Entre o clique e a consciência, o “Barómetro e-Shopper 2025” da DPD revela um consumidor mais digital, circular e exigente — o retrato de um país que compra com propósito, mas também com pragmatismo.
O e-commerce em Portugal atingiu a maturidade. Em 2025, três em cada quatro portugueses já compram online e 46% fá-lo regularmente, sinal da consolidação dos hábitos digitais e de confiança no canal. A média de 39,4 compras anuais por e-shopper regular, mais cinco do que há dois anos, confirma o dinamismo de um mercado que regressou aos níveis pandémicos, agora com maior estabilidade e consciência.
O “Barómetro e-Shopper 2025” da DPD, que inquiriu mais de 1.200 consumidores nacionais, traça o retrato de um comprador exigente, pragmático e atento à sustentabilidade, que valoriza a conveniência e quer poder escolher — do preço à transportadora que entrega a sua encomenda. Carla Pereira, diretora de marketing e comunicação da DPD Portugal, recorda que esta é a oitava edição do estudo, um dos mais “consistentes” sobre o e-commerce em Portugal e na Europa. “É um estudo cego”, sublinha. “Os consumidores não sabem que estão a responder para a DPD — é a forma mais transparente de entender o que realmente pensam”.
Um hábito consolidado
O comércio eletrónico integra hoje o quotidiano dos portugueses. A média de 4,2 encomendas mensais reflete um consumo assente na conveniência, comparação e rapidez. A fronteira entre o físico e o digital diluiu-se: o e-shopper quer tudo — e quer agora —, mas também quer confiar.
Essa confiança estende-se à última milha: 63% dos consumidores considera importante saber qual é a transportadora, mais nove pontos face a 2023. A entrega deixou de ser apenas um serviço para fazer parte essencial da experiência de marca. “Voltámos aos níveis pandémicos”, observa Carla Pereira. “Mas agora de forma mais madura, mais estável”.
Entre os números, um destaca-se: 67% dos portugueses já compra em segunda mão online. “Primeiro foi uma febre, agora é um hábito”, comenta Carla Pereira. “O fenómeno C2C enraizou-se nos comportamentos e já é expressão da economia circular”. Mais de dois terços fazem-no pelo preço e acessibilidade, mas 44% associa a prática a uma economia mais responsável. O digital democratizou a revenda e transformou o estigma do usado em valor. “Sentimo-nos todos empreendedores”, graceja. “De repente, toda a gente vende online”. A fronteira entre consumidor e vendedor tornou-se porosa e é aí que nasce a nova economia do e-shopper português: circular, consciente e pragmática.
No plano social, o retrato é paradoxal: “Os portugueses têm critérios certos, mas só 40% está disposto a pagar mais pelo ambiente”
A geração que redefine o consumo
A Geração Z dita tendências e redefine expectativas. Em Portugal, 100% dos jovens entre os 18 e os 27 anos usa as redes sociais semanalmente e 92% procura nelas inspiração de compra, mas apenas 39% concretiza as transações diretamente nas plataformas, bem abaixo dos 61% da média europeia. “Eles vivem online, mas ainda hesitam em comprar lá”, resume Carla Pereira. Instagram e TikTok são hoje vitrines culturais e comerciais, com o vídeo curto a moldar o comportamento de compra. O TikTok sobe 17 pontos em dois anos, enquanto o Facebook desce 33.
A Geração Z quer velocidade, fluidez e personalização: 90% valoriza janelas de entrega de uma hora e três em cada quatro consideram a entrega “sem esforço”. Mas continua economicamente dependente — 49% vive com os pais e apenas 25% é financeiramente independente. A sua força está menos no poder de compra e mais na influência.

Quando a conveniência é a nova fidelidade
O estudo revela níveis recorde de satisfação: 79% dos compradores regulares está satisfeito com a última compra online e 82% considerou o processo simples, um dos índices mais altos da Europa.
As entregas out-of-home consolidam-se enquanto tendência do e-commerce — 14% recorre a lockers, mais cinco pontos que em 2023 —, enquanto o local de trabalho perde relevância. “Os portugueses gostam de receber em casa, mas querem opções”, nota Carla Pereira. “O importante é poder escolher”.
A flexibilidade redefine a fidelidade. O consumidor já não é fiel a uma marca, mas à experiência: quer saber onde está a encomenda, reagendar, alterar o local ou escolher a hora exata. O e-commerce português entrou na era da personalização logística.
O comércio eletrónico integra hoje o quotidiano dos portugueses. A média de 4,2 encomendas mensais reflete um consumo assente na conveniência, comparação e rapidez. A fronteira entre o físico e o digital diluiu-se: o e-shopper quer tudo — e quer agora —, mas também quer confiar
Pop-up Talks: futuro contado em quatro vozes
No âmbito da apresentação deste estudo, e no ambiente descontraído das Pop-Up Talks, quatro convidados, num período máximo de dez minutos, exploraram os temas que estão a moldar o futuro do e-commerce. Jorge Mendes, data & AI senior manager na Kyndryl, antecipou o futuro da personalização, da confiança e da experiência do consumidor na pop-up talk subordinada ao tema “Impacto da IA no futuro: do e-commerce/na jornada do e-shopper”. “A personalização e as recomendações de produtos são, hoje, uma grande fatia da inteligência artificial”, afirmou. “Cada persona tem uma experiência diferente na compra e a personalização é o que mais aproxima o e-shopper da marca”.
A transformação estende-se a toda a cadeia logística: “Gestão de stocks, armazenamento e supply chain já têm uma palavra a dizer da inteligência artificial”, explicou, destacando ganhos de eficiência e entregas mais rápidas.
Mas a inovação traz desafios: “Há dificuldade de integração com sistemas antigos e a IA ainda é cara. Tem de haver sempre um business case associado”. A qualidade e a governação dos dados são críticas: “Sem qualidade e governo dos dados, não há inteligência artificial”.
No horizonte, vislumbra-se o consumidor assistido por IA. “Já se fala em agentes virtuais individualizados que farão compras automatizadas. E, no futuro, poderemos experimentar roupas em realidade virtual”.
A confiança, sublinhou, será o pilar central: “A inteligência artificial tem sempre o bom e o vilão. Depende do operador”. Daí a importância do AI Act europeu, que vai obrigar as empresas a “fazer IA como deve ser — com dados governados, confiáveis e transparentes”.
A importância da sustentabilidade no transporte expresso
Num sector ligado à mobilidade e ao consumo, a sustentabilidade “deixou de ser opção para ser imperativo estratégico”. Interlocutor na segunda pop-up talk, “A importância da sustentabilidade no transporte express”, Francisco Ferreira, presidente da ZERO, foi perentório: “A componente dos transportes não para de aumentar. Já representa mais de 40% das emissões de gases com efeito de estufa”.
Apesar dos avanços na eletrificação, o transporte rodoviário continua a comprometer a neutralidade carbónica. “Enquanto reduzo emissões com veículos elétricos, o aumento das entregas cria um dilema grande em relação à sustentabilidade”, nota. A solução, defendeu, passa pela inovação e pela otimização. “É preciso usar a inteligência artificial para garantir que o transporte é o mais eficaz possível”. E apontou caminhos: camiões elétricos e, sempre que possível, transporte ferroviário.
No plano social, o retrato é paradoxal: “Os portugueses têm critérios certos, mas só 40% está disposto a pagar mais pelo ambiente”. Ainda assim, destacou que, em produtos de segunda mão, estamos 5% acima da média europeia.
O ambientalista reforçou o papel do consumidor: “Gosto do ambiente, mas não quero esperar pela encomenda. Essa impaciência tem um custo ambiental”. A pedagogia da espera, acredita, é essencial: “Reduzir a velocidade é uma das formas mais importantes de reduzir emissões”.
Também as plataformas digitais devem ser parte da solução. “Se eu digo que posso esperar e o site oferece entrega no dia seguinte, estou a fazer um esforço ambiental que o sistema anula”, descreveu. Daí a importância da comunicação: “É quase um dever comunicar como se pode ajudar o ambiente. Nem que seja com o resumo da compra”.
Francisco Ferreira recordou ainda a parceria da ZERO com a DPD na criação de um bosque, símbolo da ligação entre negócio e compromisso ecológico. E deixou o alerta final: “A sensibilização não chega. Precisamos de passar à prática. É essa combinação de regulamentação e consciência que fará a diferença”.
No horizonte, vislumbra-se o consumidor assistido por IA. “Já se fala em agentes virtuais individualizados que farão compras automatizadas. E, no futuro, poderemos experimentar roupas em realidade virtual”
Social commerce: das vitrines ao entretenimento
As redes sociais são hoje verdadeiros centros comerciais digitais. Simão Pires, digital marketing hub director da Worten, explicou como esta revolução redefine a forma como compramos e confiamos. Foi este, aliás, o tema da terceira pop-up talk: “Redes sociais: o novo shopping mall”. “Hoje, as redes sociais são vitrines de venda. Em Portugal, a conversão ainda acaba nos websites, mas noutros mercados, com o TikTok Shop, a venda já se conclui dentro da rede social”, salienta.
Compreender as motivações é essencial. “71% procura inspiração nas redes, mas também entretenimento. As marcas têm de comunicar de forma nativa e isso muda muito de plataforma para plataforma”, sustentou. O desafio é equilibrar autenticidade e coerência: “No TikTok comunicamos de uma maneira, no Facebook de outra. A marca é uma, mas parece ter várias personalidades”.
Falar para uma Geração Z também é diferente de falar para uma Gen X. Mas o objetivo final continua a ser converter: “No fim do dia, temos de vender. Mas também criar comunidade. É assim que passamos a nossa marca”.
A Worten tem diversificado conteúdos e formatos. “Temos redes de produto e redes de serviço. A procura é distinta. Eu próprio já fui ao TikTok perceber como lavar a máquina da roupa. E se não encontrarem solução, a Worten resolve”, gracejou.
Sobre os influenciadores, Simão Pires foi direto: “A diferença de performance entre comunicação comercial e conteúdo gerado por utilizadores é brutal. Porque os user generated content têm autenticidade. Nos criadores de conteúdo, as pessoas envolvem-se mais porque conhecem aquela pessoa. E a forma como contam histórias é genuína”.
A IA, notou, é uma ferramenta útil — mas não substitui o humano. “Usamo-la para perceber o que funciona em narrativa e acelerar produção. Mas valorizamos a experiência real. Queremos continuar a ser uma marca feita por pessoas, para pessoas”, assegurou. “Crescemos no e-commerce, mas nunca deixámos de estar presentes fisicamente. A força da marca está na combinação entre o humano e o digital”.
Cultura, propósito e pessoas
O encerramento ficou a cargo de Rui Bairrada, chairman do Doutor Finanças, que trouxe o foco para as pessoas, ao abrigo do tema “A cultura empresarial como forma de atração e retenção de talento”. “A cultura empresarial é hoje uma das maiores vantagens competitivas das empresas”, afirmou.
No Doutor Finanças, o propósito é claro: ajudar os portugueses a tomarem melhores decisões financeiras. “Temos o melhor emprego do mundo”, disse. “As pessoas que trabalham connosco sabem que estão a entregar algo maior do que elas”.
A transparência é outro pilar: “Qualquer colaborador deve ter acesso à informação. Tem de ser claro o que cada um faz e como contribui para o todo”.
Rui Bairrada defendeu uma cultura de colaboração entre gerações: “Não é a Geração Z que vem resolver o mundo, é a Geração Z com todas as outras”. E lembrou que a cultura não se compra: “Tem de haver consistência”.
Desde 2014, a empresa mantém um elo direto entre liderança e equipa. “Eu não abdico de fazer o onboarding de todos os colaboradores. Digo sempre quatro coisas. A primeira: o Doutor Finanças vai parecer uma seita, porque toda a gente sorri. O que peço é que nos ajudem a manter isso. Depois, a felicidade: o meu conceito de felicidade é feedback. E só faz sentido se for win-win. O sonho: o trabalho serve para concretizar os sonhos das pessoas. E a liderança aberta: o meu lugar está à disposição. Acredito que as pessoas devem sonhar até onde quiserem”.
Sobre o futuro do talento, Rui Bairrada é otimista. No seu entender, a IA é “uma ferramenta fantástica. Tira as tarefas chatas e dá-nos tempo para a relação e isso ninguém substitui”.
A literacia financeira, lembrou, começa dentro de casa. “Faz-me impressão ver quem gere milhões sem saber gerir a sua vida financeira. O dinheiro serve para concretizar sonhos, não é uma coisa má. Quanto mais informação tivermos sobre finanças pessoais, mais cresceremos todos. Com mais literacia, precisamos de menos ajuda do Estado e ganhamos mais liberdade”, concluiu.
Uma ideia cristaliza-se: o e-shopper português está mais exigente e lúcido. Quer conveniência, mas exige confiança. Valoriza a sustentabilidade, mas não abdica do preço. A geração digital dita tendências, mas as anteriores mantêm o poder de compra. A tecnologia promete velocidade, mas o futuro exigirá contenção
O retrato final: pragmatismo com propósito
Uma ideia cristaliza-se: o e-shopper português está mais exigente e lúcido. Quer conveniência, mas exige confiança. Valoriza a sustentabilidade, mas não abdica do preço. A geração digital dita tendências, mas as anteriores mantêm o poder de compra. A tecnologia promete velocidade, mas o futuro exigirá contenção.
Carla Pereira sintetiza bem esta ideia: “o futuro do e-commerce dependerá da capacidade das marcas e operadores anteciparem tendências e oferecerem experiências de entrega que acrescentem valor em cada interação”. É este o espelho de um país em mutação, entre o clique e a consciência, o impulso e a intenção. O consumidor português, esse, já não é o mesmo.



