É a junção de duas empresas portuguesas que, em conjunto, acumulam cerca de 140 anos de experiência no mercado de brinquedos, em Portugal. Em 2022, a Concentra assegurou a compra da Majora, a mais antiga empresa portuguesa de jogos. Para Ricardo Feist, diretor geral das duas empresas, trata-se da concretização de um sonho, ou não tivesse o gestor, “nascido e criado” no sector dos brinquedos, crescido também a brincar com os jogos da Majora. E, conta-nos, representa também um certo “renascimento” da própria Concentra que, até aqui muito focada na distribuição de marcas, vai reforçar o desenvolvimento dos seus próprios produtos. Uma aposta na diferenciação, na internacionalização – ou não tivesse a Concentra o objetivo de ser tornar num “player” ibérico relevante – e na liderança. Com um pé no top 5 nacional, a única empresa portuguesa que consegue ombrear com as grandes multinacionais do sector dos brinquedos aponta claramente a liderar os jogos de tabuleiro, uma categoria que tem registado um grande desenvolvimento e que vale hoje cerca de 30 milhões de euros.
Grande Consumo – O mercado dos brinquedos passa, cada vez mais, uma imagem de estabilidade. Quanto estima que valha, atualmente, este mercado em Portugal e quais as categorias mais significativas e as mais dinâmicas? Quem domina este mercado?
Ricardo Feist – De acordo com a GfK, que tem acesso direto aos dados dos retalhistas e cobre cerca de 85% do mercado total, os brinquedos valem cerca de 200 milhões de euros. Nos últimos dois a três anos, tem-se mantido nesse valor. Durante o pico da pandemia, em 2020, este mercado caiu 5%, mas voltou a recuperar e ficou praticamente “flat”. Este ano, como já temos crescimentos ao longo do que chamamos de permanente, estimamos que possa crescer ligeiramente. Mas tudo, obviamente, depende da campanha Natal.
Este mercado é dominado por cinco empresas que, no seu conjunto, fazem quase metade do negócio. A Concentra, com grande orgulho, é a única empresa portuguesa nesse lote. As outras são a Lego, a Mattel, a Hasbro e a Famosa, todas grandes multinacionais.
Os brinquedos são um mercado também muito dominado por uma forte componente de marketing, com muitas campanhas na televisão para acompanhar as tendências das séries, dos desenhos animados, das estreias no cinema e, agora, também dos fenómenos digitais. Portanto, é um mercado muito dinâmico e que está sempre em evolução.
GC – Como tem vindo a evoluir o negócio da Concentra, nomeadamente, nos últimos dois anos, em que, de um modo geral, todas as áreas foram mais ou menos afetadas pela pandemia?
RF – Foram tempos muito estranhos. Por um lado, houve momentos em que sentimos uma forte retração, sobretudo, naquele período em que as lojas estiveram fechadas. Não só os especialistas – a dada altura, os hipermercados também foram proibidos de vender brinquedos. Ressentimo-nos, claramente, e o online não estava suficientemente desenvolvido para compensar essas perdas.
Mas sentimos também uma grande mudança, em termos de categorias de vendas. Com os confinamentos, sentimos um claro crescimento na categoria de jogos de sociedade, assim como de manualidades, dada a necessidade de manter as crianças entretidas em casa.
Portanto, reforçando o que já disse, o mercado de brinquedos é muito resiliente e, apesar destas crises, conseguiu reinventar-se rapidamente e adaptar-se a outro tipo de segmentos. No final, acabou por não cair assim tanto. Tenho a firme convicção, porque já nasci dentro do mercado de brinquedos, que, apesar de não serem bens de primeira necessidade, as famílias fazem todos os sacrifícios possíveis para que as crianças não sintam os efeitos das crises. E o mercado acaba por ser bastante resiliente nesse sentido.
GC – E que balanço pode já fazer de 2022, para a Concentra?
RF – Está a ser um ano muito positivo. Estamos a crescer muito no permanente – até setembro, cerca de 40% em valor – e as previsões para o Natal também são bastante robustas. Se tudo correr bem, estamos a preparar-nos para ter um ano recorde, o que é incrível, não só comparando com 2021, que foi um ano atribulado, mas também com os números de 2019. Estamos 30% acima.
“Confesso que é um sonho, já de há muitos anos, poder juntar duas marcas tão icónicas. Trata-se de uma aposta estratégica. A Concentra foi criada como uma empresa, sobretudo, de distribuição de marcas internacionais. Ao longo dos últimos anos, tem feito um caminho para desenvolver cada vez mais os seus próprios produtos e específicos para o mercado português. A compra da Majora insere-se também no seguimento dessa estratégia”
GC – E como se explica isso?
RF – Às vezes, são as estrelas que se alinham… Temos um portfólio de marcas bastante diversificado, o que é muito importante, porque nos permite estar em vários segmentos de várias categorias. Nesta fase, estamos em várias categorias com várias marcas a funcionarem muito bem. Por exemplo, no caso do pré-escolar, temos a marca líder, que é a Patrulha Pata. São 10 anos de mercado e continua com grande força. Também temos, há cerca de 10 anos, o Canal Panda, que é uma marca muito sólida no pré-escolar. Somos também muito relevantes nos filmes de ação, onde temos algumas figuras da Marvel e da DC Comics e as figuras do Harry Potter. Somos muito fortes em jogos e na eletrónica. Boa parte dos muitos brinquedos eletrónicos de que dispomos está já adaptada ao mercado português. E temos também uma força muito grande em peluches.
Dominamos, de facto, algumas das categorias do mercado, sendo que há outras onde não somos tão relevantes, como, por exemplo, as construções, obviamente, uma categoria dominada pela Lego, e as bonecas, mais dominada pela Mattel, que tem a Barbie, e pela Famosa, que tem os Nenucos. Diria que, de todas as empresas do top 5, somos aquela que tem um portfólio mais diversificado e que está em mais categorias com maior relevância.
GC – Isso não traz, depois, algumas dificuldades de gestão?
RF – Traz bastantes, porque abrimos muitas frentes. Mas, sinceramente, preferimos. Já passámos por várias crises e sentimos que, quando temos uma coleção muito focalizada numa ou duas categorias particulares, se estas caírem, a empresa toda vai atrás. Há muitos anos que seguimos esta estratégia de ter um portfólio muito diversificado. Na pandemia, caíram os colecionáveis e as bonecas, mas os jogos e as manualidades cresceram. Lá está, conseguimos ajustar o nosso esforço em função dos diferentes ciclos que os mercados vão atravessando.
GC – Que perspetivas tem para a próxima temporada de Natal, época de venda de brinquedos por excelência?
RF – O Natal continua, de facto, a ser a época de venda de brinquedos por excelência e tem um peso de quase 65% do total do negócio. Este mercado é sazonal e vive do Natal. O resto do ano, que nós chamamos de permanente, é um pouco mais residual. Há pequenos picos, como no caso da Páscoa, do Dia da Criança e das férias de verão, mas nada substitui Natal.
Este ano, o negócio registou um crescimento grande, até ao final de setembro. Este é um mercado dominado pela distribuição moderna, sobretudo o retalho alimentar, e que, de há anos para cá, é muito alavancado por fortes promoções no Natal. Aquilo que estimo, tendo em conta a situação que estamos a atravessar, com a inflação e os preços a aumentar, é que o mercado de brinquedos vai continuar bastante resiliente, mas cada vez mais dependente dessas promoções que os grandes retalhistas fazem. Tem havido uma movimentação ainda maior, neste ano, do que nos anos anteriores.
GC – Os brinquedos têm também passado pelos conhecidos e sucessivos aumentos de preços?
RF – Temos feito um grande esforço para tentar manter os preços o mais estáveis possível. No ano passado, não mexemos nos preços. Este ano, em agosto, acabámos por fazer um aumento à volta dos 5%. Temos vindo a absorver a grande maioria dos aumentos de custos de matérias-primas, de produção e de transportes, com enorme sacrifício de margem. Isso é possível porque temos uma empresa muito sólida financeiramente, bastante compacta. Nas crises anteriores, cortámos muitos custos e temos uma operação muito mais eficiente. Assim, conseguimos aguentar tempos mais difíceis com alguma robustez.
Também temos sido muito criativos na parte do transporte. Por exemplo, os peluches ocupam muito espaço e o custo dos contentores aumentou imenso. Hoje, trazemos peluches em vácuo e, depois, são manipulados cá. Tentamos ganhar na eficiência da operação, para não impactar tanto nos preços.
GC – A poucas semanas da época de Natal, foi anunciada a compra pela Concentra da Majora, a mais antiga empresa de jogos portuguesa, com 83 anos, se não estamos em erro. O que representa juntar duas empresas portuguesas, que em conjunto acumulam cerca de 140 anos de experiência no mercado de brinquedos em Portugal?
RF – Confesso que é um sonho, já de há muitos anos, poder juntar duas marcas tão icónicas. Trata-se de uma aposta estratégica. A Concentra foi criada como uma empresa, sobretudo, de distribuição de marcas internacionais. Ao longo dos últimos anos, tem feito um caminho para desenvolver cada vez mais os seus próprios produtos e específicos para o mercado português. A compra da Majora insere-se também no seguimento dessa estratégia. Incorporamos uma marca que cria os seus próprios produtos e, portanto, é uma aposta cada vez maior no nosso desenvolvimento próprio, para robustecer essa componente dentro do nosso portfólio de marcas, em alternativa às marcas que distribuímos. O peso destas, atualmente, ronda os dois terços, o restante é das nossas marcas próprias e é uma situação que, nos próximos anos, queremos inverter.
Vivemos num mercado cada vez mais globalizado e é importante juntar esforços para ganhar músculo, competitividade e diferenciação. Vejamos fenómenos como o da Amazon, que já é o “player” número um em Espanha. O seu abastecimento é feito onde for mais barato. Portanto, nas marcas onde somos apenas distribuidores, não somos relevantes para retalhistas como a Amazon. Se bem que o online, em Portugal, não ultrapasse ainda os 10%, em Espanha já pesa 36% e no Reino Unido, na Escandinávia e na Alemanha já está acima de 50%. Havendo uma globalização tão forte, estamos muito expostos nas marcas que distribuímos, pelo que ambicionamos colocar o foco no desenvolvimento dos nossos produtos próprios, onde não só estamos protegidos, como também temos uma oportunidade. Não nos esqueçamos que, da mesma forma que vêm produtos de outras geografias para Portugal, poderemos internacionalizar os nossos produtos. Mesmo com a Amazon, já estamos a desenvolver alguns projetos que nos permitem colocar os nossos produtos em Espanha, por exemplo.
A Majora marca o ponto de viragem da Concentra distribuidora para a Concentra produtora e criadora das suas próprias marcas.
GC – Já há categorias definidas onde querem fazer esse caminho?
RF – Sem dúvida, nos jogos. A Concentra já era o segundo “player” nesta categoria, em Portugal. A nossa estratégia, com a aquisição da Majora, é robustecer a nossa presença e sermos líderes em Portugal. E, com a criação dos nossos próprios jogos, podermos internacionalizar.
Temos outras categorias onde também queremos apostar, caso dos peluches, onde estamos a crescer imenso e com potencial para internacionalizar. Passo a passo, categoria a categoria, na internacionalização queremos posicionar-nos como especialistas.
GC – É também uma aposta na diferenciação…
RF – Na diferenciação total. No mercado de brinquedos, à semelhança de outras indústrias, existe cada vez mais marca própria da distribuição. E as categorias onde existe mais marca própria dos retalhistas são as mais fáceis de copiar. Os jogos são algo muito particular, porque necessitam de um conceito, de uma criação, de um design. Não é um processo fácil de replicar, pelo que é nessa área onde conseguimos ser muito diferentes dos potenciais produtos similares de marca própria.
Sempre acompanhei muito de perto e atentamente este processo e manifestei algum interesse, depois de ver que a Majora estava inativa. Os nossos consultores desenrolaram os contactos e demorou mais de um ano e meio a ser negociado.
GC – Como surgiu esta oportunidade e decorreu todo o processo de aquisição da Majora? Quanto investiu a Concentra na compra deste ativo?
RF – Este foi um processo bastante longo de se concretizar. A Majora, tal como a Concentra, nasceu como uma empresa familiar. Já ia na terceira geração da família Oliveira quando, em 2011, os bancos credores ficaram com o controlo da empresa. O Montepio, que era principal credor, ficou com as marcas e, em 2014, fez um acordo com o Edge Group de José Luís Pinto Basto. Até 2018, o Edge Group tentou relançar a Majora, mas sem grande sucesso. Não trazia know-how e experiência desta área, é um fundo mais virado para o imobiliário, e este é mercado onde é muito difícil entrar se não se o conhecer já muito bem.
Sempre acompanhei muito de perto e atentamente este processo e manifestei algum interesse, depois de ver que a Majora estava inativa. Os nossos consultores desenrolaram os contactos e demorou mais de um ano e meio a ser negociado. A Concentra investiu cerca de 800 mil euros na compra dos ativos e dos stocks da Majora. Já relançámos alguns dos jogos do top 10, para ter produto para este Natal, e no próximo ano vamos fazer um estudo mais detalhado de rebranding e de relançamento mais consistente da marca.
GC – Os portugueses atribuem um forte valor sentimental à Majora?
RF – Eu próprio o faço. Cresci com os jogos da Majora. Mas tenho ficado muito surpreendido com o facto de várias pessoas com quem tenho falado trazerem consigo os jogos que guardaram da sua infância. E há uma característica muito impressionante na Majora, que é a qualidade dos jogos, porque, feitos em 1960 ou em 1970, ainda estão em bom estado.
A marca, em si, é muito valiosa e permite à Concentra, que sempre teve uma conotação mais infantil, abrir um público mais abrangente. A Majora é uma “love brand” que vamos querer capitalizar. Todos os jogos de sociedade, mesmo aqueles que a Concentra já distribuía, passarão para a umbrela da Majora.
Depois, também há outra marca, dentro do universo Majora, que queremos relançar, que é O Sabichão. Em 2023, assinala 60 anos e acreditamos que tem muito potencial, não só o jogo em si, mas também através do desenvolvimento de outro tipo de produtos, nomeadamente, jogos educativos.
Queremos, no fundo, ter um “core” de jogos de família e, depois, um universo de nicho que podemos explorar, como jogos para seniores, jogos que tenham um cariz solidário, “party games” para adultos, que também estão a ficar cada vez mais na moda, entre outros.
A categoria de jogos vale cerca de 30 milhões de euros. Tem crescido imenso, não só em valor, mas também em número de “players”. Há muitas pequenas empresas, algumas delas portuguesas, que estão a desenvolver os seus próprios jogos. Com este crescimento nas prateleiras dos hipermercados, abriu-se muito mais espaço
GC – A categoria dos jogos de tabuleiro teve um bom impulso na pandemia, motivado pelos confinamentos. Esse impulso nas vendas já está hoje mais estabilizado ou o renovado interesse nos jogos de tabuleiro continua a manter-se? Quanto valem hoje as vendas de jogos de tabuleiro, a nível nacional?
RF – A categoria de jogos vale cerca de 30 milhões de euros. Tem crescido imenso, não só em valor, mas também em número de “players”. Há muitas pequenas empresas, algumas delas portuguesas, que estão a desenvolver os seus próprios jogos. Com este crescimento nas prateleiras dos hipermercados, abriu-se muito mais espaço.
Claramente, não é um fenómeno do momento. Os jogos de tabuleiro foram bastante impulsionados na pandemia, pela questão do confinamento, mas, no mundo atual em que vivemos, em que as crianças passam muito tempo agarradas aos ecrãs dos smartphones e dos tablets, há também um esforço das famílias de tentar equilibrar esses tempos através do jogo em família, da socialização. A maior parte dos brinquedos que as crianças têm é para brincadeira individual. Um jogo de tabuleiro é feito para jogar em família e entre amigos. Portanto, penso que é uma tendência que se vai manter, daí também querermos investir cada vez mais nesta área.
GC – É objetivo da Concentra ser líder da categoria?
RF – Isso é claríssimo. Ao termos um portfólio diversificado, o nosso objetivo é estar sempre no top 3. Se não conseguirmos concorrer e estar no top 3, desinvestimos claramente. É o caso das construções e do domínio da Lego.
GC – Qual é o grande ativo da Majora, enquanto marca?
RF – São os seus 83 anos de história. É sua herança. São as memórias que esta marca traz às gerações que jogaram os seus jogos. O que mais nos entusiasma são os sentimentos que vêm agarrados a esta marca, que atravessou gerações, que viu uma guerra mundial, que atravessou crises e que temos a possibilidade de relançar, trazendo toda esta sua experiência. É um projeto fantástico.
GC – O anúncio da compra, perto do Natal, pode ser uma mais-valia para alavancar as vendas?
RF – Apontámos também o nosso alinhamento de concretização do negócio e de o anunciar, exatamente, na rampa de lançamento da campanha Natal, mas assegurando-nos de que já tínhamos produto disponível no mercado. Efetivamente, quisemos aproveitar este momento, mas certificando-nos da disponibilidade de produto, para evitar cair no esquecimento.
Tem sido um processo lento. O online em Portugal, antes da pandemia, valia 3%. Subiu para os 10%, mas ainda muito aquém de outros mercados europeus. Diria que onde se sentiu um maior avanço foi exatamente nos mercados onde a Amazon entrou. Quando esta começa a ganhar quota de mercado aos diferentes retalhistas, obriga todo o mercado a evoluir de uma forma mais rápida.
GC – Existe algum objetivo, em termos de faturação da Majora, a médio/longo prazo?
RF – A Majora teve o seu momento alto entre 2007 e 2009, em que chegou a faturar cerca de cinco milhões de euros. No mercado de brinquedos, é muito relevante uma empresa portuguesa estar nesse patamar de valor, só com uma categoria.
No plano de negócios que traçámos a longo prazo, está o objetivo de voltar a essa fasquia. Até 2030, gostaríamos de voltar a colocar a Majora na casa dos cinco milhões de euros. Temos consciência de que vai ser um processo gradual para ganhar essa tração, mas acreditamos plenamente que é possível. Neste momento, a Concentra fatura cerca de 18 milhões de euros e acreditamos que, com o seu músculo de marketing, conseguimos chegar a esse objetivo.
GC – O sector dos brinquedos está a incorporar bem todo o processo de digitalização que acelerou com a pandemia?
RF– Tem sido um processo lento. O online em Portugal, antes da pandemia, valia 3%. Subiu para os 10%, mas ainda muito aquém de outros mercados europeus.
Diria que onde se sentiu um maior avanço foi exatamente nos mercados onde a Amazon entrou. Quando esta começa a ganhar quota de mercado aos diferentes retalhistas, obriga todo o mercado a evoluir de uma forma mais rápida.
Em Portugal, tem havido algumas evoluções fortes, mas ainda falta esse grande clique para chegar às quotas de 30% a 40% de mercado.
GC – O negócio online é importante para a Concentra?
RF – Neste momento, em termos de peso do volume de negócios, é residual, anda em torno dos 3%. Mas é uma aposta estratégica de longo prazo. Vemos o que está a acontecer nos outros mercados e sabemos que os brinquedos vão valer cada vez mais. Por isso, queremos estar preparados. Não só já temos loja online direta, como estamos presentes em todos os marketplaces. Queremos ter todos os conteúdos digitais, todas as integrações automáticas preparadas. É um comboio que não queremos perder.
GC – A Concentra é uma empresa portuguesa com os pés bem assentes no mercado internacional? Quanto representam os mercados externos no seu negócio e quais as principais geografias?
RF – Para já, é Espanha. Temos vindo a dar pequenos passos, mas sólidos, em Espanha, porque é um mercado cinco vezes maior que o português e não queremos correr o risco de não ter uma estratégia bem montada. Neste momento, o mercado espanhol vale 12% do nosso negócio. Estamos presentes na Amazon, que é o nosso principal parceiro, mas também na Toys’R’Us e no El Corte Inglés.
Gradualmente, estamos a abrir outras cadeias retalhistas em Espanha e o nosso plano é transformarmo-nos numa empresa ibérica. É mais fácil para uma empresa espanhola colocar um pé em Portugal do que uma empresa portuguesa colocar um pé em Espanha, há algumas resistências e questões de escala, mas estamos muito empenhados nesse crescimento.
Somos uma empresa familiar, com os pés bem assentes na terra. Estamos a investir o nosso próprio dinheiro, não somos um fundo de investimento, pelo que as decisões são muito bem estruturadas. Queremos ir fazendo as coisas bem feitas, uma de cada vez. Primeiro, queremos entrar no mercado espanhol, solidificar uma posição forte e ser um “player” ibérico relevante e, depois, a partir daí, quem sabe expandir mais.
GC – Que comentário lhe merece o facto de Portugal já não ter qualquer indústria de produção de brinquedos? Considerando as recentes situações de ruturas e de disrupção das cadeias de abastecimento experienciadas, assim como as subidas dos custos energéticos, das matérias-primas e dos transportes, continua a não ser competitivo produzir brinquedos em Portugal e tornar estas cadeias de abastecimento mais curtas?
RF – Infelizmente, não é competitivo. A nossa indústria desmontou-se, não existe, no caso dos brinquedos. Há muitos anos, ainda havia alguma indústria de moldes. A Majora tinha uma gráfica dentro do seu próprio edifício e, portanto, produzia os seus próprios jogos. Hoje, não é competitivo.
O mercado é dominado pelo fabrico no Extremo Oriente. A China domina o mercado de produção mundial. No caso da Majora, fizemos algumas consultas a diferentes produtores na Europa, quer em Espanha, na Polónia, na Alemanha e nos Países Baixos. E continua a ser muito mais competitivo, mesmo com custos de transporte muito elevados, fabricar na China. E fabricar com qualidade. Há muito aquela ideia de que os produtos são de baixa qualidade, mas está errada. A China também produz iPhones.
Para nós, era determinante que os produtos Majora fossem de grande qualidade. Lá está, é muito importante que estes jogos que estamos a produzir agora possam durar 30 ou 40 anos, para não estragar a essência da marca. E conseguimos produzir na China com qualidade e com custos muito competitivos.
“Todos os jogos de sociedade, mesmo aqueles que a Concentra já distribuía, passarão para a umbrela da Majora. Depois, também há outra marca, dentro do universo Majora, que queremos relançar, que é O Sabichão. Em 2023, assinala 60 anos e acreditamos que tem muito potencial”
GC – Como é que as questões de sustentabilidade são incorporadas no sector dos brinquedos? Como é que a Concentra, em particular, tem vindo a abordá-las?
RF – Estamos muito empenhados nesse caminho. Até chegar a pandemia, era um objetivo claro da empresa reduzir a sua pegada ecológica. Aliás, como de toda a indústria. Estávamos a estudar formas de reduzir o consumo de plástico, a desenvolver uma linha de madeira. Com a pandemia, ficou um pouco em standby, porque, de repente, começámos a ter outros desafios em termos de custos.
Temos de encontrar um equilíbrio, até considerando a conjuntura atual. Se colocarmos à venda um produto que é ecologicamente mais sustentável, mas que custa mais 30% ou 40%, dificilmente, o consumidor vai predispor-se a pagar esse extra. Portanto, há aqui um trabalho mais longo, que necessita de maior criatividade.
Estamos a fazer esse caminho, sobretudo, nas marcas próprias. Nas marcas que distribuímos, não controlamos o processo, mas também sabemos que os nossos parceiros têm essa preocupação. A aposta nos jogos também se insere neste caminho, porque são produtos que quase não têm plástico, que são feitos em cartão e em que muito do papel é reciclado. Claramente, temos o objetivo de ser uma empresa muito mais sustentável.
GC – Que expectativas e planos tem a Concentra para 2023, já com a Majora entre os seus ativos?
RF – Olhamos para 2023 com grande entusiasmo. Será um ano completo com a Majora a funcionar. Ainda vai demorar algum tempo para podermos apresentar uma imagem renovada, mas vai ser uma rampa de lançamento para a liderança dos jogos em Portugal que queremos cimentar.
São tempos muito desafiantes, mas entusiasmantes. Encaramo-los até como um renascimento da própria Concentra que, durante a grande maioria da sua existência, foi uma empresa de distribuição de marcas. No fundo, trazia para Portugal aquilo que de melhor encontrava no mundo, fossem os jogos da Nintendo, as Barbies ou a Patrulha Pata. Hoje, queremos ser uma empresa que de Portugal se abre para o mundo, com desenvolvimento, criação de riqueza e de postos de trabalho no país. Estamos a criar uma plataforma para potenciar a exportação.
GC – Como vê o futuro do negócio dos brinquedos?
RF – Como dizia, os brinquedos são um mercado fascinante, porque estão em constante evolução e mutação. As modas mudam, os gostos das crianças evoluem. Temos alguns desafios, como o facto das crianças deixarem de brincar cada vez mais cedo. Mas, por outro lado, compensamo-los com negócios como os jogos para as famílias e, agora, com o reaparecimento dos “kidadults”, o mercado mais “geek”, dos colecionadores, dos jovens adultos.
Portanto, os brinquedos são um mercado muito dinâmico, mas também muito resiliente, que atravessa crises e períodos mais turbulentos com grande robustez. Enquanto empresa familiar, não olhamos para o curto prazo. Continuo muito confiante que este mercado tem potencial. Haja criatividade e inovação e qualquer “player”, por mais pequeno que seja, pode, de repente, tornar-se num “player” global. Podemos inventar um jogo e este virar moda no mundo inteiro. Qualquer “player”, seja em que geografia for, consegue competir, mesmo com os maiores. Mantemos esse sonho de poder competir com as gigantes multinacionais com as mesmas ferramentas de criatividade, inovação, empenho e entusiasmo para levar os projetos para a frente.
Este artigo foi publicado na edição N.º 78 da Grande Consumo