A verdade percecionada pelos olhos da IA

Pedro Barros Lourenço, CEO & founder Consumers Trust
Pedro Barros Lourenço, CEO & founder Consumers Trust

Como a inteligência artificial está a redefinir o valor das marcas através da reputação digital

Durante décadas, o valor de uma marca para os consumidores mediu-se pela sua notoriedade, pela consistência do seu posicionamento no mercado e pela eficácia das campanhas de comunicação. Hoje, esse paradigma mudou. O que determina o verdadeiro valor de uma marca, em 2025, já não é aquilo que ela diz de si própria, nem o storytelling que partilha nas suas campanhas de comunicação, mas sim aquilo que as pessoas dizem sobre ela e, em particular, o que a inteligência artificial regista, interpreta e amplifica dessas opiniões.

Entrámos numa nova era na gestão de marcas. Uma era onde a perceção da reputação digital passou a pesar mais do que o próprio valor do produto ou serviço. A confiança transformou-se num ativo público, partilhado, alimentado por testemunhos e experiências reais. E os algoritmos são, agora, os novos curadores dessa perceção.

Este artigo não pretende dramatizar. Pretende alertar. Por isso, vamos diretos ao assunto.

 

Percepção de valor de uma marca

A perceção do valor de uma marca constrói-se, hoje, em espaços que a própria marca não controla, como, por exemplo, fóruns como o Reddit, plataformas como o Portal da Queixa, motores de pesquisa, redes sociais e, mais recentemente, os assistentes de IA. O que se diz, comenta e partilha nestes ambientes digitais torna-se numa “verdade percecionada” e é com base nela que muitos consumidores decidem comprar ou não.

Esta realidade não é apenas empírica. Está documentada. Um estudo recente publicado na Frontiers in Artificial Intelligence mostra que os consumidores da Geração Z, quando expostos a conteúdos gerados por IA, tendem a confiar mais nas marcas quando essa tal perceção digital é positiva. E o mais curioso é que esta confiança cresce, mesmo quando não existe experiência direta com o produto. Por outro lado, o “Global Risk Report 2025” aponta o mau uso da IA como uma das principais ameaças à reputação das empresas, maior do que as crises reputacionais clássicas. Isto significa que o contexto digital não só redefine a perceção do consumidor, como também amplia o impacto de cada interação pública.

Por sua vez, os chamados Large Language Models (LLMs), que alimentam os motores de pesquisa inteligentes como o Perplexity ou assistentes conversacionais como o ChatGPT, são hoje uma interface decisiva entre o consumidor e a marca. Quando um consumidor pergunta “Qual a melhor operadora em Portugal?” ou “Posso confiar nesta marca?”, a resposta que recebe já não vem da marca, nem de uma campanha, mas de um modelo que analisou e interpretou milhares de experiências partilhadas publicamente. Esse modelo interpreta dados. E essa interpretação, muitas vezes, não espelha o valor real da proposta da marca. Ora, se houver um volume elevado de opiniões negativas (mesmo que algumas distorcidas) o resultado pode ser arrasador. E nenhuma campanha de branding consegue corrigir, a tempo, essa impressão.

 

Mediadores de reputação

Nesse contexto, plataformas como o Portal da Queixa tornam-se, hoje, mediadores de reputação, quando o consumidor procura experiências de outros consumidores antes de tomar decisões. Segundo dados da própria plataforma, 98% dos visitantes procura avaliações antes de tomar uma decisão. Só 2% entra para reclamar. Isto revela o verdadeiro impacto de cada partilha pública da experiência de consumo. A confiança já não nasce das promessas publicitárias, mas sim dos relatos de outros utilizadores, muitas vezes anónimos, mas altamente influentes.

Na realidade, este fenómeno cria um enorme desafio paradoxal, onde as marcas investem milhões na construção de uma narrativa de excelência, mas, no final, é o consumidor quem decide com base em algumas experiências partilhadas num site de opiniões ou num fórum especializado.

Apesar deste cenário, muitas empresas continuam a tratar a reputação digital como uma extensão do marketing, e não como uma variável estratégica do negócio. Pior. Fazem-no com equipas desatualizadas, ferramentas inadequadas e uma perceção errada de controlo sobre o processo. As marcas ainda vivem num ambiente obsoleto, onde a reputação já não se protege apenas com relações-públicas ou campanhas de marketing criativas. Exige-se uma nova arquitetura de confiança, suportada por sistemas de monitorização inteligente, interpretação ética de dados e agilidade na resposta. No entanto, muitas empresas continuam a navegar à vista, sem ferramentas que lhes permitam antecipar riscos reputacionais e sem capacidade de adaptação aos novos fluxos de influência digital. E isso, para quem está ao leme, é perigoso. Por isso, é urgente que os CEO e CMO reconheçam que a reputação digital é um ativo intangível de capital. Isto não é marketing. É valor real. Já não se trata de aparecer no ranking de uma consultora, mas sim de sobreviver no top of mind dos consumidores, principalmente porque é manipulado por inteligência artificial.

 

E agora? Como se navega num oceano de dados que muda a corrente todos os dias?

O uso de inteligência artificial na análise e recomendação de marcas introduz riscos significativos. Os modelos podem amplificar opiniões enviesadas, favorecer marcas com maior presença digital e penalizar injustamente marcas mais pequenas ou emergentes. Além disso, as interações com influenciadores artificiais ou conteúdos gerados por IA levantam questões legítimas sobre autenticidade, transparência e ética.

Neste novo cenário, a perceção do valor de marca não é apenas frágil, mas igualmente volátil. E uma reputação construída ao longo de décadas pode ser desfeita por um conjunto de experiências negativas mal geridas e amplificadas.

 

O que fazer, então?

1.  Auditar a presença digital da marca regularmente. Não basta monitorizar menções; é essencial compreender a qualidade da perceção e as tendências do sentimento associado à marca.

2. Integrar ferramentas de IA para análise reputacional, mas garantir que há interpretação humana. A tecnologia deve apoiar a decisão, não a substituir.

3. Criar equipas com competências em IA, dados, comportamento do consumidor e ética digital. O desafio é transversal.

4. Estabelecer uma cultura de resposta rápida e empática. Cada contacto com o consumidor é uma oportunidade de reconstruir confiança ou perdê-la.

5. Criar estratégias específicas para plataformas de influência reputacional, como motores de pesquisa, sites de reviews e reclamações. Estes canais não podem continuar ignorados pelas equipas de gestão.

A perceção do valor de uma marca tornou-se um fenómeno social, algorítmico e altamente imprevisível. A confiança está agora fora das mãos da marca, nas mãos dos consumidores e nas respostas dos modelos de IA. E essa nova realidade não é futurista. Já está a acontecer.

A reputação digital é, neste momento, um dos fatores mais determinantes para o desempenho económico das marcas. Perder o controlo sobre esse ativo pode ter consequências reais. Cabe à liderança assumir esta nova fronteira com visão, responsabilidade e sentido de urgência.

Porque aquilo que a IA consulta, interpreta e mostra acerca de uma marca pode ser tudo o que o seu próximo cliente vai conhecer.

Este artigo foi publicado na edição N.º 95 da Grande Consumo

Pedro Barros Lourenço, CEO & founder Consumers Trust
Pedro Barros Lourenço
CEO & founder Consumers Trust

Armando Mateus, Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting International

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