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O retalho moderno enfrenta um fenómeno tão invisível quanto dispendioso: o ghost stock, ou stock fantasma. Trata-se de produtos que aparecem como disponíveis nos sistemas de inventário, mas que não estão fisicamente nas prateleiras nem nos armazéns.
Este problema, que resulta da combinação entre o boom do comércio eletrónico, a ascensão do social commerce e as políticas de devolução cada vez mais flexíveis, está a tornar-se um dos maiores desafios operacionais e financeiros do sector.
O stock fantasma é, na prática, mercadoria perdida na nebulosa da cadeia de valor — pode estar num processo de devolução, ter sido roubada, mal registada ou simplesmente esquecida entre as pilhas de encomendas em trânsito. E quanto mais complexas e dispersas são as redes logísticas dos retalhistas, maior o risco de discrepância entre o inventário real e o digital.
De acordo com dados da Manhattan Associates, 64% das marcas britânicas já identifica o aumento das devoluções como a tendência que mais impacto negativo tem nos seus negócios, sobretudo pela dificuldade em recuperar rapidamente o produto e colocá-lo novamente à venda.
Quando o pico de consumo se transforma num pico de devoluções
A dimensão do problema torna-se particularmente evidente durante grandes campanhas promocionais. Segundo a Manhattan Associates, 23% dos retalhistas regista devoluções entre 10% e 20% das suas vendas totais nesses períodos e apenas 18% consegue revender esses produtos devolvidos pelo preço integral.
Cada devolução custa, em média, entre 23 e 58 euros, não só pelo transporte e triagem, mas também pelo tempo que o produto permanece fora do circuito de venda, o que causa erosão em margens já muito estreitas.
“O ghost stock é um verdadeiro pesadelo operacional, que corrói não apenas a rentabilidade, mas também a relação com o consumidor”, alerta Keith Dipple, diretor de vendas da Manhattan Associates. “Os retalhistas estão presos entre a pressão para oferecer devoluções simples e o peso logístico de as processar. E, como 45% dos consumidores deixa de comprar novamente após uma experiência negativa, o impacto vai muito além do financeiro”.
Paradoxo das devoluções
O relatório “The Prime Day Paradox: Consumer Expectations Meet Retailer Reality” revela que 55% dos consumidores devolve, pelo menos, um produto adquirido durante campanhas como o Prime Day e 33% devolve entre um e três artigos, o que equivale a cerca de 78 milhões de produtos devolvidos.
As principais queixas dos consumidores refletem expectativas de rapidez, transparência e conveniência: 61% deseja poder cancelar ou alterar encomendas antes do envio; 39% espera um reembolso ou troca em 24 a 72 horas;
28% manifestam frustração com atrasos no reembolso e 18% refere mau atendimento durante o processo de devolução.
Para os retalhistas, este ciclo contínuo de devoluções tornou-se um fator crítico de fidelização. Já não se trata apenas de gerir o fluxo inverso de produtos, mas uma questão de preservar a relação com o cliente e recuperar valor, transformando um momento de insatisfação num ponto de contacto positivo com a marca.
Tornar o invisível visível
A Manhattan Associates defende que a solução não passa por restringir políticas de devolução, o que poderia alienar os consumidores, mas por revolucionar a visibilidade digital das operações. A resposta está num modelo de comércio unificado (unified commerce), capaz de integrar dados de stock, pedidos e comportamento do cliente em tempo real, permitindo que o inventário “fantasma” se torne visível e controlável.
Estudos do ECR Retail Loss Group indicam que corrigir as imprecisões de inventário pode aumentar as vendas em até 11%. Essa visão integrada permite decisões mais rápidas, acelera o tempo de reposição, melhora as previsões da procura e liberta capital imobilizado em devoluções ou erros de sistema.
“O horror do ghost stock pode ser altamente mitigado com uma visão unificada e em tempo real”, reforça Keith Dipple. “Trata-se de converter a complexidade em clareza, de forma que o produto volte a estar disponível o mais rapidamente possível”.
Num contexto de margens pressionadas e consumidores cada vez mais exigentes, a eficiência no ciclo das devoluções pode tornar-se um verdadeiro diferencial competitivo. Retalhistas que integrem processos circulares, baseados em dados e suportados por IA e automação, terão maior capacidade para repor produtos, reduzir perdas e garantir sustentabilidade operacional.
Além disso, ao transformar a experiência de devolução num processo simples e transparente, as marcas reforçam a confiança e a lealdade do consumidor — hoje, um ativo tão importante quanto as próprias vendas.
Como conclui Keith Dipple, “as devoluções não são apenas um tema logístico, são um tema relacional. Ao adotar um modelo de comércio unificado, as empresas podem exorcizar o ‘fantasma do stock’, maximizar a disponibilidade de produtos e transformar um desafio invisível numa vantagem tangível”.


