Deolinda Silva, Diretora Executiva da PortugalFoods
Deolinda Silva, diretora executiva da PortugalFoods
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“A inovação pode modernizar receitas, mas os sabores e valores culturais mantêm-se intocáveis”

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No seguimento da apresentação do mais recente relatório de tendências da PortugalFoods, Deolinda Silva, diretora executiva da associação, destaca a Tradição Reinventada como uma das principais forças que irão moldar o sector agroalimentar português em 2025. Numa entrevista exclusiva, destaca a importância de equilibrar inovação e autenticidade, explorar práticas sustentáveis e apostar na digitalização como fatores decisivos para manter a competitividade no mercado global.

 

Grande Consumo – Quais das 10 tendências apresentadas pela PortugalFoods acredita que terão o maior impacto no sector agroalimentar português em 2025?

Deolinda Silva – Penso que uma das tendências que continuará a ter grande impacto na indústria portuguesa é a “Tradição Reinventada” (Tradition Reinvented). Perante um mundo em constante evolução, os consumidores procuram redescobrir os sabores da sua herança culinária, abraçando a autenticidade e a tradição. Portugal, com uma rica tradição gastronómica, com base na valorização de produtos locais e receitas tradicionais, pode beneficiar significativamente dessa tendência, promovendo produtos que evocam memórias e raízes culturais. Por outro lado, o desenvolvimento deste tipo de produtos permite uma diferenciação nos mercados externos.

 

GC – Como é que as empresas podem equilibrar a inovação com a autenticidade e a herança cultural nos seus produtos?

DS – As empresas podem equilibrar inovação e autenticidade ao reinventar produtos tradicionais sem perder a sua essência. Uma abordagem eficaz é utilizar ingredientes e técnicas ancestrais, mas aplicando novos formatos, combinações ou processos que valorizem a experiência do consumidor. A modernização das receitas e formulações pode passar por versões mais saudáveis, sustentáveis ou adaptadas a novas preferências do consumo alimentar, mantendo os sabores e valores culturais que lhes conferem identidade e autenticidade.

 

“A modernização das receitas e formulações pode passar por versões mais saudáveis, sustentáveis ou adaptadas a novas preferências do consumo alimentar, mantendo os sabores e valores culturais que lhes conferem identidade e autenticidade”

 

GC – No mesmo sentido, como é que a indústria nacional se está a adaptar ao aumento da procura por produtos que oferecem experiências sensoriais únicas e inovadoras?

DS – Há inúmeros exemplos de empresas e de produtos desenvolvidos para criarem experiências sensoriais únicas ou inovadoras. A empresa Infusões com História, por exemplo, apostou numa experiência sensorial que se cruza com a história e o património dos nossos territórios, explorando a Rota do Românico, desenvolvendo gamas de chás com recurso a misturas do Românico (chás do Românico) e do Rio e da Vinha (chás do Douro), utilizando plantas aromáticas menos usuais, típicas desta região, preservando o património nacional.

Uma estratégia que tem crescido é a do desenvolvimento de produtos por empresas de categorias diferentes, o que permite desenvolver produtos com características sensoriais muito disruptivas. Um dos exemplos é a parceria entre a Casa Mendes Gonçalves, com a sua marca Paladin, e a Nortada. Esta parceria permitiu desenvolver um kit de dois produtos: uma cerveja Nortada com piri-piri sacana e um piri-piri sacana com cerveja Nortada. É um produto que desafia os apreciadores (destemidos) de picante e de cerveja, uma combinação improvável, mas repleta de sabor e inovação.

Outro exemplo que alia o design a uma experiência sensorial distinta é o café servido pelo sistema inovador RISE Delta Q. Este sistema injeta o café de baixo para cima, pelo fundo da chávena. Este sistema permite proteger o café da exposição ao ar, intensificar o paladar e os aromas naturais do café, bem como manter a temperatura ideal e uma cremosidade mais persistente. Este sistema foi desenvolvido pela Delta em conjunto com o designer Philippe Stark.

 

GC – A tendência Climate Adaptation destaca a importância de práticas sustentáveis. Quais são os principais desafios que o sector enfrenta para adotar estas práticas em larga escala?

DS – Atendendo a toda a emergência climática atual, é fundamental a adoção de práticas de sustentabilidade, para proteção do planeta e para o sector se tornar mais resiliente. Há claramente alguns desafios na adoção destas práticas, particularmente num sector maioritariamente constituído por PMEs. Assistimos a uma forte sensibilidade das empresas, para este tema, que tentam implementar, cada vez mais, práticas sustentáveis nas suas operações. Por exemplo, ao tentar obter matérias-primas de origem mais próxima, com menor pegada de carbono, ou tentar garantir a utilização de práticas culturais mais sustentáveis ou regenerativas, a indústria está a exigir mais transparência por parte dos operadores e fornecedores.

Toda esta transformação tem custos iniciais elevados em por isso mesmo, as políticas de apoio e incentivos são importantes, assim como um trabalho de literacia e educação junto do consumidor, de modo que este compreenda que todas estas práticas têm reflexo no preço, o qual deve ser adequado e justo face ao trabalho de todos os elementos da cadeia.

Deste modo, a sustentabilidade no sector é uma questão complexa e crucial que exige tempo de adaptação e uma abordagem equilibrada.

 

GC – Que papel a PortugalFoods desempenha no apoio às empresas para integrarem práticas que minimizem o impacto ambiental, especialmente em produtos como o café, azeite e chocolate?

DS – A PortugalFoods tem tido um papel ativo no apoio às empresas do sector, promovendo quer a sustentabilidade, quer a descarbonização. Atualmente, lidera um projeto, em copromoção com a Inovcluster e com a Câmara de Comércio e Indústria de Ponta Delgada, que está a desenvolver um roteiro para a descarbonização da indústria agroalimentar e que, para além de caracterizar o estado atual de algumas fieiras do sector nesta matéria, trará orientações concretas de melhoria, por exemplo, em termos energéticos e de emissão de gases de efeito de estufa.

A PortugalFoods tem também dinamizado projetos de investigação e desenvolvimento tecnológico, como, por exemplo, o projeto mobilizador MOBFOOD, nos quais têm sido desenvolvidas metodologias de valorização económica de subprodutos da indústria, diminuindo o desperdício e promovendo a economia circular. Não somos produtores de café, nem de cacau, pelo que as empresas que comercializam produtos de café e chocolate estão atentas a todos os aspetos do fornecimento que permitam ter menos impacto. Já no caso do azeite, estamos perante uma produção, no nosso país, das mais modernizadas do mundo e que, por isso, tenta responder com eficácia aos desafios de práticas culturais mais sustentáveis.

A PortugalFoods acompanha projetos muito impactantes na promoção da sustentabilidade e regeneração, como é o caso da Vila Feliz Cidade da Casa Mendes Gonçalves, que tem, por exemplo, vindo a produzir pimentos picantes a partir de agricultura regenerativa, ou ainda o projeto da Vivid Foods/Vivid Farms, que promove uma aproximação da indústria alimentar a uma agricultura regenerativa, por forma a assegurar alimentos mais nutritivos e sustentáveis.

 

GC – A procura por alimentos que promovam o bem-estar emocional e físico tem vindo a aumentar. Como a indústria pode comunicar estes benefícios de forma eficaz ao consumidor?

DS – A comunicação eficaz dos benefícios dos alimentos para o bem-estar emocional e físico deve centrar-se na clareza, honestidade e conexão emocional com o consumidor. As marcas podem apostar em rotulagem transparente, destacando ingredientes funcionais e os seus efeitos positivos de forma simples e acessível.

O “storytelling” pode ser uma aposta, associando os produtos a momentos de relaxamento, energia ou equilíbrio. Embalagens interativas, design atrativo e mensagens inspiradoras podem reforçar esta ligação emocional com o consumidor. Além disso, o uso de certificações e referências científicas garante credibilidade, tornando a comunicação mais eficaz e alinhada com as expectativas dos consumidores.

 

“O “storytelling” pode ser uma aposta, associando os produtos a momentos de relaxamento, energia ou equilíbrio. Embalagens interativas, design atrativo e mensagens inspiradoras podem reforçar esta ligação emocional com o consumidor. Além disso, o uso de certificações e referências científicas garante credibilidade, tornando a comunicação mais eficaz e alinhada com as expectativas dos consumidores”

 

GC – O conceito Bytes to Bites sugere que a inteligência artificial está a revolucionar o sector. Em que área específica espera ver mais avanços nos próximos anos?

DS – A inteligência artificial irá transformar o sector, tornando os processos mais eficientes, seguros e sustentáveis. Nos próximos anos, espera-se que esta área tecnológica desempenhe um papel essencial em várias vertentes, como no controlo de qualidade (por exemplo, os sistemas de visão computacional poderão detetar defeitos nos produtos e prevenir contaminações), na automação da produção (por exemplo, implementação da robotização e algoritmos que otimizem as linhas de fabrico e a utilização de recursos) e no aumento da transparência e rastreabilidade.

A gestão da cadeia de abastecimento também será beneficiada pelos sistemas preditivos de IA, que poderão analisar os padrões de consumo, ajudando a afinar a produção e a distribuição de forma mais eficiente, diminuindo as perdas nestes processos, bem como a identificar previamente os riscos associados à cadeia.

Paralelamente, a IA terá ainda um papel crucial no processo de desenvolvimento de novos produtos, ajudando na formulação de produtos, alinhados com as preferências do consumidor de cada mercado. Será, também, uma ferramenta de otimização das campanhas de marketing.

 

GC – Pode partilhar exemplos concretos de como a inteligência artificial já está a ser usada pelas empresas portuguesas para melhorar a segurança alimentar e promover a inovação?

DS – Relativamente à inteligência artificial (IA), a indústria alimentar e de bebidas está numa fase de expansão. A introdução de IA nas suas operações industriais, para melhorar eficiência, otimizar processos produtivos, personalizar a experiência do cliente, entre outros aspetos, está com forte dinamismo e os mecanismos de financiamento apropriados serão fundamentais para acelerar a digitalização, através de IA, sobretudo para as PME. De referir que o ecossistema de startups apresenta algumas soluções interessantes com recurso à IA e à ciência de dados, na área da segurança alimentar. A Seedsight, por exemplo, desenvolveu uma tecnologia que permite fazer um scan de verificação da qualidade dos cereais, reduzindo o tempo de seleção dos melhores grãos em 89% e baixando os custos em 8%, o que permite um aumento da produtividade em 20%.

Quanto a outros exemplos, o Super Bock Group tem mostrado um forte compromisso com esta área tecnológica e, como tal, tem um projeto em curso que visa a digitalização dos processos no chão de fábrica com a monitorização da performance em tempo real e otimização potenciada por IA.

É também relevante referir que há cada vez mais interesse em recorrer à IA para apoio ao processo de desenvolvimento de produto e campanhas publicitárias e ainda para recolha e análise dos dados para melhoria da comunicação com o consumidor ou de gamas de produtos através, por exemplo, dos dados das compras digitais ou de ferramentas como os cartões de cliente nas grandes superfícies. Outro exemplo do Super Bock Group foi o desenvolvimento da campanha da cerveja Coruja, em 2023: “Coruja IPA n.º 1 VS. A.I.”. Nesta campanha interativa com o consumidor, a marca desafiou os consumidores a criarem rótulos criativos para a cerveja Coruja IPA, recorrendo à IA como fonte de inspiração e para o processo criativo.

 

GC – Que estratégias estão a ser implementadas para promover o uso da IA nas PMEs do sector agroalimentar em Portugal?

DS – Como sabemos, está em curso a Estratégia Nacional de Inteligência Artificial e as iniciativas de apoio à adoção de IA na economia nacional são muitas e diversificadas. Há uma aposta na melhoria das infraestruturas, que permitam reforçar a conectividade em várias regiões do país, particularmente, as mais afastadas dos centros urbanos e/ou industriais que ainda sentem, por vezes, limitação no acesso à rede.

A PortugalFoods, tal como outras entidades do ecossistema, tem promovido ações de capacitação na área da digitalização, para criar consciência coletiva para a necessidade da adoção de IA, sobretudo para as PMEs. Em concreto, a PortugalFoods submeteu uma proposta de projeto SIAC Digitalização, que se encontra em análise, dedicada à capacitação da indústria alimentar, e está integrada num Polo de Inovação Digital, o SFT-EDIH, que pretende acelerar a digitalização na cadeia agroalimentar, através da criação de um conjunto de serviços estruturados de formação e qualificação, acesso a redes de inovação, teste e adequação de soluções digitais.

 

GC – Como é que a PortugalFoods tem contribuído para a capacitação das empresas associadas, especialmente no contexto da Agenda Mobilizadora VIIAFOOD?

DS – A PortugalFoods tem uma agenda de atividades e projetos vasta e desafiante, que pretende dar resposta às várias necessidades das empresas associadas e do sector em todos os seus desafios (por exemplo, economia circular, eficiência energética, digitalização, exportação, cadeias logísticas, entre outros). No que respeita à Agenda VIIAFOOD, esta foi desenhada com base em oito pilares estratégicos, para dar resposta aos desafios do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), nomeadamente Nutrição e Alimentos Saudáveis e Seguros, Novas Experiências Sensoriais (novos aromas, texturas e formatos), Qualidade, Segurança e Rastreabilidade dos Alimentos, Comportamento do Consumidor, Sustentabilidade no Sector Agroalimentar, Processamento Eficiente de Alimentos e Embalagens, Infraestruturas Colaborativas para a Co-Inovação e Pré-Industrialização, e Promoção e Internacionalização do Sector Agroalimentar.

O Pacto de Inovação VIIAFOOD, liderado pela MC e coordenado pela PortugalFoods, tem sido um motor de transformação e de capacitação de todo o sector, dando resposta aos muitos desafios tecnológicos, de sustentabilidade e também de internacionalização. Em termos de internacionalização, através do VIIAFOOD, a PortugalFoods foi capaz de desenvolver uma estratégia focada na promoção dos produtos portugueses em mercados prioritários, como os Estados Unidos da América, o Canadá, o Japão e a Coreia do Sul, através da presença de dois especialistas que acompanham as empresas nas suas abordagens, ajudam a captar negócio e a identificar oportunidades para potenciar as exportações.

Em termos de promoção de um sector mais sustentável, a nível ambiental, e conforme já referido, temos em curso o Roteiro para a Descarbonização do Sector Agroalimentar, que pretende precisamente apoiar as empresas na transição para uma economia neutra em carbono e circular, capacitando-as para a adoção dos processos e tecnologias que promovem a descarbonização, apostando em áreas-chave como a circularidade, a energia e a digitalização.

A aposta na promoção de webinars de capacitação, nas mais variadas áreas, de importância para o sector e de eventos que pretendem criar conhecimento e que promovem a partilha de experiências é também importante na atividade da PortugalFoods, podendo destacar e mobilizar o sector para a conferência Dare2Change, a 2 de abril, no Centro de Congressos do Super Bock Arena, no Porto, que promete ser um dia inspirador para o futuro do sector e para as oportunidades que as alterações trazem, para além de estimular sinergias e networking entre o ecossistema agroalimentar.

 

GC – Quais são os próximos passos para assegurar que o sector agroalimentar português se mantém competitivo no mercado global?

DS – O sector tem-se destacado a nível global pela qualidade e diversidade dos seus produtos, apresentando, por vezes, um perfil de inovação na tradição. Para garantirmos o crescimento das exportações e da internacionalização das empresas portuguesas, é fundamental que se continue a investir na inovação colaborativa, nas práticas de sustentabilidade e na transformação digital.

Mas, nesta fase, é sobretudo fundamental, investir numa estratégia de comunicação da marca Portugal, que permita aumentar o conhecimento dos consumidores de outros países relativamente aos nossos produtos. É também fundamental, agilizar e reduzir a burocracia associada aos apoios, para acompanhar o ritmo e as necessidades das empresas, na abordagem aos mercados externos.

 

“Nesta fase, é sobretudo fundamental, investir numa estratégia de comunicação da marca Portugal, que permita aumentar o conhecimento dos consumidores de outros países relativamente aos nossos produtos. É também fundamental, agilizar e reduzir a burocracia associada aos apoios, para acompanhar o ritmo e as necessidades das empresas, na abordagem aos mercados externos”

 

 

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Por Carina Rodrigues

Responsável pela redacção da revista e site Grande Consumo.

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