“O sector dos centros comerciais não está a morrer, está a transformar-se”

Em 1985, nascia o primeiro grande espaço comercial na área urbana de Portugal, o centro comercial Amoreiras. Mais do que um novo conceito, o centro representava a modernidade a entrar no país. Hoje, assiste-se a uma mudança radical de mentalidade e de vivência dos consumidores, que ameaça condenar ao encerramento estas superfícies. Isto é, se não se adaptarem para complementar um novo estilo de vida, diz Fernando Oliveira, administrador da Mundicenter e atual porta-voz deste carismático centro comercial lisboeta, numa entrevista exclusiva à Grande Consumo. O shopping tem dado largos passos para acompanhar as necessidades dos consumidores e, para o responsável, o desafio é continuar a fazer com que o Amoreiras seja o centro de referência, não pela sua dimensão, mas pela sua qualidade, na cidade de Lisboa.

Grande Consumo – O sector do retalho vive uma fase de grande transformação devida, sobretudo, ao crescimento do comércio eletrónico. Que balanço pode fazer dos últimos cinco anos deste centro comercial?
Fernando Oliveira – 
Nos últimos cinco anos, atravessámos a crise e em boas condições. Este centro comercial, como outros, não só tem uma boa oferta, como está bem localizado e conseguiu passar pela crise sem grandes problemas.
De facto, nos últimos três anos, tem evoluído muito positivamente, quer em termos de tráfego, quer em termos de vendas. Particularmente, pela alteração do poder de compra das pessoas, real ou percebida, que é uma questão que o futuro dirá. Mas as pessoas têm a perceção de que têm mais dinheiro e, efetivamente, gastam mais dinheiro. Portanto, o consumo tem aumentado e o mercado de retalho tem também, como é evidente, refletido esse aumento de consumo. O desempenho tem sido francamente positivo.

GC – Como é que continuam a convencer os consumidores a visitar o centro comercial?
FO – 
Há certas coisas que ainda não se podem fazer através da eletrónica ou digitalmente, nomeadamente comer. Pode-se pedir para entregar em casa ou no escritório, mas comer ainda não. Eu sei que as pessoas também se encontram muito via digital, mas continuam também a encontrar-se pessoalmente. Há experiências sensoriais que não são possíveis em termos digitais. Apesar de já existirem aplicações e desenvolvimentos em que a pessoa pode simular como fica com determinado tipo de roupa ou de cor, as pessoas gostam de ver. Outras vezes, e isso é normal em determinadas lojas, nomeadamente do público feminino, as pessoas entram quase diariamente para ver quais são as novidades. Faz parte de um hábito.
O centro comercial não se resume a vender produtos. É um estilo de vida. A vida aqui acontece nas suas diferentes vertentes, quer em termos profissionais, quer em termos de lazer, como os cinemas, quer na satisfação de necessidades, sejam elas de compra de vestuário ou calçado. E, hoje em dia, um misto de lazer e necessidade, que é a área da alimentação. É algo que continua e que se faz em grupo ou em família. Desde que o centro proporcione condições – bom ambiente, boa experiência, boa oferta -, a atratividade continua.

GC – Pode-se dizer que as ofertas de lazer e restauração são um dos principais motivos de visita e que geram um impacto considerável ao nível do tráfego gerado?
FO – 
Claramente que contribuem. A restauração, que tem um excelente desempenho, especialmente depois das obras que fizemos há cerca de três anos, é claramente um ponto de atração e um motivo para as pessoas visitarem.
Não tínhamos “foodcourt” neste centro, apenas restaurantes, alguns com esplanadas próprias. Fizemos uma reformulação completa da área da restauração, criando um “foodcourt” onde as pessoas podem ir buscar o almoço a diversos restaurantes e partilhar o espaço. Penso que foi extremamente inovador no mercado dos centros comerciais e que alguns centros começaram a olhar para o que foi feito no Amoreiras e agora tentam fazer coisas diferentes na restauração, que fujam um bocadinho ao tradicional do centro comercial.
Em termos de imagem, de oferta e de ambiente, foi uma mudança absolutamente radical. Com isso, o tráfego aumentou muito na área da restauração e as vendas quase que duplicaram.

GC – Quais são as próximas ideias para o centro comercial?
FO –
 A próxima ideia é tentar sempre melhorar o espaço físico. O centro fez 33 anos sendo, com esta dimensão, o mais antigo em Portugal. A nossa preocupação é proporcionar uma boa experiência. Isto tem que ser com a oferta comercial, que é a razão de existir do centro, mas passa também pela oferta de lazer, de serviços, da alimentação. Assim como, em termos do espaço físico, manter-se atrativo, ter condições e proporcionar uma boa experiência na movimentação e na estadia das pessoas no centro.
A nossa preocupação é sempre melhorar e inovar, criando alguma diferenciação em termos das atividades que vamos proporcionando. Vamos continuar a trabalhar, ao longo do tempo, para garantir que as pessoas se continuem a rever no seu centro preferido.

GC – Os shoppings têm que se adaptar ao novo estilo de vida dos consumidores, mais frenético, com pouco tempo e muito digitais. O que seria uma nova geração de centros capaz de enfrentar este cenário?
FO – 
Um shopping tem que conseguir responder àquilo que são as necessidades ou àquilo que as pessoas valorizam. Não temos um consumidor, temos vários consumidores, com diferentes estratos e poder de compra e em termos etários. Temos que perceber quais são os hábitos dessas pessoas, que também vão evoluindo.
Assiste-se a algo no mundo que tem tido um grande sucesso: as plataformas. Começou com o iPhone, em que o seu sucesso vai além do dispositivo, mas vem da plataforma em que reuniu um mundo, permitindo criar uma série de aplicações e disponibilizá-las. Com isso, alterou completamente o paradigma dos telemóveis. Depois, apareceram plataformas como a Uber, o Airbnb, entre outras. São plataformas em que as pessoas satisfazem as suas necessidades de uma forma muito mais fácil, sem grandes complicações, sem envolver muita gente, porque resolvem diretamente.
Um centro comercial sempre foi uma plataforma, mas física. Proporcionava espaços a diferentes operadores para interagirem com os consumidores e vai continuar a ser essa plataforma. Agora, a atualização tem que ser em termos das necessidades e dos hábitos e dos meios disponíveis. Para nós, o grande desafio é como incorporamos isto numa atividade do centro que faça sentido na interação com os seus clientes, que responda às suas necessidades.
Esse é o grande desafio e é nisso que temos que trabalhar. Os centros comerciais têm que sofrer algumas alterações. O sector dos centros comerciais não está a morrer, está a transformar-se. Já houve muitas atividades e profissões que desapareceram, outras novas apareceram e outras vão aparecer. Há períodos em que estas transformações são mais radicaise têm um impacto maior. Avizinham-se algumas transformações que poderão ser um bocadinho mais radicais na utilização e no impacto que têm nos hábitos das pessoas, as facilidades que vão ser tornadas disponíveis.
Veem-se muitas lojas e operações que começaram apenas digitais e já estão a abrir espaços físicos. Mesmo quando há marcas que começam a investir muito no comércio eletrónico, ao mesmo tempo, querem maiores espaços físicos. Mas aí está relacionado com a localização, porque é um showroom, assim como local de entrega. Apesar das alterações, a parte física há de continuar. Deve é ajustar-se e o fator crítico para o nosso sucesso é conseguirmos entender e, tanto quanto possível, antecipar essa evolução.

GC – Os centros comerciais em Portugal têm acompanhado esta mudança? Ou têm sido afetados pelas vendas online?
FO – 
Os principais centros comerciais têm feito algum esforço para se modernizar. Quer nos nossos centros, quer em centros da concorrência, decorrem obras com o objetivo da adaptação do espaço e oferta aos novos tempos.
Em Portugal, ainda não estamos ao nível de outros países, em termos de comércio eletrónico. Não é transversal. Temos algumas áreas onde o comércio eletrónico tem mais peso do que outras. Mas, claramente, que temos que estar preparados para isso. Há atividades complementares ao comércio eletrónico que necessitam de um espaço físico e no qual podemos claramente preencher essas necessidades. Nomeadamente, nos pontos de receção e levantamento das encomendas que, por causa dos horários, trazem a conveniência na recolha dos produtos que se compram online. A criação dessas facilidades, em sítios onde as pessoas já vão, porque já frequentam os centros comerciais, para ir almoçar ou ir ao cinema, é um fator de interesse e provoca a visita.

GC – Como é que o Amoreiras se tem modernizado?
FO – 
O Amoreiras tem-se modernizado mais em termos do espaço físico, que é uma das situações que nos preocupava, visto os seus 33 anos. Temos vindo a fazer investimentos ao longo dos anos, porque fazer investimentos num centro em funcionamento é complicado. Melhorámos quer a oferta, quer em termos das próprias lojas que temos hoje.
Além da oferta dos espaços, modernizámos na interação com as pessoas. Através de atividades, quer sejam culturais, quer de parcerias, como temos com o Jardim Zoológico, através da qual tivemos, durante algum tempo, um espaço com realidade aumentada. Foi o primeiro espaço deste tipo em Portugal. Tal como temos parcerias com os museus. Assim, procuramos manter a interação e manter o interesse na visita ao centro.

GC – Já incluem ou pretendem incluir outras novas tecnologias no espaço?
FO –
 Fomos pioneiros em montar uma rede Wi-Fi grátis em todo o centro. No passado, normalmente, estava só na área da restauração ou em certos espaços. Entendemos que, hoje, ter uma rede Wi-Fi, e tendencialmente grátis, é tão importante como ter eletricidade, água ou ar condicionado.
Em termos da utilização das redes sociais e do digital, no Facebook e no Instagram, temos a possibilidade da visita do centro do tipo Streetview da Google, mas dentro do shopping. A pessoa pode fazer a viagem dentro do shopping. Foi fantástico que em 15 dias tivemos um número impressionante de “visitas” ao centro.
Procuramos estar atualizados, quer nas redes, quer na interação. É importante segmentar a comunicação para não massificar e invadir o espaço do utilizador com coisas que não lhes interessa. Tentamos, quanto possível, e isso é um trabalho que está a ser feito, segmentar a informação de acordo com a idade e os interesses das pessoas e tentar corresponder àquilo que é interessante para cada um.

GC – As redes sociais têm um papel importante na dinamização do Amoreiras?
FO – 
Vamos agora ter uma facilidade tipo um chat de WhatsApp no próprio site, em que as pessoas podem fazer as perguntas e, tão rápido quanto possível, quase em “real time”, ter as respostas. São melhorias que queremos fazer em termos da comunicação. 
Hoje em dia, o tempo é crítico. Se uma pessoa quer informação, se não a tem ao fim de meia hora ou uma hora, desiste. Aqui há uns anos, mandávamos uma carta ou um e-mail e aguardávamos uma semana para ter uma resposta. Agora, queremos uma resposta quase que imediata. Portanto, temos que ter essa preocupação, principalmente naquilo que faz sentido. Vamos criar facilidades para as pessoas poderem ter a informação que necessitam sem interagir, mas se tiverem que interagir que seja o mais eficaz possível.

Este artigo foi publicado na edição n.º 53 da Grande Consumo.

O que acontece quando se responde ao Aldi e ao Lidl na mesma moeda?