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A Comissão Europeia publicou ontem o relatório que resume os principais resultados da primeira avaliação da diretiva comunitária contra práticas comerciais injustas (UTPs) na cadeia agrícola e alimentar. A legislação, em vigor há poucos anos, começa a mostrar sinais de criar um ambiente de negócios mais equilibrado para produtores e pequenos fornecedores, apesar de alguns pontos a aperfeiçoar.
Indicadores de atividade e de impacto
Entre 2021 e 2024, as autoridades nacionais abriram mais de 4.500 investigações relacionadas com suspeitas de práticas comerciais injustas. Cerca de um terço dos casos encerrados nesse período confirmou infrações, o que resultou em 754 casos sancionados e multas totais de 41,9 milhões de euros entre 2022 e 2024. Estes números mostram uma tendência crescente e um envolvimento institucional mais forte no combate às UTPs.
Ainda assim, os dados recolhidos em inquéritos indicam que produtores e fornecedores denunciam um número reduzido de práticas injustas, em parte devido ao medo de retaliação. O relatório sugere que organizações de produtores e outras entidades de suporte – mesmo de países terceiros – podiam assumir um papel mais ativo no apoio a fornecedores individuais e na apresentação de queixas em seu nome. Além disso, as autoridades nacionais ainda utilizam pouco as investigações proativas, embora sinais anónimos tenham sido úteis para orientar procedimentos.
O que ainda está por fazer
A avaliação identifica vários aspetos em que é necessário progresso adicional. Há lacunas na divulgação e no conhecimento da diretiva entre agricultores e pequenos fornecedores, bem como no acesso à informação relevante. A cooperação entre autoridades de diferentes Estados‑Membros, especialmente em casos transfronteiriços, também pode ser reforçada. A Comissão já apresentou uma proposta recente, com acordo político alcançado a 10 de novembro, que visa precisamente melhorar a aplicação transfronteiriça contra práticas comerciais injustas.
Em termos de eficiência, a avaliação concluiu que os custos de implementação da diretiva são proporcionais aos benefícios, sobretudo para produtores primários e pequenos fornecedores. A diretiva é considerada coerente com outras intervenções da UE, sem conflitos ou inconsistências, e oferece valor acrescentado ao garantir um nível mínimo harmonizado de proteção em toda a União. Mesmo com implementações nacionais diferentes – que podem criar desafios para empresas que operam em vários países – agricultores e pequenos fornecedores beneficiam de uma proteção básica comum contra UTPs.
Estudos complementares e contexto
A avaliação apoiou‑se também em um estudo externo, hoje publicado, que analisou dados secundários e recolheu informações primárias por meio de entrevistas, inquéritos e grupos focais entre várias partes interessadas. Outro estudo externo, igualmente divulgado, examinou esquemas regulatórios e voluntários para remuneração agrícola justa, oferecendo contexto adicional sobre medidas nacionais ou privadas voltadas para práticas de preços mais equitativas.
Este relatório surge num contexto em que, desde 2024, protestos de agricultores em diversos países europeus salientaram problemas como pagamentos tardios, cancelamentos de encomendas em cima da hora e alterações unilaterais de contratos, mesmo após a entrada em vigor da diretiva. Em fevereiro de 2024, a própria UE apelou aos agricultores para relatarem experiências de práticas comerciais injustas, num esforço paralelo para aumentar a transparência de mercado e reforçar a aplicação da lei.
Próximos passos
O relatório será partilhado com o Parlamento Europeu, o Conselho, o Comité Económico e Social Europeu e o Comité das Regiões. Além de sublinhar áreas de fortalecimento do quadro UTP e da sua aplicação, aponta para a necessidade de atualização da diretiva. Segundo a Comissão, e como anunciado na intervenção sobre o estado da União de 2025 da presidente Ursula von der Leyen, está prevista uma revisão da legislação da UE sobre práticas comerciais injustas.
A diretiva 2019/633 foi concebida para proteger produtores e fornecedores na cadeia agroalimentar, ao fixar um padrão mínimo de proibição de práticas desleais entre empresas, enquanto permite aos Estados‑Membros adotarem regras nacionais mais rigorosas. O principal objetivo é evitar que agricultores sejam forçados a vender sistematicamente abaixo dos custos de produção, num contexto em que a assimetria de poder negocial pode levar a termos contratuais unilaterais ou à transferência de riscos económicos desproporcionados.
A primeira avaliação, embora ainda precoce, mostra que a diretiva tem relevância e impacto crescentes. O desafio agora é acelerar a consolidação de uma cultura empresarial mais responsável, aumentar a confiança e a capacidade de denúncia dos atores vulneráveis, e assegurar que a aplicação e cooperação entre países acompanhem a realidade de uma cadeia alimentar cada vez mais integrada e por vezes tensa.
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