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Centros comerciais vão tornar-se mais sociais

Os centros comerciais vivem uma fase de grande transformação devida, sobretudo, ao crescimento do comércio eletrónico. Mas também as alterações no comportamento de consumo estão a criar alguns desafios para a indústria. O mercado irá passar por uma profunda transformação nos próximos anos, abrindo portas à inovação, com a introdução de novas tendências e tecnologias. Entre as principais tendências de evolução está a aposta crescente em zonas de lazer e de restauração, de forma a transformar os centros comerciais em pontos de encontro, focados na proximidade e conveniência, com a introdução de pontos de recolha de encomendas, e aplicação de novas tecnologias, como o Wi-Fi grátis, de forma a atrair cada vez mais consumidores para o espaço comercial.

A indústria dos centros comerciais tem estado em destaque, principalmente, pelo encerramento de diversos destes espaços nos Estados Unidos da América. Contudo, segundo o estudo “Fim dos centros comerciais ou início de uma nova geração?”, uma análise sobre futuro dos centros comerciais em Portugal feita pela consultora imobiliária CBRE, o comércio norte-americano é muito distinto do europeu.

De facto, na Europa, a densidade comercial (incluindo todos os formatos de retalho e lojas de rua) é em média de 1,2 metros quadrados por habitante, enquanto que nos Estados Unidos é quatro vezes superior. Note-se que, em meados dos anos 90, já em fase madura, o mercado de centros comerciais naquele país conseguiu crescer, ainda assim, 23%. Atualmente, as suas vendas representam cerca de 50% do total de vendas a retalho, enquanto que em Portugal é de aproximadamente de 20%.

Por outro lado, os primeiros centros comerciais norte-americanos desenvolveram-se nos anos 50 e, enquanto mais de um terço do stock se construiu antes da década de 80, cerca de 80% foi construído no século passado. Pelo contrário, em Portugal, o stock é muito mais recente, com mais de 60% da área de centros comerciais inaugurada após o ano 2000. Outro dado particularmente relevante diz respeito ao “tenant mix” dos centros comerciais que demostra que, nos Estados Unidos, os grandes armazéns e os hipermercados representam 46% da Área Bruta Locável (ABL) dos centros comerciais, enquanto que em países como Portugal, Reino Unido e Espanha não excedem os 30%.

Um dado interessante é o do aumento de áreas de restauração e lazer, que estão menos desenvolvidas nos Estados Unidos do que em muitos países europeus: 12% nos Estados Unidos contra cerca de 20% no Reino Unido e Espanha. A consultora não acredita, assim, que se venha a verificar, nos próximos anos, um encerramento em massa de centros comerciais em Portugal, como aconteceu no mercado norte-americano. Na realidade, atualmente, o mercado nacional revela exatamente a tendência contrária. Em 2017, as vendas nos centros comerciais registaram um acréscimo de 8,4% e o número de visitantes (“footfall”) aumentou 0,5%, após três anos de queda. Paralelamente, o mercado de investimento em centros comerciais está mais ativo que nunca. Só no primeiro trimestre deste ano foram transacionados quatro centros comerciais, num valor acumulado de 673 milhões de euros, e encontram-se atualmente em comercialização outros 10. O ano de 2018 deverá, mesmo, registar o maior volume de investimento no formato de centros comerciais alguma vez observado em Portugal.

No entanto, para a consultora, já não restam quaisquer dúvidas de que o sector vive uma fase de grande transformação, devida, sobretudo, ao crescimento do comércio eletrónico, mas também a uma mudança radical de mentalidade e de vivência. “O crescimento do comércio eletrónico em Portugal é uma realidade, embora não tenha tido a mesma expressão que foi registada noutros países europeus. O crescimento médio anual assinalado nos últimos cinco anos foi de 14%, representando atualmente cerca de 5% do total de vendas de comércio a retalho. No entanto, é um fenómeno que terá o seu percurso em Portugal e, seguramente, tem provocado reflexões junto de proprietários e promotores de centros comerciais, que terão que assegurar a manutenção da atratividade dos seus produtos junto dos consumidores”, explica Carlos Récio, diretor da agência de comércio da CBRE. “Se os centros comerciais em Portugal querem manter os seus níveis de atratividade, terão que enfrentar a mudança que já se instalou. A Internet torna extremamente conveniente a compra a partir de qualquer lugar e vai ser cada vez mais desafiante convencer os consumidores a deslocarem-se aos centros comerciais. A este respeito, a digitalização, a experiência de compra no centro e os serviços de conveniência são chaves para o futuro do sector”.

Pode-se, assim, afirmar que os centros comerciais, tal como os conhecemos nos últimos 30 anos em Portugal, vão acabar, dando lugar a uma nova geração de espaços. Os que não acompanharem rapidamente esta mudança estarão condenados ao encerramento. “Penso que a maioria dos centros comerciais já está a percorrer este caminho. É mais simples fazê-lo onde existe a capacidade para construir extensões, pois são necessários muitos metros quadrados adicionais para se intensificar a oferta de boas experiências e dar resposta a estas novas necessidades. Os estilos de vida estão a evoluir muito rapidamente e temos de ser ágeis e céleres nestas transições. As novas tendências propagam-se a uma velocidade alucinante, precisamente devido à Internet e à digitalização dos nossos comportamentos. Já não são só as redes sociais e os comportamentos a elas associados, a ‘instagramização’ é um novo comportamento social. A forma de comprar e de pagar está em constante evolução”, defende Mário Costa, CEO da Ceetrus Portugal. Os novos centros comerciais são, então, locais com uso misto, onde é possível encontrar, além das lojas e serviços, a restauração, os espaços de lazer e de trabalho, de forma a que se possa capitalizar o tempo.

E-commerce
As vendas online têm tido, de facto, um impacto significante no comércio a retalho. De acordo com a Euromonitor, o e-commerce representou 23% das vendas a retalho em 2017, nos Estados Unidos da América, sendo este o segundo país, após o Reino Unido, no ranking com maior representatividade do comércio online. Além de elevados, os dados indicam um crescimento médio anual de 17% nos últimos cinco anos.

No caso de Portugal, o comércio eletrónico está a crescer a um ritmo mais lento (14% de média anual 2012-2017), representando 5% das vendas a retalho. Em consequência, nos Estados Unidos, o impacto do crescimento do comércio online nas lojas físicas é já significativamente visível.

Como força disruptiva, o comércio eletrónico obriga à mudança para manter a competitividade. Hoje, é cada vez mais difícil convencer os consumidores a saírem de casa ou do local de trabalho para fazer compras. Os centros comerciais em Portugal estão a enfrentar diversos desafios por força destas novas realidades. A Internet simplifica a compra e, por isso, a digitalização, a experiência de compra omnicanal e os serviços de conveniência nos centros são chaves para o futuro do sector. “Esta crescente tendência das compras online está a fazer- -nos evoluir em muitos aspetos”, confirma Mário Costa. “Os impactos são muito maiores do que a mera transferência da compra física para a compra online. As logísticas de entrega estão a evoluir, o formato das lojas está a adaptar-se, as campanhas de marketing e as promoções são mais frequentes e imediatas. Começa já a sentir- -se, em alguns centros comerciais portugueses, esta transformação, pois surgem os primeiros pontos de entrega de encomendas online. São vários os hipermercados que reduzem a sua área de venda e o ‘click & collect’ está em crescimento”.

Face a este cenário, o CEO da Ceetrus Portugal explica como se continua a convencer os consumidores a visitar os seus espaços. “Os centros comerciais oferecem conveniência ao consumidor, uma vez que têm horários de funcionamento alargados e que incluem também o fim de semana. Para além disso, têm ainda uma oferta alargada de lojas e serviços. Acresce a isto o facto de o comércio de rua estar muito pouco desenvolvido no centro das cidades. As marcas internacionais, na sua maioria, preferem estar em centros comerciais, onde o fluxo de pessoas que passam à porta da sua loja é maior do que na maioria das ruas da cidade. A lei do arrendamento comercial, que só recentemente foi alterada, também contribui bastante para esta situação. A par da larga oferta de comércio e serviços, a dinâmica de eventos desenvolvida pelos centros comerciais ajuda bastante a consolidar estes equipamentos como destino de tempos livres”.

Lazer e restauração
2018 foi um ano sem aberturas de novos centros comerciais. Assim, o mercado de retalho centra-se em processos de renovação e reposicionamento de equipamentos comerciais já existentes, por forma a torná-los mais competitivos e apelativos perante os consumidores. As áreas alvo destas intervenções são, na sua grande maioria, as de restauração, por se assumirem como um dos principais motivos de visita e que geram um impacto considerável ao nível do tráfego. “A conveniência e a oferta diversificada de restaurantes permitem satisfazer os gostos individuais de cada membro da família, a preços acessíveis, tudo isto num ambiente de festa, bem cuidado, confortável e seguro. Por isso, as áreas de restauração reinventam-se com designs modernos e arrojados. Exemplo disto é o conceito de restauração Merenda que desenvolvemos no Alegro Castelo Branco”, diz o CEO da Ceetrus. “Também os cinemas voltaram a ganhar lugar como espaço privilegiado de sociabilização. Os espaços de diversão e entretenimento têm também imensa procura, sobretudo os que oferecem experiências novas e diferenciadoras”.

Assim, tem vindo a formar-se uma nova geração de centros capazes de fazer frente a este cenário futuro. Para Carlos Récio, esta nova geração de centros comerciais está ainda a dar os primeiros passos de desenvolvimento, não sendo possível fazer uma caracterização detalhada da mesma, até porque acredita que vai estar em constante mutação. “Mas certo é que serão centros que irão integrar uma forte componente tecnológica e um maior leque de ofertas que não as tradicionais de retalho. A nível tecnológico, os ecrãs digitais, a realidade virtual e aumentada, a relação constante com o consumidor através da gestão de dados integrada em aplicações móveis irão ser ofertas imprescindíveis nos centros comerciais da nova geração. Mas irão surgir muitas outras inovações tecnológicas, que nós estamos longe de imaginar”, perspetiva. Em termos de espaço físico, irá verificar-se um aumento de ofertas que não são apresentadas no universo online ou cuja experiência de aquisição é inferior quando realizada neste canal. “Referimo-nos, nomeadamente, a áreas de entretenimento e de experiência, que vão desde espaços de diversão (quer para crianças como para adultos) a conceitos de restauração, assim como a serviços de conveniência, nomeadamente nos centros comerciais de proximidade, tais como serviços de saúde, serviços públicos ou estabelecimentos de aprendizagem (escolas de dança, música, línguas, etc.). Mas a complementaridade com o comércio online vai ser também expressiva. Num futuro próximo irá verificar-se o crescimento de pontos de recolha ou devolução de compras online em localizações estratégicas, como são as de muitos centros comerciais”, afiança Carlos Récio.

Futuro dos shoppings
A análise de Big Data, conclui o relatório da CBRE, vai permitir aos retalhistas conhecerem melhor os seus clientes, enquanto os novos meios de comunicação vão possibilitar-lhes implementar estratégias de marketing mais personalizadas e adaptadas a cada consumidor. Em acréscimo, a incorporação da compra online nos centros comerciais vai facilitar o desenvolvimento de estratégias omnicanal, fortalecendo o serviço ao cliente e criando um canal de comunicação que pode estender a relação com este, tanto antes como depois de visitar o centro comercial.

Os impulsionadores dos centros comerciais no futuro serão, de facto, o crescimento do comércio online, a capacidade de oferecer experiências diferenciadoras na hora da compra e a sua conversão em ponto de encontro social. Outros fatores que irão contribuir para aumentar o seu poder de atração serão a melhoria dos serviços, a atração de operadores âncora mais especializados, a introdução de uma oferta de lazer mais ambiciosa e uma nova abordagem às zonas de restauração, que vá ao encontro das preferências do público-alvo.

A integração de elementos digitais no centro tem igualmente uma relevância crescente, já que existem cada vez mais ferramentas, como sensores de estacionamento, pay points e apps. Além disso, de acordo com a CBRE, muitos centros comerciais irão introduzir outras alternativas que não puro retalho. “O público mais jovem e os nativos digitais têm uma evolução tão rápida que é um desafio difícil de acompanhar. Eles esperam ter ‘agora’ o que procuram ‘agora’. Penso que, em relação a eles, podemos desempenhar um papel a dois níveis. Por um lado, mostrar a esta geração como era anteriormente, o que acaba por ser uma novidade para eles: o vintage está na moda, bem como o ambiente ‘industrial’. Por outro lado, temos obrigatoriamente de trazer o digital para o físico. O poder está na capacidade de darmos experiência, de sabermos ser youtubers, bloggers e de sermos tão impacientes quanto os nativos digitais”, detalha Mário Costa.

Em suma, cada vez mais falamos de experiência, da vivência que é proporcionada aos consumidores, algo que acontece em todos os sectores de atividade e, de um modo muito particular, no dos centros comerciais. “’Shopping experience’, ‘customer journey’ e omnicanal são expressões que cada vez mais escutamos. A fidelização do cliente, independentemente do canal de comunicação utilizado, é seguramente muito importante. As marcas devem adaptar a sua oferta ao que os consumidores procuram, o mesmo terá que ser feito pelos proprietários de centros comerciais, já que a diferenciação é um fator importante, tornando impercetível a mudança de canal na comunicação e no ‘engagement’ que procuram realizar com o consumidor. A experiência de compra deve ser única, ou pelo menos o consumidor deverá ter essa sensação. Em paralelo, a componente serviço terá um papel importante, já que o consumidor tem neste momento características distintas e valoriza significativamente este aspeto”, conclui Carlos Récio.

Este artigo foi publicado na edição n.º 53 da Grande Consumo.

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