A Black Friday deixou de ser um simples fim de semana de promoções e tornou-se num verdadeiro teste de resistência para a logística e o retalho. Nesta entrevista, Daniela Lourenço, Brand Leader da Manpower, explica por que razão o sucesso destas operações depende cada vez mais da rapidez no recrutamento, da precisão na alocação de talento e de uma liderança próxima, e revela como a tecnologia e o planeamento antecipado estão a transformar por completo este período crítico para as empresas.
A Black Friday é um dos momentos mais exigentes do ano para o sector da logística e do retalho. Que principais desafios as empresas enfrentam nesta altura?
Diria que o maior desafio – e o que dita o sucesso das operações – é conseguir mobilizar as pessoas certas, no lugar certo e à velocidade certa, sem comprometer o bem-estar das equipas. Durante a Black Friday, a rapidez e a flexibilidade deixam de ser um extra e passam a ser obrigatórias. No setor da logística, há muitos pedidos de última hora e é preciso cobrir ausências no próprio dia, trocar turnos entre lojas e reforçar armazéns, muitas vezes em horários menos atrativos. A resposta tem de acontecer em horas, não em dias. Por isso, ter listas de candidatos pré-selecionados e facilitar a integração com processos digitais é absolutamente essencial. No fundo, quem chega primeiro ao candidato é quem consegue contratá-lo.
Depois, há outro ponto: as missões são cada vez mais curtas e exigem um encaixe muito preciso entre o perfil da função e o perfil da pessoa. Já não basta ter equipas generalistas, é preciso um ajuste muito concreto às necessidades de cada operação. Para que isso aconteça, é fundamental termos em conta também as preferências dos candidatos, oferecendo condições e benefícios claros e ajustados à realidade. Se defraudarmos expectativas, comprometemos a motivação das pessoas e, consequentemente, a qualidade da entrega ao cliente. Neste processo, é essencial que o cliente também nos apoie, para que consigamos recrutar e integrar com a máxima precisão e rapidez.
Por fim, formar é tão importante quanto recrutar. Hoje, o desafio já não se prende apenas pela falta de talento, mas pelo alinhamento de competências. As competências dos candidatos têm de estar em sintonia com o que as empresas procuram. Este fator é particularmente importante uma vez que o período de pico já não é apenas um fim de semana, mas um trimestre, que começa na Black Friday, segue para o Natal e termina nos saldos. São entre seis e oito semanas intensas, pelo que manter a qualidade e a segurança de forma consistente ao longo de todo esse período é essencial, nomeadamente respeitando limites de horas, rotatividade de tarefas, pausas programadas e garantindo apoio contínuo às pessoas.
Na sua perspetiva, que diferenças existem entre a preparação para a Black Friday e outros períodos de pico, como o Natal ou os saldos?
A Black Friday é um sprint de alta intensidade. O Natal, por outro lado, é uma maratona com vários picos que se estende até aos saldos. Na Black Friday é preciso elasticidade imediata e no Natal cadência sustentada. Portanto, a estratégia tem de ser diferente, desde o número de pessoas, aos turnos, ou à polivalência das funções. Tudo tem de ser ajustado à duração e à intensidade do pico.
Com que antecedência as empresas devem começar a preparar-se para a Black Friday?
O ideal é começarem entre oito a doze semanas antes, para poderem mapear perfis, contratar e, nalguns casos, formar. Mesmo quando há decisões mais tardias, as empresas que ativam mais cedo, em setembro ou outubro, entram no pico com menos risco e com equipas mais preparadas. Isso traduz-se em menos erros e maior qualidade de resposta.
Quais são os pilares fundamentais de um bom planeamento operacional para enfrentar este pico de atividade?
De forma simples, um bom planeamento operacional assenta numa previsão robusta de volumes, que permita ajustar a capacidade e dimensionar equipas por hora, setor ou canal. Exige também um sourcing dedicado — seja através de empresas de trabalho temporário ou de equipas especializadas em recrutamento —, formação no local de trabalho, especialmente importante em missões de curta duração, e uma supervisão forte, capaz de acompanhar de perto todo o desempenho das equipas. Outro pilar fundamental é a monitorização de indicadores de talento, como o fill rate, isto é, a percentagem de vagas preenchidas face às abertas, o time to fill, que significa o tempo médio necessário para preencher uma vaga, a produtividade, as taxas de absentismo e de rotatividade, bem como o NPS (Net Promoter Score), que mede a satisfação e lealdade dos colaboradores. São estes dados que permitem ajustar decisões de forma ágil no dia a dia, por vezes até ao minuto.
Que papel tem a tecnologia (como automação, análise de dados ou inteligência artificial) na preparação para este período?
A tecnologia veio acelerar tudo, desde o recrutamento até à integração. A automação reduz a variabilidade, a digitalização permite processos mais rápidos e o onboarding digital encurta o tempo entre a seleção e a entrada em funções. Já a análise preditiva ajuda-nos a antecipar necessidades e a otimizar o match entre perfis e funções. Portanto, a tecnologia não substitui pessoas, potencia-as, encurta a curva de aprendizagem e melhora a capacidade de entrega.
Como deve ser feita a gestão de equipas durante esta fase mais exigente?
Com objetivos claros, comunicação diária e liderança próxima. É essencial que as pessoas saibam exatamente o que têm de fazer e o que se espera delas. Briefings curtos, feedback em tempo real e reconhecimento positivo fazem toda a diferença. Durante estes períodos intensos, a pressão é inevitável e, por isso, transformá-la em motivação depende de uma liderança presente e de feedback rápido, que mantém o foco e reduz erros.
Qual é o papel das empresas de recrutamento, como a Manpower, no apoio às operações dos clientes durante a Black Friday?
Na Manpower ligamos a previsão à execução. Oferecemos elasticidade às operações, através do recrutamento, formação, contratação e acompanhamento contínuo, o que permite às empresas garantir uma resposta rápida e eficaz. Somos, muitas vezes, o ponto único de contacto, que permite escalar equipas em horas, garantindo sempre compliance e qualidade monitorizada.
Que perfis são mais procurados nesta altura e quais são os maiores desafios na sua contratação?
Os mais procurados são operadores de armazém, responsáveis pela preparação de encomendas, motoristas e profissionais de atendimento em loja e em suporte ao e-commerce. Há também uma crescente procura por perfis técnicos e com literacia digital, pois o retalho e a logística estão cada vez mais automatizados. O maior desafio está em recrutar rápido, sem sacrificar o match entre perfil e função, e garantir que o talento chega preparado e motivado.
Há alguma estratégia eficaz para garantir a retenção e motivação das equipas temporárias?
Há várias. Os bónus de permanência até ao fim da campanha, prémios de produtividade e preferência de turnos são práticas muito eficazes. Mas o que realmente faz a diferença é o feedback constante, a liderança disponível e a perspetiva de continuidade — a possibilidade de integração após a campanha é, muitas vezes, o maior fator de motivação.
Quais são os erros mais comuns cometidos pelas empresas nesta altura, e como evitá-los?
Os três grandes erros mais comuns são recrutar tarde, ignorar o processo de integração inicial das pessoas — não apenas no que toca à função, mas também à cultura e às equipas — e subestimar o papel da chefias intermédias, que são fundamentais para manter as equipas alinhadas e motivadas. Tudo isto pode ser corrigido com planeamento cuidadoso e foco nas pessoas.
Como garantir uma boa experiência do cliente mesmo com o aumento significativo da procura?
Prometendo apenas o que é possível entregar, cumprindo prazos realistas, oferecendo um acompanhamento transparente e uma resposta rápida no pós-venda. No fundo, um atendimento preparado e proativo pode salvar o NPS do cliente.
O que distingue uma operação logística bem-sucedida durante a Black Friday?
As pessoas certas, no lugar certo e no momento certo. Equipas bem formadas, liderança próxima e processos consistentes, que mantenham qualidade e segurança ao longo de todo o pico.
Que tendências têm observado nos últimos anos em relação à preparação para a Black Friday?
Como referido anteriormente, a Black Friday deixou de ser um fim de semana e passou a ser um trimestre inteiro, de novembro até aos saldos pós Natal. Temos também notado decisões de contratação mais tardias e uma exigência crescente de perfis com literacia digital, devido à automação e robotização do processos. O consumo é mais seletivo, mas a pressão operacional mantém-se.
Acredita que a Black Friday está a evoluir para um modelo mais sustentável e estratégico?
Sim, a automação, a digitalização e o planeamento antecipado tornam as operações mais eficientes e reduzem erros e rotatividade. Além disso, vemos também um esforço claro por parte das empresas e dos consumidores para fazer escolhas mais sustentáveis: soluções de transporte menos poluentes, otimização de rotas de entrega e procura por produtos mais conscientes.
No talento, a sustentabilidade passa pelas pessoas: formar, acompanhar e criar equipas estáveis é o que garante operações duradouras e estratégicas.
Que lições podem as empresas tirar dos últimos anos para melhorar a sua performance no futuro?
Que a qualidade da contratação vale mais do que a quantidade, que o melhor investimento está na formação das lideranças e que o planeamento antecipado se paga a si próprio. As empresas que priorizarem estas máximas entram nos picos com vantagem competitiva: têm menos rotatividade, menos absentismo e equipas mais preparadas e motivadas.



