Num contexto de regresso da pressão inflacionista, o comprador português demonstra uma racionalidade crescente na gestão do seu orçamento. Torna-se mais seletivo, menos leal às lojas e mais eficaz na procura de promoções, traços que definem o novo retrato do consumo nacional, segundo a mais recente análise da Worldpanel by Numerator, “Espelho meu, espelho meu… que futuro posso esperar eu?”, apresentada na conferência que assinalou os 20 anos da Grande Consumo, e comentada pela Centromarca – Associação Portuguesa de Empresas de Produtos de Marca.
“A análise da Worldpanel by Numerator confirma um comprador que adota um comportamento mais ponderado e racional. A fragmentação e a menor lealdade não são sinais de indecisão, mas sim de decisão consciente e calculada”, nota Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca. “Para as marcas, o desafio transcende a simples resposta ao preço. Exige a demonstração de um valor superior, através da inovação, da qualidade e de uma conexão genuína com as múltiplas facetas deste novo consumidor”.
Reação à pressão dos preços
Os dados mostram uma tensão clara no mercado. Em meados de 2025, os preços dos bens de grande consumo voltaram a acelerar, mas a disposição do comprador para absorver esses aumentos diminuiu drasticamente. Apenas 31% das categorias que encareceram conseguiu crescer em volume, muito abaixo dos 46% registados em 2023.
Esta maior sensibilidade ao preço traduz-se numa jornada de compra mais fragmentada e pragmática. O consumidor visita, em média, cinco insígnias por ano, faz mais visitas às lojas, mas com cestas de menor dimensão, e concentra-se em promoções. Atualmente, uma em cada quatro categorias que aumentaram as vendas em promoção conseguiu ganhar valor, uma proporção mais eficiente do que a registada em 2023 (uma em cada cinco).
Lealdade às lojas está em declínio
O relatório indica que a lealdade dos portugueses às lojas continua a diminuir. Em 2025, apenas 63,9% afirma “costumar ir à mesma loja”, um valor que reflete uma crescente dispersão nas escolhas. Em média, um shopper assíduo — que visita uma loja mais de 12 vezes por ano — é responsável por mais de 70% do valor gerado para essa insígnia. No entanto, manter esta proximidade torna-se cada vez mais desafiante num contexto de maior volatilidade e diversidade de opções de compra.
As missões de compra também evoluíram. As compras de proximidade e de necessidade imediata ganham peso, ao passo que as grandes compras de despensa perdem relevância. O comprador português prefere compras mais frequentes e adaptadas a necessidades pontuais, o que obriga os retalhistas a ajustar o sortido e a conveniência.
MDD continuam a crescer, mas a um ritmo menor
As marcas de distribuição (MDD) continuam a ganhar espaço dentro do lar, atingindo 48,1% de quota de valor, mas o seu crescimento abrandou. O fenómeno é particularmente visível nos retalhistas de sortido amplo (como o Continente, o Pingo Doce ou a Auchan), onde o avanço das MDD perdeu ritmo.
Em contrapartida, as marcas de fabricante mantêm a liderança, com 51,9% do mercado, beneficiando de atributos como qualidade, confiança e inovação, valorizados por um comprador que não se limita a escolher o preço mais baixo. “Os nossos dados mostram que o tempo do ‘consumidor padrão’ terminou. Hoje, deparamo-nos com um consumidor multifacetado, que navega o mercado com uma agilidade notável, respondendo ao contexto económico, mas também a motivações pessoais de bem-estar e conveniência”, afirma Marta Santos, country manager da Worldpanel by Numerator. “Compreender esta dualidade, através de uma escuta ativa e de uma análise rigorosa, é o primeiro passo para qualquer marca que queira construir e manter a sua relevância no futuro”.
Demografia: o novo espelho do consumo
As transformações demográficas estão no centro destas mudanças. O envelhecimento populacional, a redução do tamanho dos lares e a imigração crescente estão a redesenhar o perfil do consumidor. Os agregados com mais de 50 anos representam já 68% do total e os lares de uma a duas pessoas são quase 60% do universo nacional. Este envelhecimento é acompanhado por um aumento do poder de compra nas faixas etárias mais velhas e pela necessidade de produtos de conveniência, formatos menores e soluções práticas.
Por outro lado, a imigração surge como o principal motor do crescimento populacional, trazendo diversidade cultural e novos hábitos de consumo, que tornam o mercado mais heterogéneo e complexo. O resultado é uma exigência crescente por ofertas flexíveis, segmentadas e culturalmente relevantes.
Saúde, sustentabilidade e prazer: o equilíbrio do futuro
O estudo conclui que as marcas terão de desenvolver ofertas híbridas, conciliando valores aparentemente opostos: prazer e saúde, conveniência e naturalidade. Em 2025, 66% das ocasiões de consumo está ligado ao prazer, mas cresce o peso das motivações de saúde (34%) e conveniência (60%). O consumidor já não é um perfil fixo, mas uma sequência de motivações e momentos ao longo do dia: de refeições leves e equilibradas a recompensas de fim de semana ou pausas de bem-estar.
As preocupações ambientais e de bem-estar reforçam esta tendência. 75% dos portugueses usa garrafas reutilizáveis e 83% recorre a sacos reutilizáveis, enquanto 65% declara-se incomodado com o excesso de plástico nas compras. No campo da saúde, 16% já uso ou considera usar medicamentos injetáveis para perda de peso e mais de metade admite sofrer de stresse, dieta desequilibrada ou problemas de peso.
O que esperar do futuro?
A análise de previsão da Worldpanel by Numerator aponta uma recuperação moderada do valor de consumo a três anos, mas alerta para a necessidade de empenho acrescido das marcas. Entre as top 50 marcas com maior ganho de compradores em 2024, a variação média de penetração foi de 2,1 pontos percentuais, refletindo o esforço de diferenciação e proximidade ao consumidor.
O futuro, sublinha o estudo, dependerá da capacidade de escuta ativa, agilidade e presença nos momentos certos, com os atributos que mais importam ao novo consumidor: conveniência, propósito e autenticidade.
					
