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As disparidades salariais no sector do retalho estão a evidenciar-se com mais força, sobretudo entre os grandes centros urbanos e as zonas periféricas. Segundo Filipa Aleixo, Team Leader Sales & Marketing Adecco Permanent Recruitment da Adecco, em cidades como Lisboa, os pacotes de compensação são cada vez mais robustos, impulsionados pela concorrência com outros sectores e pela necessidade de oferecer mais do que apenas um salário fixo. Ao mesmo tempo, a evolução do retalho — com destaque para o segmento não alimentar — está a redefinir os perfis procurados e a valorizar competências digitais. Neste contexto, as empresas que apostam numa abordagem integrada à gestão de talento ganham vantagem competitiva.
Grande Consumo – O sector do retalho continua a demonstrar um dinamismo notável, mas também enfrenta desafios significativos. O que explica esta complexidade, especialmente na gestão de talento?
Filipa Aleixo – O retalho é um sector em constante reinvenção, impulsionado pela digitalização, pela evolução dos comportamentos de consumo e pela integração crescente entre canais físicos e digitais. Esta transformação gera novas exigências na gestão de talento, com uma procura crescente por profissionais versáteis, tecnicamente preparados e com fortes competências interpessoais. A complexidade do sector reside precisamente na necessidade de combinar visão estratégica com agilidade operacional, assegurando equipas capazes de responder, em tempo real, às dinâmicas do mercado.
GC – O Guia Salarial 2025 destaca uma elevada rotatividade no sector. Esta tendência tem vindo a intensificar-se?
FA – Sim, a rotatividade tem vindo a acentuar-se, especialmente em funções operacionais e de entrada. Isto deve-se, por um lado, à crescente competitividade por talento qualificado e, por outro, à pressão para equilibrar exigências operacionais com condições de trabalho atrativas. As empresas estão, no entanto, a adotar abordagens mais estratégicas para reter talento, investindo em propostas de valor mais completas, que incluem progressão de carreira, formação contínua e programas de bem-estar.
GC – Quais são atualmente os perfis mais procurados no retalho? E os mais desafiantes de encontrar?
FA – Os perfis ligados à digitalização e à gestão integrada dos canais de venda como especialistas em e-commerce, omnicanalidade e marketing digital estão entre os mais procurados. Contudo, os mais desafiantes de encontrar são os gestores operacionais com competências tecnológicas, capazes de liderar equipas e implementar soluções digitais no terreno. Esta escassez está diretamente ligada à falta de formação especializada e à crescente sofisticação exigida por estas funções.
GC – Competências como liderança, foco no cliente e agilidade estão a ganhar destaque. Como se refletem estas exigências nos processos de recrutamento?
FA – Estas competências tornaram-se verdadeiros diferenciadores. Hoje, mais do que nunca, procuramos candidatos com visão, capacidade de mobilizar equipas e sensibilidade para antecipar as necessidades do consumidor. A agilidade, a empatia e a capacidade de adaptação são avaliadas desde os primeiros contactos, pois são críticas para garantir não só o sucesso da contratação, mas também a retenção a médio e longo prazo.
GC – Existe uma escassez evidente de talento operacional e de perfis de coordenação com competências em gestão e digitalização. O que pode estar na origem deste défice?
FA – Há uma lacuna significativa na articulação entre a formação técnica e as exigências reais do sector. Muitos profissionais chegam ao mercado com preparação insuficiente para os desafios tecnológicos do retalho moderno. A solução passa por investir em formação prática e contínua, com foco na integração entre operações e tecnologia, preparando os profissionais para um ambiente de trabalho cada vez mais híbrido e exigente.
GC – Cargos como Diretor de Loja, Store Manager ou Area Manager continuam entre os mais valorizados. O que justifica esta tendência?
FA – Estes cargos são hoje verdadeiros centros de decisão. A sua valorização deve-se ao papel estratégico que desempenham na transformação digital, na gestão de equipas multidisciplinares e na implementação de experiências de cliente diferenciadoras. Além disso, são perfis com grande impacto nos resultados do negócio, exigindo uma combinação de competências técnicas, humanas e digitais.
GC – Estes perfis estão a evoluir? De que forma a tecnologia (retail media, CRM, POS avançado) está a moldar as suas funções?
FA – Estão a evoluir de forma significativa. A tecnologia trouxe novas ferramentas e métricas, que exigem competências analíticas, fluência digital e capacidade de liderar em ambientes cada vez mais orientados por dados. A gestão de loja deixou de ser apenas operacional para passar a ser também estratégica, com foco em eficiência, personalização e integração omnicanal.
GC – Que variações salariais se destacam atualmente no sector do retalho, por função e localização?
FA – As diferenças salariais são notórias, sobretudo entre as grandes áreas urbanas e as zonas periféricas. Um Diretor de Loja em Lisboa pode, por exemplo, alcançar uma remuneração até 53.900€, enquanto noutras regiões esse valor pode ser mais reduzido. Estas variações refletem o custo de vida, a competitividade local e a atratividade do sector noutras indústrias, como a tecnológica.
GC – A pressão para rever salários tem aumentado nas grandes cidades?
FA – Sem dúvida. A concorrência por talento nas grandes cidades está a levar as empresas a reverem as suas estratégias de compensação. Assistimos a uma aposta crescente em pacotes de benefícios mais completos, que vão além do salário fixo, incluem bónus de performance, planos de saúde, horários flexíveis e oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional.
GC – Existem diferenças relevantes entre o retalho alimentar e não alimentar, em termos de atratividade e remuneração?
FA – Sim, existem distinções claras. O retalho alimentar tende a ser mais estável, com forte presença de funções operacionais. Já o retalho não alimentar, impulsionado pelo e-commerce e pela inovação tecnológica, atrai perfis mais especializados e oferece maior valorização em áreas como marketing, experiência de cliente e transformação digital.
GC – Que estratégias têm provado ser mais eficazes na captação e fidelização de talento no retalho?
FA – As organizações que apostam numa proposta de valor holística, que combina salário competitivo, cultura organizacional positiva, oportunidades de progressão e formação contínua são as que mais se destacam. A flexibilidade, a escuta ativa e o investimento em employer branding são hoje fatores determinantes para atrair e fidelizar os melhores talentos no sector.