Guerra ao plástico

Foto Pedro Lucas

A guerra ao plástico está declarada. Um pouco por todo o mundo, aparecem conceitos de retalho alimentar onde as embalagens de plástico não entram. Os produtos são vendidos na loja em recipientes de vidro ou papel. Unpackage em Londres, Original Unverpack em Berlim, Biocoop 21 em Paris, Ekoplaza em Amesterdão, Maria Granel em Lisboa, apenas para nomear alguns. A própria distribuição moderna declarou guerra ao plástico. Uma exigência em matéria-ambiental e também uma resposta a um consumidor que está cada vez mais desperto e consciencializado para questões de sustentabilidade. Quem beneficia são as vendas a granel, que ganham cada vez mais espaço nos lineares de supers e hipermercados.

580 toneladas de plástico em dois anos. É esta a meta ambicionada pela cadeia britânica Marks & Spencer, que vai começar a vender mais de 90 gamas de frutas e legumes não embalados, num teste para reativar a utilização de sacos de papel. Do Reino Unido viajamos para o Brasil, onde o Pão de Açúcar anunciou que vai deixar de usar 18 mil embalagens com a aposta nas vendas a granel. Um pouco por todo o mundo, há negócios que nascem da guerra ao plástico. Escovas de dentes de bambu, pratos feitos com farelo de trigo, palhetas de algas… E lojas, cada vez mais lojas, onde o plástico não entra.

Em Portugal, esta é uma tendência que também se faz sentir e são cada vez mais os espaços onde as vendas se fazem à moda antiga, a granel. Existe até na Internet um diretório destas lojas, contando-se mais de 150.

Os dispensadores da Maria Granel.
Foto Pedro Lucas

 

Maria Granel

É o caso da Maria Granel, em Lisboa. Em atividade há quatro anos, esta mercearia possui, atualmente, dos espaços em funcionamento, um em Alvalade, o primeiro, e outro em Campo de Ourique. “Fomos a primeira loja em Portugal, e uma das pioneiras na Europa e no mundo, a dispensar as embalagens e a vender exclusivamente a granel. Fomos, aliás, com muito orgulho, referenciados internacionalmente como os introdutores do sistema BYOC (‘Bring your own container’) no mercado nacional, possibilitando que quem nos visita traga os seus próprios recipientes para se abastecer. E abrimos também a primeira ‘zero waste concept store’, um espaço pioneiro só com acessórios sustentáveis (‘plastic free’, reutilizáveis ou com materiais compostáveis e ecológicos) para facilitar este estilo de vida ‘zero waste’”, afirma Eunice Maia, sócia fundadora.

Posicionando-se como a primeira loja “desperdício zero” em Portugal, para criar a Maria Granel, foi-se buscar inspiração ao que já se fazia pelo mundo fora. “Estudámos o mercado internacional, e falámos com os fundadores de lojas pioneiras em todo o mundo, e nacional, de forma profunda, e considerámos que fazia todo o sentido introduzir em Portugal a venda a granel de produtos biológicos, dispensado totalmente as embalagens”, defende.

Mais do que um projeto empresarial, esta mercearia é um projeto de vida. “A Maria Granel é fruto de uma história de amor entre um açoriano e uma minhota e as suas raízes. É a materialização de uma enorme vontade de trazer a terra e a natureza para a cidade”, confessa. “As nossas memórias de infância estão particularmente associadas ao campo e à terra. Essas raízes definiram a nossa identidade. Quisemos dar continuidade a esse património afetivo. E este projeto é mesmo isso: um regresso às origens, um regresso a casa”.

Os pilares da missão da Maria Granel estão literalmente inscritos nas suas paredes: consumo responsável e sustentável e redução do desperdício. O compromisso com a sustentabilidade verifica-se também na aposta na produção local, com um crescente número de fornecedores biológicos e certificados.

Crescente é também o número de clientes, cada vez mais fidelizados a esta insígnia. “Acima de tudo, reconhecem a qualidade dos nossos produtos, do atendimento e, mais uma vez, a importância da nossa missão. As pessoas reconhecem não só a marca, mas valorizam sobretudo a nossa missão. Além disso, mais do que visitar uma loja, quem entra na Maria Granel vive uma experiência (os aromas, as cores, o apelo de todos os sentidos) e contribui ativamente para um mundo melhor”.

Foto Pedro Lucas

Para levar esta missão fora das paredes da loja, foi criado o Programa Zhero. O objetivo é ajudar a comunidade a reduzir o desperdício. “Promovemos consultoria, conferências e conversas informais em ambiente ‘corporate’, partilhando com empresas nacionais e internacionais, organizações não governamentais e outras entidades, o nosso percurso e testemunho de sustentabilidade; dinamizamos igualmente workshops e palestras sobre o tema e desenvolvemos projetos em escolas com alunos de vários níveis de escolaridade. O último serviço que lançámos no âmbito deste programa é a ‘pantry makeover’, a transformação das despensas lá de casa em despensas ‘zero waste’, mais saudáveis e mais sustentáveis. Este serviço conta com a colaboração da nutricionista Ana Sofia Guerra e com a consultoria na área da decoração e organização da Sara da Silva Dinis”, detalha.

Para Eunice Maia não existem dúvidas: nesta era de consumo desenfreado, a sustentabilidade é um caminho que se terá necessariamente de seguir. “Não há alternativa, porque simplesmente não há outro planeta. Está na hora de percebermos que os recursos não são inesgotáveis e, como tal, na hora de consumir, é muito importante fazê-lo com consciência, (re)pensando os nossos gestos, o seu impacto, questionando toda a cadeia, o seu design, o seu final de vida e a sua forma de descarte. Se se transformar em ‘lixo’ e deixar de ser um ‘recurso’, então não faz qualquer sentido consumir”.

2018 representou um importante marco de viragem no sentido de uma maior consciencialização em matéria de sustentabilidade, mas ainda existe um longo caminho a percorrer. A título individual, é necessária uma maior responsabilização pelos resíduos que se descartam, o que implica repensar o próprio consumo. A título coletivo, Eunice Maia defende que é imperativo que haja incentivos para quem luta contra o desperdício. “Precisamos também de bons programas comunitários de recolha de resíduos orgânicos, compostagem, bancos de alimentos e de tecidos, parques de reciclagem. Precisamos que os órgãos que nos representam politicamente usem o seu poder para pôr em prática uma lógica de economia circular, em detrimento da lógica linear ainda vigente. A nível macro, e no contexto de várias diretivas europeias de combate ao plástico e aos descartáveis, considero ser muito importante desenvolver condições para dar o destino correto aos novos materiais biodegradáveis que estão a surgir como alternativa ao plástico e, por outro lado, punir e simplesmente banir o uso dos descartáveis”.

Eunice Maia acredita que é possível conceber um mundo sem plásticos. “Se ele já existiu sem plástico, é a prova de que, sim, é possível. No entanto, não devemos demonizar este material que tem, de facto, inúmeras vantagens. O problema não é o plástico, mas a forma como o consumimos, porque o tornámos descartável”.

 

A distribuição moderna

No Pingo Doce, está a ser levado a cabo um projeto para endereçar, precisamente, esta necessidade de reduzir as embalagens descartáveis. Trata-se das máquinas de abastecimento de água da Eco, um serviço self-service de reenchimento de garrafas de água através de um dispensador de água purificada. Lançado em abril de 2018, e já em vigor em 42 lojas, só no ano passado, este serviço permitiu poupar 220 mil garrafas de plástico. A meta do Pingo Doce é atingir, no final do primeiro trimestre, mais de 100 lojas.

O acesso a este serviço implica a aquisição de uma garrafa Eco de três litros, que tem um custo de um euro e que pode ser reutilizável. O enchimento de cada garrafa faz-se por 18 cêntimos, o que significa um preço por litro de seis cêntimos.

Um projeto que exemplifica como a própria distribuição moderna está também a procurar contribuir para a redução do plástico de utilização única. São várias as insígnias a desenvolver iniciativas neste sentido, desde a eliminação dos sacos plásticos ao ecodesign das embalagens dos seus produtos de marca própria.

Nas lojas Auchan, esta não é uma preocupação de agora. Em 2008, foram das primeiras insígnias a incentivar os clientes a utilizar embalagens recicláveis nas suas compras e implementaram as chamadas caixas ECO, onde não eram oferecidos sacos de plástico. Mas uma das faces mais visíveis desta estratégia de sustentabilidade são os mercados Avulso, presentes nas lojas Auchan desde 2012. A iniciativa arrancou nas lojas de Almada e da Maia com 400 referências. Hoje, 26 hipermercados Jumbo e 15 lojas MyAuchan, o conceito de proximidade do grupo retalhista francês, têm esta zona de venda a granel, com uma média de 600 referências, das quais 46 são produtos biológicos. Doces, bombons e chocolates, bolachas, cereais, chás, cafés, ervas aromáticas e especiarias, leguminosas, frutos secos, farinhas, sementes, patês e comida para animais fazem parte da oferta. Os produtos biológicos estão presentes em 16 lojas Jumbo e uma MyAuchan, certificadas pela SATIVA como local de venda de produtos biológicos avulso. “A aposta que estamos a fazer na venda de produtos a granel, com o mercado Avulso, foi bem conseguida, uma vez que os nossos clientes aderiram muito bem ao projeto desde o seu lançamento, são muito recetivos aos novos produtos que lançamos e frequentemente deixam sugestões de artigos que gostariam de encontrar neste espaço”, salienta Ana Rita Cruz, gestora de sustentabilidade e ambiente da Auchan Retail Portugal.

Trata-se de uma aposta com vantagens ao nível ambiental, económico e social. De acordo com Ana Rita Cruz, as mais-valias ambientais são evidentes e valorizadas pelos clientes. “Não há desperdício, uma vez que esta é uma solução que permite consumir apenas na quantidade que se necessita, ao mesmo tempo que poupa recursos na utilização de embalagens: simples, leves e de fácil reciclagem. De sublinhar que, já em 2019, alterámos as embalagens deste mercado para papel. Mais uma medida para redução do uso de plásticos”, adianta.

Este formato tem também vantagens económicas, ao oferecer ao cliente um modelo de compra alternativo em que pode poupar, comprando a um preço por quilo mais barato face aos equivalentes embalados e nas quantidades adaptadas à sua carteira e necessidades imediatas.

Por último, tem vantagens sociais. A compra avulso disponibiliza produtos normalmente não acessíveis a todos os padrões de consumo e é uma solução para aumentar a variedade de alimentos introduzidos na dieta. “Em suma, com o avulso, oferecemos aos nossos clientes a possibilidade de adaptar as compras às reais necessidades com menos desperdício, maior poupança e mais variedade”.

 

Guerra ao plástico

Estas são algumas das iniciativas que estão a surgir e que vão ao encontro das pretensões governamentais para a eliminação dos plásticos de utilização única. Recentemente, a União Europeia chegou a um acordo para a futura proibição, a partir de 2021, de alguns plásticos de utilização única, como cotonetes, palhinhas e talheres, para reduzir a poluição marítima.

O acordo alcançado necessita ainda de ser formalmente ratificado pelos Estados-membros e pelo Parlamento Europeu, esperando-se que o processo esteja concluído até à primavera e possa entrar em vigor em 2021. A proposta apresentada pela Comissão Europeia prevê a proibição de categorias de produtos que representam 70% dos detritos que poluem oceanos e praias.

Em relação a outros produtos de plástico de utilização única, os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para obter uma redução ambiciosa e sustentada de, pelo menos, 25% até 2025. Nesta categoria incluem-se caixas para hambúrgueres, sanduíches e saladas, bem como recipientes para frutas, legumes, sobremesas ou gelados. Os 28 terão ainda de assegurar a recolha seletiva e a subsequente reciclagem de, pelo menos, 90% das garrafas de plástico descartáveis, até 2025.

Mas Portugal vai antecipar-se aos prazos previstos por Bruxelas e, a partir do segundo semestre de 2020, os plásticos de uso único serão proibidos. Pratos, talheres e copos, palhinhas, cotonetes ou palhetas para mexer o café de plástico descartável irão desaparecer das prateleiras dos supermercados em junho do próximo ano, numa antecipação às metas da Comissão Europeia.

De igual modo, a partir de 1 de janeiro de 2020, passarão também a ser proibidos os chamados sacos de plástico oxo-degradáveis, apresentados nos últimos anos como sendo mais ecológicos, porque mais finos, mas os estudos vieram revelar que apenas se desintegram em pequenas partículas igualmente poluidoras. Já os sacos de plástico mais espessos aumentam de preço. A única exceção serão os sacos que incorporem 70% de plástico reciclado.

Por outro lado, para as embalagens está prevista a introdução da tara retornável, o que significa que a sua devolução será gratificada com vales de compras. A medida avança como projeto-piloto em diversos supermercados, prevendo-se o seu alargamento a todo o país dentro de dois anos.

Um pouco por todo o mundo, está declarada a guerra ao plástico. As imagens dramáticas da ilha de plástico no Pacífico Norte confirmam a urgência nas medidas. Toda feita de plástico flutuante, a Grande Mancha de Lixo do Pacífico mede 17 vezes a dimensão de Portugal. São 1,6 milhões de quilómetros quadrados e 80 mil toneladas de plástico a flutuar.

Esta “ilha” demonstra as ineficácias da gestão de resíduos, apesar de se criarem sistemas cada vez mais completos e eficientes. E não é caso único. Existe uma outra também no Pacífico e duas no Atlântico. 99,9% dos detritos nelas encontrado são plásticos e vão desde recipientes, garrafas, tampas, fitas de embalagens, cordas, redes de pesca ou pequenos pedaços.

A solução passa pela redução da dependência do plástico, reduzindo os de utilização única e alterando os hábitos no sentido de uma economia circular. Caso contrário, se nada for feito, em 2050, haverá mais plásticos do que peixes no mar.

Este artigo foi publicado na edição n.º 55 da Grande Consumo. 

 

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