivemos, também nesse aspeto, num primado do consumidor? 

CR – Numa resposta rápida: o consumidor é que manda! Não podemos combater tendências, temos, sim, que as acompanhar. 

Será muito importante comunicar positivamente os benefícios dos nossos produtos, para que o consumidor possa fazer a sua escolha com o máximo de informação possível. Existem modas que aparecem com muita força e que, depois, desaparecem e as que se enraízam. Muitas das tendências que estamos a ver na alimentação podem ficar, as restantes, o consumidor o ditará.  

Apesar da experiência e da memória terem uma enorme força junto do consumidor, temos assistido, em muitos casos, a um retorno ao que é tradicional e que resultou da evolução de muitos anos.

 

“Será muito importante comunicar positivamente os benefícios dos nossos produtos, para que o consumidor possa fazer a sua escolha com o máximo de informação possível. Existem modas que aparecem com muita força e que, depois, desaparecem e as que se enraízam. Muitas das tendências que estamos a ver na alimentação podem ficar, as restantes, o consumidor o ditará”

 

GC – Que novas tendências poderão marcar o futuro desta indústria? 

CR – Os produtos de charcutaria terão de disponibilizar ao consumidor mais informação, como, por exemplo, a origem das matérias-primas e os valores nutricionais associados à saúde e ao bem-estar. Isso dará tranquilidade no momento do consumidor adquirir os produtos, num mundo de extremismos e de muitas notícias que não são verdadeiras. A informação disponibilizada para o mercado será cada vez mais crítica. 

 

GC – Falar da Probar é falar de que números? O atual portfólio deixa-o satisfeito? 

CR – No ano passado, faturámos 24 milhões de euros. O atual portfólio não nos satisfaz, neste momento, estamos numa fase de revisão do mesmo. Acreditamos que cada vez mais temos de nos focar no que, para nós, é estratégico. Comercializamos 200 referências nas categorias de afiambrados, banha, enchidos, fatiados, fumados, presuntos e salsichas em lata.  

 

GC – O fecho coercivo do canal Horeca teve impacto nas vendas da empresa? Ou a Probar é uma empresa mais focada para a venda para o retalho? 

CR – Apesar de não ser um canal de aposta primordial da empresa, temos clientes importantes que estavam muito expostos ao Horeca, o que nos afetou indiretamente. 

Felizmente, conseguimo-nos ajustar e a perca de alguns formatos de venda foi compensada por outros mais direcionados para o consumidor final, como é a linha dos fatiados. 

 

GC – A sustentabilidade não é só que colocamos no prato. A Probar tem vindo a fazer alguns investimentos de monta nesse sentido, apesar da pandemia e do período mais incerto da economia. Não teria sido mais sensato adiar os mesmos? 

CR – A Probar concluiu, o ano passado, um investimento em energias renováveis, painéis fotovoltaicos. Era um investimento que estava programado e que a pandemia de Covid-19 apanhou pelo meio. Somos um grupo determinado e que, quando decide realizar um investimento, avança.  

A contribuição para o planeta, em termos de redução de CO2, foi o equivalente a termos plantado 60 mil árvores em 10 meses, vamos continuar a plantar nos próximos 24 anos. 

 

GC – Atendendo ao facto de ter um portfólio tão vasto, vê com interesse apostar no e-commerce e na venda direta ao consumidor final? 

CR – É algo que estamos a estudar. Temos, no entanto, desafios logísticos e operacionais pelo meio, que terão de ser ajustados para que a operação seja viável. Tudo fará sentido se, no final do dia, conseguirmos dar ao consumidor uma ótima experiência. Cada vez mais, uma boa experiência sensorial será o fator primordial para a valorização de uma marca. 

 

GC – A Probar, enquanto marca e empresa, está hoje onde deveria estar? 

CR – Pensamos que não. Temos sido fiéis ao ADN da empresa e do grupo. Sempre nos diferenciámos por apresentar soluções de qualidade a um preço justo. O facto de sermos um grupo verticalizado permite-nos controlar todo o processo produtivo, o que se traduz numa enorme mais-valia. 

A verdade é que, nos últimos anos, a qualidade tem sido preterida em detrimento do preço. Esta pressão sobre o preço tem prejudicado, e muito, o sector da charcutaria portuguesa, uma vez que a indústria, muitas vezes, degrada o produto para conseguir corresponder à pressão de preço. Pensamos que o sector tem de parar e redefinir normas para que o crescimento do consumo ocorra e isso só acontecerá quando a experiência do consumidor for positiva. 

 

GC – O que seria um bom exercício de 2021? 

CR – Para a Probar, será conseguirmos incrementar as vendas, em relação a 2020, sendo que não fomos muito afetados pela pandemia, pois sempre mantivemos a laboração.

Mas, acima de tudo, ser um ano de concretização de alguns dos projetos estratégicos que temos em “pipeline”, projetos esses que acreditamos que sejam o futuro do negócio. 

 

Este artigo foi publicado originalmente na edição n.º 68 da Grande Consumo.

José Oliveira, Sales, Marketing & Innovation Manager Cluster Portugal da DS Smith Packaging

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