“O papel da Mobi.E passa por liderar e facilitar o processo de transição para a mobilidade elétrica em Portugal”

Luís Barroso - presidente Mobi.E
Luís Barroso, presidente da Mobi.E

Quem opta por um veículo elétrico não regressa aos veículos a combustão. Esta é a perceção de Luís Barroso, presidente da Mobi.E, a empresa pública criada em 2015 para assumir a responsabilidade no mercado regulado da mobilidade elétrica pela gestão e monitorização da rede de postos de carregamento. Uma rede que pode ser considerada a primeira rede de carregamento nacional do mundo. Desde então, a Mobi.E tem vindo assumir um papel de facilitador no processo de transição para a mobilidade elétrica em Portugal, agindo como instrumento para o desenvolvimento da mobilidade sustentável. Ultrapassados os desafios iniciais, hoje existe, pelo menos, um posto de carregamento em cada um dos 308 municípios do país. Agora, o grande objetivo passa por cumprir a meta dos 15 mil pontos de carregamento, até ao final de 2025, conforme previsto no PRR, bem como criar as condições para que Portugal cumpra os objetivos do novo regulamento europeu AFIR.

 

Grande Consumo – De acordo com o estudo recentemente apresentado pela Mobi.E, até 2050, Portugal precisa de instalar 76 mil novos pontos de carregamento para veículos elétricos, que equivalem a 42 mil novos postos. Como se chegou a esta estimativa?

Luís Barroso – O novo regulamento europeu, “Alternative Fuel Infrastructure Regulation” (AFIR), impõe que as redes de carregamento dos Estados-membro disponibilizem uma potência de 1,3 kW por cada veículo 100% elétrico (BEV) e 0,8 kW por cada veículo Plug-In (PHEV). A partir daqui, os nossos consultores construíram um modelo previsional que permitiu estimar o crescimento do parque automóvel elétrico, com base em diversos documentos que fixam metas intermédias para Portugal, como o PRR, o PNEC 2030, bem como documentos europeus como o “Recharge EU: how many charge points will Europe and its Member States need in 2020s, Transport & Environment”, permitindo, assim, estimar não só as necessidades para 2050, como o ritmo de crescimento mais adequado para a infraestrutura de carregamento satisfazer as exigências impostas.

Contudo, temos de ter presente que não existem “benchmarks” para o sector e, por isso, a Mobi.E tem planeado não só um mecanismo de monitorização, como também revisões, para já anuais, das previsões, de forma a dispormos de um instrumento o mais atual possível e ajustado a uma forte dinâmica de crescimento e de evolução tecnológica.

 

GC – Trata-se de um investimento de que ordem?

LB – Este investimento será na ordem dos 1,5 mil milhões de euros, no que diz respeito à infraestrutura de carregamento para veículos elétricos, nos quais se inclui o investimento de 126 milhões na infraestrutura para veículos pesados.

No entanto, está também previsto o investimento de 219 milhões de euros na rede de hidrogénio, ou seja, no total, o investimento previsto para a transição energética para a mobilidade sustentável é de 1,7 mil milhões de euros até 2050, de forma a cumprir o AFIR e a garantir a neutralidade carbónica até esse ano.

 

GC – A implementação dos novos pontos de carregamento estimados pelo vosso estudo vai permitir uma poupança de emissões de carbono de que ordem?

LB – Temos vindo a verificar as vantagens ecológicas da utilização de veículos elétricos. Este ano, até ao momento, já foram poupadas cerca de 44 mil toneladas de CO2 em Portugal, com mais de 365 milhões de quilómetros percorridos por veículos carregados na rede Mobi.E. Apenas no primeiro semestre, já tínhamos atingido os valores de todo o ano 2022.

Com este investimento, até 2050, será possível verificar uma poupança adicional de 3,3 milhões de toneladas de CO2, com um benefício económico estimado de 1,9 mil milhões de euros, superior ao investimento estimado, isto sem considerar os impactos positivos associados à infraestrutura de abastecimento a hidrogénio.

 

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GC – O que será necessário fazer para garantir o cumprimento da meta do Plano de Recuperação e Resiliência de 15 mil pontos de carregamento em 2025? Há condições para alcançar essa meta?

LB – Não temos dúvidas que sim. A infraestrutura de carregamento tem vindo a crescer a um ritmo cada vez mais acelerado, acompanhando o aumento das vendas de veículos elétricos. Neste momento, temos mais de 7.200 pontos. A Mobi.E tem vindo a desenvolver esforços de sensibilização junto das entidades que têm capacidade de influenciar a rapidez do processo de instalação de postos de carregamento na via pública: a E-Redes, que este ano disponibilizou uma ferramenta muito importante relativa à potência disponível nas suas redes de distribuição, que irá auxiliar a identificar os melhores pontos para instalar os postos de carregamento, e os municípios com os quais estamos a realizar sessões de esclarecimento sobre as melhores práticas atuais, com o patrocínio do secretário de Estado da Mobilidade Urbana e o apoio da E-Redes e também da APOCME, a Associação Portuguesa de Operadores e Comercializadores da Mobilidade Elétrica.

Passado pouco mais de um mês da publicação do AFIR, a Mobi.E apresentou publicamente as conclusões do estudo sobre as necessidades de Portugal para cumprirmos as exigências, não só do AFIR como do PRR, e que servirá de guia também para os operadores definirem as suas estratégias de investimento. A Mobi.E, enquanto instrumento público, está assim a desempenhar o seu papel de dinamizador do mercado de mobilidade elétrica, dando a conhecer os objetivos, como alcançá-los e, mediante intervenções estruturadas e direcionadas, sensibilizar os atores determinantes para que cada um, ao seu nível, possa contribuir articuladamente para este objetivo comum de descarbonizar o sector dos transportes.

 

GC – Quais são os planos da Mobi.E, até 2025, ao nível de crescimento da rede?

LB – Depois de termos construído a rede piloto, que constituiu a base do mercado de mobilidade elétrica, agora é tempo para os agentes privados agirem. E têm respondido com muita determinação. Basta ver que, desde que a Mobi.E concessionou a operação da rede piloto, em meados de 2020, a rede cresceu 4,75 vezes.

A Mobi.E irá continuar a monitorizar o crescimento do mercado, sem prejuízo de poder intervir se tal se entender necessário para cumprir os objetivos, mas a nossa aposta é na promoção de alguns pilotos, como foi o caso dos hubs de carregamento nas principais cidades e dos postos de carregamento ultrarrápido em zonas do interior.

Para 2024 e 2025, estamos a preparar um novo piloto, denominado “Ruas Elétricas”. Com a contribuição de municípios, queremos selecionar um conjunto de ruas compostas essencialmente por edifícios de habitação, sem parqueamento próprio, para instalar um conjunto de pontos de carregamento mais lento que permitam constituir-se como uma solução de carregamento para os residentes na zona.

 

GC – Quais são os valores atuais? Como tem sido a sua evolução, desde a criação da Mobi.E?

LB – No final de outubro, podemos dizer que foram realizados cerca de três milhões e 200 mil carregamentos na rede Mobi.E, desde o início do ano, o que equivale a um aumento de 64%, face ao mesmo período do ano passado. A energia consumida, cerca de 52 mil MW, foi 85% superior e existiam cerca de 150 mil utilizadores distintos, um aumento de 62% face a 2022.

Ao longo dos últimos dois anos, na generalidade dos meses, temos assistido ao registo de recordes sucessivos. Partimos praticamente do zero, quando a Mobi.E iniciou a sua atividade em 2015, e agora contamos com 25 comercializadores, mais de 90 operadores e mais de 50 fabricantes de postos integrados, que permitem que os condutores carreguem os seus veículos com um único meio de acesso, cartão ou app, nos mais de 7.200 pontos de carregamento de acesso público espalhados pelos 308 municípios do país.

 

“Depois de termos construído a rede piloto, que constituiu a base do mercado de mobilidade elétrica, agora é tempo para os agentes privados agirem. E têm respondido com muita determinação. Basta ver que, desde que a Mobi.E concessionou a operação da rede piloto, em meados de 2020, a rede cresceu 4,75 vezes”

 

GC – De janeiro a setembro, os carregamentos na rede Mobi.E cresceram 65% face ao homólogo de 2022, atingindo os 376 mil. São valores que vos surpreendem ou já estavam à espera deste tipo de adesão?

LB – O papel da Mobi.E passa, precisamente, por liderar e facilitar o processo de transição para a mobilidade elétrica em Portugal, agindo como um instrumento público facilitador do desenvolvimento da mobilidade sustentável.

Olhando para outros países com um poder económico maior do que o nosso, mas cuja introdução da mobilidade elétrica está numa fase menos adiantada, concluímos que o nosso sucesso assenta nas características inovadoras e diferenciadoras do modelo Mobi.E. Desde muito cedo, em 2010, o nosso país definiu regras claras e transparentes para o mercado, centradas em garantir a melhor experiência para o utilizador através de uma rede totalmente integrada, como o multibanco. Além disso, a separação entre as atividades de venda de energia e de operação do ponto de carregamento veio contribuir para o aparecimento de novos “players” especializados em cada uma destas funções, o que facilitou a dinamização do próprio mercado, obrigando os grandes “players” com capacidade para ambos os papéis a acelerarem os seus processos internos. E, finalmente, não menos importante, as políticas consistentes de apoios e subsídios que os sucessivos Governos e muitos municípios têm vindo a promover. Tudo isto tem vindo a funcionar cada vez melhor e os resultados estão à vista.

 

GC – Como estão a ser cumpridas as metas da mobilidade elétrica?

LB – Tivemos como desafios iniciais a criação da rede piloto, com a garantia de termos, pelo menos, um posto de carregamento em cada um dos 308 municípios do país e criarmos as condições para o arranque da fase plena de mercado. Ambas as tarefas estão concluídas. Agora, o grande objetivo passa por cumprir a meta dos 15 mil pontos de carregamento, até ao final de 2025, conforme previsto no PRR, bem como criarmos as condições para que Portugal cumpra os objetivos do AFIR.

Há mais de um ano que nos encontramos a monitorizar os critérios de potência da nossa rede e estamos, neste momento, com uma margem que ronda os 10% acima dos mínimos exigidos e, pouco mais de um mês depois da publicação deste regulamento europeu, divulgámos publicamente as necessidades que temos. Agora, é natural que o mercado esteja a analisar e a definir as suas estratégias, sem prejuízo de estarmos já a procurar identificar e desenvolver as ferramentas adequadas e facilitadoras dentro da nossa plataforma de gestão, que permitam potenciar os efeitos do investimento privado a bem do interesse público dos utilizadores e da descarbonização do país.

 

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GC – Ainda existem mitos associados à mobilidade elétrica?

LB – Claro que existem, contudo, à medida que a mobilidade elétrica vai crescendo e se desenvolvendo, as pessoas começam a ficar mais esclarecidas. Normalmente, quem opta por um veículo elétrico não regressa aos veículos a combustão. Desta forma, as reservas sobre autonomia, tempos de carregamento, capacidade da infraestrutura de carregamento e custos associados aos carregamentos tendem a esbater-se com o crescimento do mercado. Muitas das críticas são de quem nunca experimentou ou quem desconhece.

A Mobi.E tem vindo a apostar fortemente no seu esclarecimento com iniciativas em diversas frentes, que vão desde artigos temáticos nos órgãos de comunicação social, à participação em fóruns da especialidade, parcerias com outras entidades para difusão de informação. Também lançámos, no ano passado, uma coletânea de pequenos filmes “Mobilidade Elétrica num Minuto”, que estão disponíveis para visualização e aprendizagem na nossa página do YouTube, e temos também informação detalhada no nosso site, onde se destaca o Portal MOBI.Data, com dados em tempo real e evolução histórica da rede Mobi.E. Cada vez mais empresas do sector têm vindo também a contribuir com a divulgação de informação fidedigna, contudo, será sempre um trabalho a manter, pois é extremamente importante ter uma opinião pública corretamente esclarecida.

 

GC – Foi conhecida a intenção da Mobi.E internacionalizar o modelo português de carregamento de veículos elétricos. Em concreto, qual é o vosso objetivo?

LB – É um facto. Temos uma solução tecnológica robusta, moderna e diferenciadora que acaba de ser disponibilizada. Fruto das exigências do modelo Mobi.E, a nossa plataforma permite mais do que o “roaming” entre pontos de carregamento, como as restantes que existem no mercado. Permite interagir com o sector elétrico, o que a torna numa plataforma única de “roaming” de energia.

Além disso, conseguimos fornecer em tempo real informação extremamente importante relacionada com a disponibilidade de todos os pontos de carregamento integrados. Em Portugal, não discutimos questões que os outros países ainda andam a debater: como eliminar a necessidade de ter quase tantos cartões ou apps quanto o número de operadores, como ter um mapa com a localização e disponibilidade de todos os postos com informação em tempo real, como conseguir otimizar o investimento em condomínios, de forma a evitar custos acrescidos com aumentos de potência, ou mecanismos de tributação de rendimentos relativos ao fornecimento de energia por parte do empregador por carregar o veículo próprio na empresa. Tudo isto são dados adquiridos pelos portugueses e que a generalidade dos países ainda procura soluções.

Além disso, o AFIR vem exigir que os Estados-membro disponham de uma entidade de acesso local que agregue toda a informação das redes de carregamento para fornecer à União Europeia. A Mobi.E já é naturalmente essa entidade em Portugal e pode ajudar outros países a atingirem rapidamente este objetivo. É uma vantagem competitiva única e momentânea que a Mobi.E quer aproveitar.

Mas se temos uma solução que permite carregar o veículo com um único meio de acesso, porque não alargá-la a outros países, permitindo soluções de “roaming” internacional de carregamento idênticas às que temos hoje com o telemóvel. Espanha, pela sua proximidade geográfica, é, naturalmente, o alvo mais prioritário neste âmbito.

Mas queremos mais com este projeto de internacionalização. Queremos apoiar as empresas que já operam em Portugal a exportarem os seus serviços para outros países, através da nossa plataforma, capitalizando os objetivos do AFIR em promover a interoperabilidade de redes entre Estados-membro e beneficiando do facto das empresas em Portugal já estarem integradas com a Plataforma de Gestão Mobi.E, podendo, com relativa facilidade e menor custo, permitir que os seus clientes circulem por outros países utilizando para carregar o mesmo cartão ou app que usam em Portugal.

Mas a Mobi.E quer também captar novas receitas que permitam reduzir os custos de carregamento na rede Mobi.E. Assim, elegemos como mercados prioritários a Europa e a América Latina. Estou certo de que os esforços que temos desenvolvido nesta área, nos últimos meses, começarão a aparecer em breve.

 

GC – Existem no país soluções específicas para veículos pesados? São suficientes, são necessárias mais?

LB – Atualmente, em Portugal, a quota média de veículos elétricos pesados é muito residual, de apenas 0,10%, não muito divergente da média europeia de 0,12%. As principais soluções existentes são de acesso privado e prendem-se com o carregamento de frotas urbanas de autocarros.

O AFIR vem agora exigir aos Estados-membro que criem as suas redes de acesso público e, de acordo com o estudo apresentado pela Mobi.E, iremos necessitar de cerca de 1.600 pontos até 2050, num investimento global estimado de 126 milhões de euros. É um novo segmento que vai obrigar, a partir de agora, o mercado a estar atento, mas, tal como aconteceu em 2015, vamos partir praticamente do zero.

 

GC – Quais são os principais desafios na mobilidade elétrica, ao nível do transporte de mercadorias?

LB – Os principais desafios são muito idênticos aos que vivemos há uns anos quando começámos a criar a rede piloto para carregamento de veículos ligeiros. Faltam postos e faltam veículos.

Do lado da infraestrutura, sabemos que vamos necessitar de postos com potências mais elevadas e que os clientes-alvo têm frotas profissionais que necessitam de otimizar os seus tempos, quer de acesso à infraestrutura, quer de carregamento. Estou certo de que, se promovermos o diálogo com transportadores e operadores de pontos de carregamento, saberemos encontrar as soluções mais adequadas para garantirmos que a transição energética chegue o mais rápido possível aos veículos pesados de mercadorias e de passageiros de longo curso.

 

GC – Os veículos elétricos são o futuro das frotas empresariais?

LB – Começam a ser o presente. Temos consciência de que muito do crescimento que estamos a assistir no parque automóvel elétrico é promovido pelas frotas empresariais. Os incentivos à mobilidade elétrica dirigidos às empresas foram desenvolvidos para motivarem-nas a optar por este tipo veículos nas suas frotas, com vantagens ecológicas, mas também financeiras. Ganhos estes que cada vez são maiores, tendo em conta os aumentos dos preços dos combustíveis fósseis que temos vindo a assistir.

Os encargos mensais de um veículo elétrico podem chegar a ser 38% inferiores aos de um veículo a combustão, segundo um estudo recente da LeasePlan, algo que é muito positivo para as empresas ao nível das despesas com as suas frotas, sendo também vital para atingirem as suas metas internas de descarbonização.

 

“Os encargos mensais de um veículo elétrico podem chegar a ser 38% inferiores aos de um veículo a combustão, segundo um estudo recente da LeasePlan, algo que é muito positivo para as empresas ao nível das despesas com as suas frotas, sendo também vital para atingirem as suas metas internas de descarbonização”

 

GC – Em 2022, Portugal registou uma média de vendas de veículos totalmente elétricos de cerca de 12% do total das vendas, ao passo que em Espanha esse valor não chegou aos 5%. O que, no vosso entender, explica esta discrepância face ao país vizinho?

LB – Em 2023, a quota de mercado acumulada dos veículos elétricos subiu para 16,7% e, se tivermos em conta o último mês disponível, outubro, esta quota rondou os 20%, depois de em agosto se ter atingido o máximo histórico de 23,5%. A forma como os dois países olharam, desde o início, para a mobilidade elétrica ajuda a explicar. Portugal, desde muito cedo, em 2010, criou uma legislação específica, definindo regras muito claras para todos os investidores que quisessem aderir à mobilidade elétrica, que se consubstanciam no modelo Mobi.E. Ao mesmo tempo, o Estado criou uma empresa, a Mobi.E, que teve um importante papel no arranque de todo o sistema, focada na criação de uma infraestrutura mínima de carregamento suficientemente alargada, abrangendo todos os municípios do país, totalmente interoperável, que funcionasse como um multibanco e que permitisse o acesso fácil e em tempo real à informação sobre o estado da rede. Tudo isto constituiu as bases sólidas de um mercado concorrencial que, depois, foi desenvolvido por um crescente número de investidores privados.

Por sua vez, Espanha e muitos outros países com muito maior poder económico do que Portugal entenderam deixar as regras ao livre-arbítrio de cada um que quisesse correr os riscos de um novo negócio associado à mobilidade elétrica, resultando assim num mercado disperso, desarticulado e confuso, que dificulta em muito a experiência dos condutores e que acaba por fomentar a resistência à mudança. As diferenças nos resultados estão à vista.

 

GC – Considera que existem incentivos suficientes no país à aquisição de veículos elétricos?

LB – Analisando os resultados que estamos a ter em comparação com outros países, parece-me que temos sabido canalizar corretamente os incentivos. Também a consistência das políticas de incentivos, ao longo dos anos, tem sido fundamental para gerar estabilidade e confiança para a mudança. Note-se que outros países que têm proporcionado volumes maiores de incentivos têm tido resultados que ficam muito aquém dos que estamos a obter em Portugal.

Também é preciso ter em conta que muitos desses países que têm maiores incentivos à aquisição de veículos produzem os próprios veículos e, assim, criam uma espécie de economia circular de incentivos na mobilidade elétrica para financiar a transição da sua própria indústria automóvel, benefício que o nosso país não tem capacidade de usufruir.

 

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GC – Mais do que aumentar pontos de carregamento, importa alargar a sua dispersão geográfica? Existem ainda diferenças entre litoral e interior, por exemplo?

LB – A rede Mobi.E está já presente em todos os 308 municípios portugueses. Neste momento, existem 63 tomadas por cada 100 quilómetros de rodovia, ou seja, 86 tomadas por cada 100 mil habitantes, em média. É natural que uma infraestrutura de carregamento como a nossa, que ainda está numa fase embrionária, comece por concentrar os seus investimentos em locais de maior procura, não só para assegurar a rentabilidade dos investimentos, gerando a confiança necessária do investidor privado para fazer crescer a sua atividade, como também são nessas áreas onde as questões ambientais têm mais impacto.

Contudo, a Mobi.E tem tido preocupação em assegurar a coesão territorial dos seus investimentos. Foi assim com a rede piloto, bem como no piloto dos postos de carregamento ultrarrápido, onde demos prioridade ao interior e, por exemplo, instalámos o primeiro em Castelo Branco, há mais de dois anos. Além disso, o interior, com densidade demográfica menor, tem uma tipologia de construção mais propícia para soluções de carregamento de acesso privado, coisa que é mais difícil nas grandes cidades do litoral, onde as zonas residenciais mais antigas não dispõem de garagens, pelo que não só precisam de mais carregadores, como também que eles sejam de acesso público.

 

GC – Qual a sua opinião acerca do investimento que os operadores de retalho têm feito na mobilidade? É importante para democratizar o acesso?

LB – Essa é outra das características que está relacionada com o modelo Mobi.E, a democratização do acesso quer de operadores, quer de utilizadores à rede de carregamento de acesso público. Por um lado, torna menos onerosa quer a instalação dos postos, quer depois a sua exploração, uma vez que a completa integração no sector energético e a segregação da atividade de comercialização de energia evitam que os operadores de pontos de carregamento tenham de suportar os tradicionais custos associados à contratação de potência, bem como tenham de lidar com o risco e a volatilidade dos preços da energia, permitindo assim que os operadores se concentrem no crescimento das suas redes de carregamento. Por outro lado, o facto dos operadores de pontos de carregamento estarem impedidos de praticar preços diferenciados, em função da qualidade do utilizador de veículo elétrico, acaba por transmitir uma maior transparência ao sistema, dando maior confiança aos utilizadores. Desta forma, explica-se também assim os bons resultados que temos obtido, com os fortes crescimentos registados.

 

GC – A mobilidade sustentável esgota-se na mobilidade elétrica?

LB – A mobilidade sustentável não se esgota na mobilidade elétrica como a conhecemos hoje, mas esta representa, neste momento, a alternativa mais viável e sólida, que será no futuro certamente complementada com outras fontes sustentáveis, como o carregamento por hidrogénio.

Tal como se pode verificar no nosso estudo, está também a ser prevista para Portugal a criação de uma rede de carregamento de veículos a hidrogénio que, até 2030, contará com um investimento estimado de 219 milhões de euros e a criação de 37 estações de abastecimento, de forma a cumprir o AFIR.

 

Este artigo foi publicado originalmente na edição N.º 83 da Grande Consumo.

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Por Bruno Farias

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