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A Comissão Europeia anunciou um novo adiamento da aplicação da lei europeia contra a desflorestação, que deveria entrar em vigor a 30 de dezembro. O regulamento, considerado pioneiro a nível mundial, exigirá que as empresas que vendem produtos como soja, carne de bovino, cacau, café, madeira e óleo de palma no mercado europeu provem que estes não resultam de desflorestação ou degradação florestal.
Segundo a comissária do ambiente, Jessika Roswall, a decisão prende-se com preocupações técnicas relacionadas com os sistemas informáticos de rastreabilidade. “Temos preocupação com o sistema de TI, dada a quantidade de informação que será introduzida. O risco de abrandamento para níveis inaceitáveis poderia perturbar o comércio”, explicou, em carta enviada ao Parlamento Europeu.
O regulamento, aprovado em 2023, já tinha sido alvo de um primeiro adiamento, devido às resistências de países produtores como Brasil, Indonésia e Malásia, e de parceiros comerciais como os Estados Unidos, que alertaram para custos acrescidos e entraves às exportações.
Apesar da Comissão insistir que o adiamento se deve apenas a questões técnicas, o tema continua politicamente sensível. A administração norte-americana tem pressionado Bruxelas para que determinados sectores, como a indústria de pasta e papel dos Estados Unidos, sejam excluídos das obrigações de rastreabilidade
Desflorestação
Segundo dados da Comissão Europeia, cerca de 10% da desflorestação global está associada ao consumo da União Europeia de produtos importados.
A lei prevê que operadores e comerciantes apresentem declarações de diligência devida (due diligence), assegurando que os produtos colocados no mercado europeu são livres de desflorestação após 31 de dezembro de 2020. A não conformidade poderá implicar multas até 4% do volume de negócios anual da empresa na União Europeia, sanções que variam consoante os Estados-Membros.
Resistências internas
Alguns países europeus, como Polónia e Áustria, também manifestaram dificuldades em garantir o cumprimento das regras de rastreabilidade, alertando para custos excessivos e falta de preparação do sector agrícola local.
Agora, o adiamento terá de ser formalmente aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.
Impactos no mercado português
Embora Portugal não seja um grande importador direto de soja ou carne bovina da Amazónia, a lei contra a desflorestação terá impacto em várias cadeias de valor relevantes para o mercado nacional. Portugal é um importante hub europeu de torrefação de café e transformação de cacau, com forte presença de multinacionais e marcas nacionais. A rastreabilidade até à parcela agrícola implicará novos custos e sistemas de verificação.
A pecuária portuguesa, por sua vez, depende em larga escala de soja importada do Brasil e da Argentina para alimentação animal. A exigência de certificação “livre de desflorestação” poderá encarecer as rações. Na carne bovina, apesar da produção nacional ser dominante no consumo interno, uma parte da oferta em Portugal provém do Mercosul, particularmente Brasil e Uruguai, regiões sob escrutínio da União Europeia.
Note-se ainda que Portugal é um dos maiores produtores e exportadores de pasta e papel da Europa. As exportações poderão beneficiar, ao não estarem expostas às mesmas críticas ambientais que atingem países terceiros, mas terão de reforçar sistemas de compliance.
O retalho e a distribuição também terão de rever processos de compra, assegurando que todos os fornecedores cumprem com os critérios de diligência devida. Isto significa maior pressão sobre marcas próprias e cadeias de supermercados que importam diretamente matérias-primas ou produtos acabados.