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Afirmar a marca Portugal para um futuro auspicioso no universo dos vinhos

O mercado português dos vinhos tem vindo a crescer, acompanhado por uma maior aposta na qualidade e profissionalização do sector. Atualmente, assinala-se uma nova etapa mais direcionada para as exportações, baseada numa estratégia de aproximação aos mercados prioritários. Os vinhos portugueses beneficiam de uma perceção cada vez mais positiva, alicerçada nas boas críticas vindas das mais prestigiadas publicações do sector. Assim como no fenómeno no turismo, que tem vindo a dar impulso à marca Portugal.

O mercado dos vinhos em Portugal segue uma evolução positiva, sendo hoje um importante “cluster” na economia nacional, ao mesmo tempo que apresenta um forte dinamismo nas exportações. De acordo com dados Nielsen referentes ao ano móvel terminado em junho de 2017, foram comercializados 185,3 milhões de litros (INA+Lidl), o que equivale a um crescimento de 2% em volume. Crescimento esse que foi mais expressivo em valor, concretamente 5%, ao faturar 394,6 milhões de euros. “O mercado nacional cresce, quer no On Trade – mais 7% em quantidade e mais 8% em valor – quer no Off Trade – mais 2% em quantidade e mais 5% em valor -, mostrando que se pode crescer aumentando o preço médio de venda ao público. No Off Trade, a atividade promocional continua a aumentar de importância, representando já perto de metade das vendas (47,5%), o que pressiona os produtores e incentiva o aparecimento de novas marcas”, introduz Manuel Carvalho, New Business Development Manager da Nielsen.

De facto, tal como acontece no resto do mundo, o mercado dos vinhos em Portugal está altamente disperso. Cada vez existem mais empresas produtoras de vinho, mais projetos a diferenciarem-se uns dos outros e com a afirmação de regiões que, outrora, estavam um pouco esquecidas, como Lisboa ou Tejo. “Trata-se de um mercado de crescente exigência qualitativa. Os produtores têm, cada vez mais, que dar a conhecer as suas potencialidades e, acima de tudo, o que os diferencia, devido ao aumento crescente da oferta de vinhos”, analisa Luís Cerdeira, gestor e enólogo da Quinta do Soalheiro. Ou seja, “não concede a um único produtor uma fatia importante do mercado”, confirma Vasco Rosa Santos, coordenador de viticultura e enologia do Monte da Ravasqueira. “Há muita concorrência, o que é bom para os consumidores, mas algumas decisões do lado dos produtores nem sempre são bons exemplos de racionalidade económica, o que traz problemas ao sector”.

Qualidade e a diferenciação são fatores fundamentais para que o mercado do vinho continue a apresentar tendências positivas. “É fundamental ter um objetivo e uma estratégia. No nosso caso, passa pela qualidade e pela valorização de um território como fator diferenciador. O nosso objetivo é trabalhar para que o Soalheiro possa afirmar-se como um especialista em Alvarinho. Nesse sentido, todos os nossos vinhos têm Alvarinho no lote, mesmo o rosado e o tinto”, exemplifica Luís Cerdeira.

Para se ter sucesso num mercado tão pulverizado de marcas, a consistência da qualidade, mas também a capacidade de adaptação às tendências de consumo, são determinantes. “A qualidade não é suficiente, é um imperativo. Podemos ter a máquina mais perfeita de comunicação ou a melhor eficiência de processos, mas, quando o pilar da qualidade é abalado, tudo pode ruir muito rapidamente”, adverte o coordenador de enologia do Monte da Ravasqueira. “A consistência na qualidade e a resposta positiva que diariamente os nossos vinhos dão ao consumidor constituem o espelho da nossa forma de trabalhar. Só assim poderemos estar aqui por muitos anos. Primeiro fazer bem, depois fazer diferente e, no limite, fazer bem e diferente”.

Qualidade acessível para todos
Fator de diferenciação tão importante nos dias de hoje e ainda mais num mercado cada vez mais competitivo, onde a qualidade se faz acompanhar, muitas vezes, de um preço médio-baixo e onde é possível fazer vinho de qualidade acessível a todos. “Existe até o problema de alguns vinhos serem tão baratos que a sua qualidade não é devidamente apreciada”, adverte Alexandre Relvas, responsável pelo departamento de produção da Casa Agrícola Alexandre Relvas.

De facto, nos últimos 15 anos, o vinho teve uma enorme melhoria na qualidade média. Principalmente na grande distribuição, tem-se assistido ao lançamento de vinhos com um binómio qualidade/preço de assinalar. O segredo está, assim, num ponto de equilíbrio entre estes dois fatores. “Se conseguirmos reunir um equilíbrio entre a qualidade e o preço do nosso vinho, o consumidor é que fica a ganhar, experienciando algo de qualidade superior sem que isso tenha grande impacto na sua carteira”, afirma Cátia Fonseca, responsável de marketing da Ribafreixo Wines. “Não podemos é fazer o caminho inverso, que seria destruir a qualidade olhando somente para o preço. Quando isso acontecer, perde o consumidor, perdem os produtores, perde toda a cadeia de valor”, alerta Vasco Rosa Santos.

Os produtores consideram que existem atualmente preços na prateleira que não são sustentáveis. Tanto mais que, em termos de produção, algumas regiões portuguesas foram atingidas pela seca e pelas fracas colheitas dos últimos anos, com uma baixa produção de uva por hectare de vinha, o que torna o negócio muitas vezes pouco rentável para o agricultor. Por exemplo, em 2017, a Casa Agrícola Alexandre Relvas vai fechar o ano com cinco milhões de garrafas vendidas. A empresa irá faturar 10 milhões de euros, cerca de 10% mais que em 2016. Porém, no próximo ano, devido às condições do mercado, designadamente a escassez de vinho devido à seca prolongada de 2017, não será possível ter crescimentos a dois dígitos como no passado.

Para, no futuro, conseguir-se sustentar um preço médio-baixo, terá de haver grandes desenvolvimentos ao nível da viticultura, de modo a aumentar a quantidade média de uva produzida. O vinho é tendencialmente um negócio de margens curtas, onde o volume é importante para diluir os custos. “A decisão de entrar neste sector específico deve ser sempre observada no longo prazo. Isto é, se o produtor tem a perspetiva de lucros e reconhecimento imediato, provavelmente não terá sucesso. É um sector onde a qualidade e a unicidade de cada vinho e de cada colheita têm um papel decisivo nas escolhas do consumidor. Neste sentido, é uma área que exige um prazo alargado para que o negócio alcance um determinado nível de maturidade”, sublinha Luísa Amorim, administradora da Quinta Nova.

A agressividade promocional e de margens nas grandes superfícies faz com que seja difícil a uma mesma marca sobreviver neste canal e nas garrafeiras, razão da enorme proliferação de marcas no mercado. A Quinta do Soalheiro consegue, contudo, estar presente em ambos. “O mercado acontece em todos os parceiros”, defende Luís Cerdeira. Também o Monte da Ravasqueira aposta em ambos os canais. “A estratégia passa por ser coerente na mensagem, nos vinhos produzidos e adotar estratégias que visam aumentar o preço médio. A Ravasqueira teve a capacidade de se adaptar a duas conjunturas ou realidades distintas. A verdade é que a grande distribuição e os canais mais tradicionais de consumo de vinho são dois universos paralelos, com pontos de contacto importantes. Com o aumento do conhecimento do consumidor, um puxa pelo outro. Pensamos que o consumo de vinho nos supermercados supera os 70%, embora em valor esteja equiparado ao canal Horeca”. De facto, surgem cada vez mais pontos de venda especializados em vinho e procurados pelo consumidor conhecedor. A responsável de marketing da Ribafreixo Wines destaca ainda o aumento das vendas online, que “descomplicam o processo de compra, com a disponibilidade de produtos à distância de um clique”.

Conquistar as novas gerações

A Nielsen estima que o consumo nacional seja de 405 milhões de litros. Per capita, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho indica um consumo de 54 litros por ano, o mais alto em todo o mundo. O que deixa pouca margem para que se possa incrementar, ainda mais, este consumo. “O seu aumento passa por continuar a criar a apetência ao vinho como produto nacional de grande qualidade e com uma boa relação qualidade/preço e ganhando consumidores a outras categorias”, defende o porta-voz da Nielsen.

Num movimento onde, no entender de Alexandre Relvas, mais do que o aumento do consumo, o objetivo do país deverá ser o aumento da qualidade do consumo. E onde as novas gerações, como os Millennials, serão determinantes. “A tendência mundial é estarmos cada vez mais focados nesta faixa geracional, dado que são os que, por um lado, gostam de experimentar coisas novas (novas regiões ou novas castas), gostam de considerar o vinho uma bebida elegante e, por outro, apesar da instabilidade financeira, vão tendo algum poder de compra”, sustenta Cátia Fonseca.

Para os conquistar, a comunicação, nomeadamente através do digital, é muito importante, assim como criar produtos e ocasiões de consumo com que estes consumidores se identifiquem. “Há que mudar a oferta, com vinhos diferentes, castas diferentes e uma comunicação adequada ao ‘target’. Estes consumidores são tipicamente mais experimentalistas, menos fiéis às marcas, viajam mais, o que abre oportunidades de mercado para vinhos diferentes”, sublinha António Maria Soares Franco, vice-presidente da José Maria da Fonseca. Foi com este fito que este produtor estabeleceu uma parceria com o IADE, cujos alunos entraram num concurso para desenhar o packaging de uma das suas principais marcas, a Lancers. “Os resultados foram muito bons, pois a marca cresceu de forma bastante significativa e aproximou-se bastante do público-alvo mais jovem, dos seus valores e da sua linguagem”.

Muito diferentes dos consumidores mais velhos, os Millennials podem ser conquistados por um maior investimento em experiências e convites para conhecerem as marcas ou uma região de vinhos e explorá-la. “Para este segmento, o vinho precisa de ser desmistificado. Deve-se igualmente apostar na edução interativa e divertida, assim como numa comunicação mais dinâmica e jovem. No entanto, não devem ser descurados os outros tipos de público, nomeadamente o público mais velho, muito fiel ao vinho nacional e a marcas”, acrescenta Luísa Amorim.

Exportação
Os estudos não consensuais quanto ao modo de consumo dos Millennials. “Em Portugal, não se sente tanto a mudança de consumo das novas gerações, mas em mercados como as grandes cidades dos Estados Unidos da América, estas novas gerações são menos tradicionais no consumo, abrindo janelas de oportunidade para vinhos menos conhecidos, como os portugueses”, acrescenta Alexandre Relvas.

Exportação que é cada vez mais o foco dos produtores nacionais. 70% da faturação da José Maria da Fonseca vem das vendas ao exterior, enquanto 65% das vendas da Casa Agrícola Alexandre Relvas vem da exportação para 30 mercados. A mesma percentagem na Ribafreixo Wines, que estima este ano aumentar ainda mais esta parcela, dado estar a alargar o leque de países. 50% do que a Quinta Nova produz vai para os mercados internacionais, o mesmo que a Ravasqueira. O Soalheiro está em 27 mercados e 40% da sua produção é exportada.

Contudo, no entender de Alexandre Relvas, a marca Portugal, pese embora comece a ganhar alguma notoriedade, ainda pode valer mais. “Era importante criar uma marca Portugal antes de pensarmos em criar regiões”, defende. Cátia Fonseca acredita, no entanto, que, apesar de tímida, esta perceção do vinho português além-fronteiras é cada vez mais nítida. Basta olhar para o panorama de há 10 anos para se encontrarem diferenças bastante positivas. No seu entender, não só Portugal tem condições para competir lá fora, como, aliás, já está a fazê-lo.

Neste processo, era necessário, contudo, que houvesse mais sectores como o do vinho e o do calçado para fazer crescer ainda mais essa marca Portugal. “Somos hoje visitados por milhões de turistas e todos eles têm de ser uma semente de Portugal no mundo e não somente o mercado da saudade”, reforça Vasco Rosa Santos. “Acreditamos no mercado e julgamos que funciona. Acreditamos que quem faz bem, e o faz durante muito tempo, será recompensado. Temos de ser sinceros connosco próprios e saber dizer ‘não’ quando tem que ser. Não podemos querer competir com um vinho do Chile, que chega ao mercado do Reino Unido e está na prateleira a quatro libras. Para um vinho português regional chegar a esse preço, e poder ocupar espaço relevante na prateleira, estaria a perder dinheiro. Diria que o consumidor terá de estar preparado para dar um extra pelo vinho português. Devemos fazer comparações com os melhores”. António Maria Soares Franco concorda. “Não podemos nem só pensar no mercado nacional, que não é suficientemente grande para a nossa produção, nem pensar que vamos competir em volume e aos preços de alguns concorrentes internacionais. Portugal tem de se afirmar pela diferenciação e ter um preço médio bastante superior ao que tem atualmente e ao que têm outros países, como é o caso de Espanha. As castas autóctones portuguesas são uma riqueza e um património que temos que saber valorizar e construir. Mas temos que saber comunicar a sua diferença nos mercados internacionais. Temos outros exemplos de países que apostam não tanto no volume, mas na valorização da sua produção e é esse o caminho que temos de seguir”.

Até porque, hoje em dia, a concorrência vem de todos os lados e produz-se vinho em regiões onde se pensaria ser impossível, como o Reino Unido. As alterações climáticas estão a deslocar as fronteiras do vinho e, sobretudo, a fazer com que a viticultura se desenvolva e se encontrem modos de cultivo adaptados a novas realidades. “O aumento das temperaturas já está a provocar vindimas antecipadas e as fronteiras do vinho estão a ser alteradas. Há já diversos projetos de adaptação aos efeitos das mudanças, nomeadamente o recurso a vinhas mais tolerantes ao aumento da temperatura e seca, com menor necessidade de irrigação ou com uma maior aposta em práticas biodinâmicas. Será previsível um maior investimento numa agricultura sustentável”, acredita a administradora da Quinta Nova.

Se o futuro do vinho depende, para além do aumento do consumo, do clima e dos mercados, ambos em transformação, a afirmação da marca Portugal é também um impulso para um futuro mais auspicioso. “A associação do vinho ao enoturismo também é um vetor importante para o futuro, dado que é relevante para cativar o público, divulgando a história e o enquadramento do vinho, criando uma maior aproximação e conhecimento através de vivências de experiências”, defende Luísa Amorim.

Com o sector dos vinhos a experimentar uma fase de grande dinâmica, e de elevada concorrência, quer no mercado nacional quer no mercado internacional, é fundamental que, a nível macro, os vinhos portugueses possam afirmar a sua qualidade, diferença e características únicas, de modo a realizar todo o seu potencial nos mercados de exportação. Já a nível micro, as empresas de vinho têm de definir bem a sua estratégia de produto, distribuição e comunicação, de forma a poderem diferenciar-se e competir num mercado onde proliferam marcas e produtores e onde a distribuição está cada vez mais concentrada. “Uma verdadeira marca demora muito tempo a ser construída”, salienta António Maria Soares Franco. “Tudo começa na correta identificação da oportunidade de mercado para mais uma marca de vinho. O que queremos oferecer? Como se posiciona a marca quer em termos das características do vinho, daquilo que oferece ao consumidor, qual o preço, que imagem, que tipo de comunicação, onde queremos estar distribuídos? Todas estas variáveis têm que estar coerentes. Depois, é necessário tempo, investimento, persistência e consistência. Só assim se consegue construir uma grande marca”.

Este artigo foi publicado na edição n.º 47 da Grande Consumo.

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