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Cada vez mais as cadeias de abastecimento assumem-se como um ativo estratégico. Isto acontece principalmente num mo9mento de incerteza global, fruto de eventos como pandemias, alterações climáticas e turbulência geopolítica. Eventos que evidenciam a necessidade de eficiência, resiliência e sustentabilidade das cadeias de abastecimento. É este o diagnóstico central do relatório “New-generation supply chain: Connecting the links to reach common goals”, publicado em setembro de 2025 pelo Capgemini Research Institute, que analisa como as organizações mais avançadas estão a preparar-se para responder aos desafios do século XXI.
O documento mostra que a revolução logística já está em marcha e terá implicações diretas para o tecido empresarial português.
O retrato global e o reflexo em Portugal
De acordo com o estudo, 72% das empresas a nível mundial afirmam já ter redesenhado as suas cadeias de abastecimento nos últimos três anos, contra apenas 54% em 2022. Em Portugal, o movimento é mais tímido: setores como a agroalimentar, têxtil e retalho estão ainda em fase inicial de adoção de soluções digitais avançadas, mas a pressão regulatória europeia e a volatilidade geopolítica tornam a mudança inevitável.
As empresas portuguesas exportadoras, sobretudo nas áreas do calçado, vestuário e agroalimentar, enfrentam um desafio adicional: a necessidade de garantir rastreabilidade completa e relatórios de sustentabilidade fiáveis para manterem acesso a mercados como Alemanha ou França, cada vez mais exigentes.
Mas, antes de mais, há que perceber o que é uma “cadeia de abastecimento de nova geração”. O define a new-gen supply chain como aquela que combina três atributos essenciais:
- Agilidade – capacidade de adaptação rápida a disrupções, variabilidade da procura, choques externos ou disrupções na cadeia de fornecedores;
- Sustentabilidade – com políticas ambientais integradas, redução de emissões (incluindo Scope 3), transparência, economia circular e seleção criteriosa de fornecedores;
- Uso de Inteligência Artificial e outras tecnologias emergentes – incluindo agentic AI, digital twins, Internet of Things (IoT), análise preditiva, etc., para melhorar visibilidade, otimizar operações e antecipar problemas.
Inteligência Artificial: da teoria à prática
O relatório sublinha que 51% das organizações globais já utilizam mais de cinco casos de uso de inteligência artificial generativa nas suas cadeias. Em Portugal, algumas multinacionais com operações locais já começaram a aplicar IA para previsão de procura ou otimização de rotas logísticas.
No entanto, a maioria das PME ainda depende de sistemas tradicionais de ERP e folhas de cálculo, sem acesso a modelos de previsão avançada. Para especialistas em logística, este fosso pode criar uma divisão clara entre empresas que conseguem antecipar disrupções e reduzir custos — e aquelas que ficam para trás.
O relatório destaca vários fatores que estão a empurrar essa transformação nas empresas:
- Crescente preocupação com resiliência: diversificação de fornecedores, uso de múltiplas rotas, e mitigação dos riscos associados à dependência de geografias instáveis ou únicas.
- Incremento no uso de tecnologias digitais: previsão da procura, otimização de inventário, uso de agentes de IA (agentic AI) – 51% das organizações afirmam que já implementaram mais de cinco casos de uso de Gen AI na sua cadeia.
- Sustentabilidade não como custo, mas como fonte de valor: cerca de 76% das organizações acreditam que práticas sustentáveis geram eficiências de custo, e 71% que o valor de negócio (marca, reputação, preferência do consumidor) destas práticas supera os custos envolvidos.
Sustentabilidade: custo ou oportunidade?
Um dos pontos mais relevantes do relatório da Capgemini é a ideia de que a sustentabilidade deixou de ser um encargo para passar a gerar valor. Globalmente, 76% dos executivos entrevistados acreditam que práticas ambientais reduzem custos, e 71% que aumentam o valor da marca.
No caso português, as metas da Agenda para a Descarbonização da Indústria 2050 e a aplicação da CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) vão obrigar centenas de empresas a reportar emissões, incluindo as da cadeia de valor (Scope 3). Isto significa que mesmo PME fornecedoras de grandes grupos terão de provar práticas responsáveis, sob pena de perder contratos.
E isto coloca um conjunto de desafios às empresas. Sobre isso o relatório aponta que, apesar do avanço, também existem lacunas e obstáculos:
- Visibilidade limitada nos níveis inferiores da cadeia (Tier 2 e Tier 3), tanto em matéria de sustentabilidade como de ciber-segurança. Embora muitos executivos digam monitorizar risco, essa monitorização raramente chega além do primeiro nível de fornecedores.
- Integração de tecnologia com sistemas legados: muitas empresas ainda lutam para integrar novos sistemas digitais com antigos processos operacionais, o que retarda os benefícios máximos.
- Capacitação de pessoas: surge como uma necessidade clara. Treinar ou reciclar colaboradores em competências digitais e ambientais é visto como crítico, mas não há maturidade uniforme nessa área.
No caso específico de Portugal as principais barreiras consistem em:
- Baixa visibilidade nos fornecedores de segundo e terceiro nível, especialmente em setores fragmentados como o agrícola e o têxtil;
- Integração tecnológica insuficiente, com muitas empresas a operar em sistemas desatualizados que não comunicam entre si;
- Escassez de mão-de-obra qualificada em áreas como análise de dados, inteligência artificial ou sustentabilidade corporativa;
- Financiamento limitado, sobretudo para PME que querem investir em digital twins, IoT ou soluções de rastreabilidade.
Implicações para territórios como Portugal
Embora o relatório tenha foco global sobretudo em grandes organizações (mais de USD 1 bilhão de faturação), as conclusões têm interesse direto para empresas portuguesas e europeias:
- Importância de investir em digitalização e IA para ganhar eficiência nos custos de transporte, logística interna e previsibilidade de procura;
- Necessidade de incorporar sustentabilidade – não apenas para cumprir regulamentações europeias (ex: CSRD, ESPR) – mas também para responder às expectativas de consumidores e cadeias de exportação;
- Desafio de capacitação: Portugal, como outros países europeus, precisará melhorar a oferta de formação técnica, consultoria e suporte para adoção de sistemas avançados nas PME;
- Vantagem competitiva para empresas que souberem articular cadeias mais ágeis, transparentes e sustentáveis – poderão beneficiar da preferência crescente por produtos “verdes” ou rastreáveis.
No que concerne às oportunidades para o mercado nacional, o relatório sugere que países como Portugal podem beneficiar se conseguirem posicionar-se como hubs de cadeias sustentáveis e digitais. Algumas vantagens:
- Portos estratégicos (Sines, Leixões) que podem tornar-se plataformas logísticas mais eficientes com digitalização;
- Especialização em setores verdes (como energias renováveis e agricultura sustentável), que pode ser valorizada em cadeias internacionais;
- Programas de apoio comunitário (PRR e fundos europeus) que oferecem incentivos para digitalização e redução de emissões.
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