Num belo dia digital, acordámos — ou pensámos que acordámos — num novo mundo. Um mundo onde máquinas pensam, algoritmos sentem e basta dizer “inteligência artificial” para que investidores comecem a atirar dinheiro como se fosse arroz no casamento de um influencer. Bem-vindos a Oz versão beta, onde tudo brilha, nada é transparente e os únicos realmente ricos são os que vendem a ideia de que sabem o que estão a fazer.
Nesta adaptação moderna da fábula, Dorothy não é uma menina do Kansas — é a humanidade, perdida entre atualizações automáticas, deepfakes e CEOs que se acham semideuses. A estrada de tijolos amarelos? É feita de dados, buzzwords e promessas recicladas. E o grande Feiticeiro? Esse é o melhor de todos … mas vão ter de ler até ao fim!
Capítulo 1: O Tornado da Promessa Infinita
Tudo começa com um tornado. Não dos que arrancam telhados, mas dos que nos põem a cabeça à roda. Chamam-lhe “revolução da IA”. De repente, tudo é “impulsionado por inteligência artificial”. Frigoríficos que percebem que estás triste. Torradeiras que recomendam podcasts. Aplicações que prometem resolver os traumas de infância e, se der tempo, também a falta de tempo.
Mas há um pequeno detalhe técnico: ninguém sabe exatamente como funciona. Ou porquê. Ou se devia. Mas isso não interessa. O que interessa é que funciona. Às vezes. Se o Wi-Fi colaborar. E com muito marketing à mistura, claro.
Capítulo 2: Os Companheiros da Ignorância
Na sua jornada por esta nova Terra de Oz, Dorothy (o primeiro nome da humanidade) encontra três companheiros admiráveis:
O Homem de Lata, que representa os engenheiros e programadores — geniais, sim, mas com a empatia de um calhau. O lema é simples: “se funciona, está ótimo”. Criam sistemas que decidem se temos crédito no banco, se recebemos tratamento médico ou, até, se podemos adotar um gato. Mas e se a coisa corre mal? “A culpa é dos dados, óbvio”.
O Espantalho, evidentemente, é a própria IA. Sabe tudo, menos o que interessa. Ganha campeonatos de xadrez, mas ainda confunde uma banana com um hamster se estiver de lado. Escreve poesia, mas responde “42” quando lhe perguntam se deve ou não usar aspas. Brilhante como um ecrã 4K, mas burro como um carregador USB.
E o Leão Covarde? São os decisores políticos e executivos de topo — cheios de coragem … desde que seja só para tirar fotos com óculos de realidade aumentada. Dizem que “a regulamentação está a caminho” com o mesmo entusiasmo com que prometem que vão começar a dieta na próxima segunda-feira.
Capítulo 3: A Estrada Dourada dos Lucros
Enquanto seguem viagem, os nossos heróis encontram startups e unicórnios que prometem reinventar o mundo com um algoritmo, um pitch e uma landing page com fundo gradiente. Tudo é “inovador”, “transformador”, “ético” — desde que o investidor goste.
A estrada de tijolos dourados é pavimentada com capital de risco, palestras TEDx e threads no Twitter escritas por “visionários” de 20 anos que usam palavras como “disrupção ética colaborativa em tempo real”. Sim, soa a magia. E é. De palco.
Os dados são colhidos com zelo quase religioso. A privacidade? Essa é um mito urbano, como o Pai Natal ou a neutralidade dos algoritmos. “Confia em nós”, dizem eles, com aquele sorrisinho de quem já está a vender a tua alma em formato de dados a três anunciantes e meio.
Capítulo 4: O Feiticeiro de Oz (versão freemium)
Finalmente, chegamos ao fim da estrada. Lá está ele: o Grande Feiticeiro da IA. Aparece entre fumo digital, luzes LED e promessas de “disrupção responsável”. Fala em tom grave, cheio de jargão técnico, enquanto desliza os slides de uma apresentação em PowerPoint chamada “O Futuro é Agora”. Garante que a sua IA é ética, imparcial e quase consciente — “agora com 15% menos enviesamento, e sem glúten!”.
Mas Dorothy, curiosa como sempre, puxa a cortina. E o que encontra? Um tipo de hoodie, a alternar entre copiar código do Stack Overflow, perguntar ao ChatGPT como lidar com exceções em Python e responder a investidores no Slack. Um artista da improvisação, mestre em parecer que sabe. Nada de magia. Só muito marketing, muita buzzword e um servidor escondido algures num armazém com ar condicionado.
Capítulo 5: O Discurso Final
E aqui está a grande verdade: o verdadeiro poder da IA não está na tecnologia. Está na mitologia. No espetáculo. Na ideia reconfortante de que alguém, em algum lado, tem tudo sob controlo.
A IA tem, sim, um potencial enorme — mas também falhas, enviesamentos, riscos e, acima de tudo, donos. Donos que decidem como, onde e porquê é usada. Só que muitos preferem não pensar nisso. É mais fácil acreditar no Feiticeiro. Ele tem voz grave, gráficos bonitos e um botão que diz “Otimize-se”.
Tal como em Oz, não estamos perante um vilão — estamos perante alguém que sabe que o mais importante não é ser mágico. É parecer mágico. E, convenhamos, isso vende muito mais.
Moral (com ironia extra)
No final, percebemos que não precisamos de um Feiticeiro para nos dar aquilo que já temos: cérebro, coração e coragem. Cérebro para perceber que nem tudo o que diz “IA” é mágico (às vezes nem é inteligente). Coração para exigir que a tecnologia sirva as pessoas — e não o contrário. E coragem para puxar a cortina, fazer perguntas desconfortáveis e recusar o deslumbramento acrítico.
Porque em Oz, como no mundo real, nem tudo o que brilha é sabedoria. Às vezes é só um alguém com uma app nova e um ego do tamanho de um servidor da SpaceX.
