AI está aí. E está a mudar tudo.

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Imagem: Shutterstock. Imagem criada com Inteligência Artificial.

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Da gestão de stocks à personalização em tempo real, a inteligência artificial (IA) está a transformar silenciosamente o retalho. Os algoritmos já previnem ruturas, ajustam campanhas, reconhecem pratos e sugerem produtos, sempre com o objetivo de melhorar a experiência de compra. Mas este avanço técnico exige mais do que inovação: requer confiança, ética, talento e uma nova cultura de decisão. A IA já não é uma promessa — é uma infraestrutura invisível. E o futuro do retalho será definido não apenas pelo poder da máquina, mas pela sensibilidade e visão de quem a comanda.

Durante décadas, o retalho foi feito de intuição, de proximidade e de longas folhas de cálculo. Hoje, uma revolução silenciosa dá voz aos dados e ritmo aos algoritmos. A inteligência artificial (IA), que há pouco tempo habitava apenas os discursos visionários, está agora firmemente ancorada nas operações do dia a dia e Portugal encontra-se entre os países europeus mais recetivos a esta mudança.

Segundo o estudo “Ipsos AI Monitor 2025”, existe uma atmosfera de preocupação, mas também de admiração sobre a IA. O relatório de 30 países revela diferenças regionais no nível de entusiasmo com os avanços da inteligência artificial, confiança no uso responsável e expectativas de impactos futuros. Em média, 52% dos inquiridos diz-se entusiasmado com produtos e serviços que usam IA, em comparação com 53% que diz que os deixa nervosos.

Um outro estudo confirma o entusiasmo dos portugueses. O “EY European AI Barometer 2025” mostra que Portugal lidera na perceção positiva da experiência com IA, com 90% dos trabalhadores a considerá-la favorável, o valor mais elevado da Europa. Este dado revela um mercado entusiasmado com o potencial da tecnologia, mas igualmente exigente. O estudo “Corporate Data Responsibility: Bridging the Consumer Trust Gap” da KPMG, mostra que 86% do norte-americanos preocupa-se cada vez mais com a privacidade dos seus dados. A mesma sondagem indica que apenas 39% dos inquiridos acredita que as empresas farão um uso ético dos dados recolhidos e 68% espera transparência sobre onde e como a IA é usada, isto segundo o “IAPP Privacy and Consumer Trust Report 2023”.

Mesmo na era da IA, as pessoas continuam a querer criar relações com marcas que demonstrem empatia, integridade e propósito. O estudo global da KPMG “Beyond the Noise: Orchestrating AI driven Customer Excellence” revela que, apesar do uso estar a crescer significativamente, os consumidores continuam a valorizar experiências mais humanas e empáticas.

Vivemos, portanto, numa encruzilhada: os consumidores estão preparados para a IA, desde que com ética, transparência e benefício real. Os líderes estão atentos, mas ainda a desenhar os mapas. E o sector do retalho, pressionado por margens estreitas, por cadeias de abastecimento voláteis e por clientes cada vez mais exigentes, encontra na IA uma promessa de equilíbrio: entre eficiência e personalização e entre agilidade e confiança.

No meio deste cenário, uma certeza começa a emergir: a IA deixou de ser uma vantagem competitiva para se tornar infraestrutural. Como alerta um relatório da Capgemini, nos próximos anos, os retalhistas descobrirão que, se não estiverem a usar IA, será mais difícil competir. A questão já não é se a tecnologia deve ser adotada — mas sim como, quando e com que propósitos.

É neste contexto que se impõe olhar para os pioneiros. Empresas que não só deram os primeiros passos, como já percorrem um caminho estruturado, com impacto mensurável e visão de futuro. A seguir, exploramos como nomes como Worten, Auchan, El Corte Inglés e outros estão a moldar esta nova era do retalho, com algoritmos que aprendem, plataformas que antecipam e decisões cada vez mais inteligentes. Mas, como veremos, é no equilíbrio entre a precisão da máquina e a intuição do humano que reside o verdadeiro potencial da transformação.

 

Inteligência aplicada com propósito

Na Worten, a inteligência artificial não é uma promessa — é uma realidade operacional que atravessa todas as áreas do negócio. Com uma abordagem pragmática, estratégica e assente na utilidade, a insígnia tem vindo a integrar a IA em múltiplas frentes, da logística ao marketing, da previsão de procura ao apoio ao cliente. O objetivo? Tornar a experiência de compra mais fluida, eficiente e relevante.

“Na Worten, o nosso foco é, e continuará a ser, melhorar a experiência de compra dos nossos clientes”, afirma David Barros, area coordinator – architecture – data, analytics, reporting & exploration. Essa ambição traduz-se numa aplicação concreta da tecnologia para resolver problemas, otimizar processos e criar valor, não apenas internamente, mas sobretudo para quem compra.

Na logística e na previsão de procura, a IA permite gerir stocks com maior precisão, reduzindo ruturas e ajustando os níveis de reposição às reais necessidades do mercado. Este tipo de aplicação permite reduzir o desperdício, otimizar espaço e garantir disponibilidade sem excessos, um desafio constante no retalho.

Já no marketing, o impacto da IA é visível na personalização das campanhas. Através da análise de padrões de comportamento, preferências de compra e histórico de navegação, a Worten adapta as suas mensagens em função de cada perfil de consumidor, aumentando a taxa de conversão e a relevância da comunicação. Grande parte das ofertas no site e das newsletters é hoje gerida por algoritmos que antecipam comportamentos de consumo, ajustando conteúdos e recomendações em tempo real. “O que nos move é a capacidade de aplicar esta tecnologia em soluções práticas que tragam valor real aos nossos clientes e à operação”, assegura David Barros.

 

Portrait of female robot, android face, Artificial intelligence concept render 3d illustration
Foto: Shutterstock

 

Também o apoio ao cliente está a ser profundamente transformado. A automação inteligente oferece respostas mais rápidas, mais precisas e disponíveis 24/7, permitindo às equipas humanas concentrarem-se nas interações de maior valor. É o caso do assistente virtual já em funcionamento no canal de chat e em teste A/B na voz. Segundo David Barros, “a IA é sempre utilizada como uma primeira linha de suporte, deixando a resolução de problemas complexos para uma segunda linha de humanos altamente especializados”.

Com estas ferramentas, a Worten conseguiu reduzir o tempo de pesquisa dos vendedores em loja de quatro minutos para 30 segundos, diminuir o volume de chamadas ao contact center e automatizar o suporte aos vendedores do marketplace. Tudo isto liberta tempo e energia das equipas para se focarem em atividades de maior valor acrescentado, como a tomada de decisão e a inovação. A IA está a transformar o papel das equipas: em vez de apenas executarem tarefas, os colaboradores assumem um papel mais ativo na análise, na melhoria de processos e na estratégia.

Mas a visão da Worten não se limita ao presente. A empresa está a testar ativamente soluções de inteligência artificial generativa (GenAI), com especial enfoque nas áreas de suporte e conteúdos. Entre os casos de uso em desenvolvimento estão a criação automatizada de descrições de produto, textos de apoio à decisão de compra, sugestões de cross-selling e campanhas adaptadas em tempo real. No apoio ao cliente, a GenAI está também a ser aplicada para proporcionar interações mais naturais e respostas mais completas. “Estamos a explorar o potencial da GenAI, em particular nestas áreas”, confirma o responsável, ressalvando, contudo, que o fazem com prudência e consciência. “Acreditamos que o uso responsável da IA pode contribuir para uma experiência de compra mais fluida, relevante e personalizada, promovendo uma relação mais próxima e duradoura com os nossos clientes”.

 

Na Worten, a inteligência artificial não é uma promessa — é uma realidade operacional que atravessa todas as áreas do negócio. Com uma abordagem pragmática, estratégica e assente na utilidade, a insígnia tem vindo a integrar a IA em múltiplas frentes, da logística ao marketing, da previsão de procura ao apoio ao cliente. O objetivo? Tornar a experiência de compra mais fluida, eficiente e relevante

 

A responsabilidade é central nesta transformação. A Worten sublinha o seu compromisso com a privacidade, a transparência e o respeito pelos dados dos clientes. A confiança — tal como a conveniência e o preço — é hoje um fator de competitividade essencial. Para dar resposta a estes desafios, a Worten tem investido fortemente na preparação das equipas e na criação de uma estrutura sólida de AI Governance. Desde formações específicas à gestão da mudança, o objetivo é garantir uma adoção sustentada e ética da tecnologia. Todas as soluções são validadas por equipas legais, de Regulamento Geral de Proteção de Dados e de cibersegurança, assegurando conformidade com o AI Act e boas práticas de fairness e explainability. “O melhor modelo não é apenas aquele que tem melhor performance técnica, mas aquele que apresenta um comportamento equilibrado em termos de precisão, justiça e explicabilidade”, defende David Barros.

Apesar de privilegiar o desenvolvimento interno, a Worten acompanha de perto o ecossistema de inovação, participa em hackathons e mantém colaborações com providers tecnológicos e serviços cloud. O foco é manter independência a longo prazo, com soluções modulares, escaláveis e preparadas para o futuro.

Esta visão está inserida numa estratégia digital alargada, que posiciona a Worten como uma das marcas de retalho mais avançadas em Portugal. A IA não é uma ferramenta isolada, mas uma peça integrada num ecossistema digital robusto, desenvolvido com equipas multidisciplinares, metodologia ágil e métricas de impacto claras, através de KPIs de negócio e tecnológicas, como accuracy, recall e precision. “A nossa abordagem passa por identificar áreas onde a tecnologia pode resolver problemas concretos, aumentar a eficiência e criar valor sustentável para o cliente e para a marca”, reforça David Barros.

Na Worten, a inteligência artificial é tratada com inteligência. Não como fim, mas como meio. E é nessa lógica que se constrói um futuro mais simples, eficaz e próximo, com a tecnologia ao serviço de quem importa verdadeiramente: o cliente.

 

IA com ética, foco e impacto real

Na Auchan, a inteligência artificial é encarada como uma aliada pragmática, uma ferramenta que só faz sentido se gerar valor real. Com um portefólio de aplicações que atravessa a previsão de vendas, a deteção de fraude, a personalização da experiência digital e a otimização de stocks, o retalhista integra a tecnologia de forma transversal, mas sempre com ética e responsabilidade.

De facto, a IA é já uma realidade para a empresa retalhista, com aplicações em áreas como a deteção de fraude, a previsão de vendas, a personalização da experiência digital, a previsão de ruturas e até no programa de fidelização. Com modelos de machine learning e preditivos, a Auchan consegue antecipar ruturas e ajustar a gestão de stocks com maior eficácia. As prateleiras são abastecidas com maior precisão, evitando desperdícios e melhorando a experiência do cliente.

No canal digital, a IA adapta os conteúdos em tempo real na app e no site, com base nos padrões de comportamento, histórico de navegação e contexto. Essa personalização estende-se também às campanhas direcionadas, às comunicações de fidelização e às notificações, tornando a jornada do cliente mais fluida, relevante e eficaz.

A IA está igualmente ao serviço da construção de relações duradouras. A marca acredita que a experiência deve partir do conhecimento profundo das preferências e do contexto de cada consumidor. “Usamos modelos de personalização para adaptar os conteúdos da app e do site a cada cliente, com base em padrões de comportamento e no seu contexto atual. Também temos modelos de recomendação de produtos personalizados”, descreve Carlos Vinagre, diretor de IT da Auchan Retail Portugal.

Mas a tecnologia não vive isolada. A Auchan investe na capacitação das equipas e na disseminação de uma cultura de dados, preparando os colaboradores para interpretar insights, alimentar os modelos e atuar sobre os resultados. Para a empresa retalhista, a IA deve ser usada com ética, responsabilidade e com foco na criação de valor para o cliente, convicta de que a tecnologia só por tecnologia não lhe serve. De acordo com o gestor, o objetivo é sempre criar uma experiência mais simples, relevante e eficiente para o cliente, sem nunca comprometer a privacidade e a confiança.

 

Tecnologia só por tecnologia não serve. O objetivo é sempre criar uma experiência mais simples, relevante e eficiente para o cliente, sem nunca comprometer a privacidade e a confiança

 

Esta maturidade tecnológica é visível também no processo. Os projetos de IA são desenvolvidos com metodologia, testados em ambientes reais e avaliados com métricas concretas. Não se trata de modismo, trata-se de transformar com método.

Ainda é cedo para apresentar resultados quantitativos, mas a expectativa é clara: “as vantagens – em termos de eficiência, aumento de vendas e redução de custos – serão mais evidentes à medida que continuamos a explorar e a otimizar a implementação da IA generativa nas nossas operações”, assegura Carlos Vinagre.

Entre os principais desafios estão os tempos de desenvolvimento por parte das equipas de IT, a escassez de talento especializado e a necessidade de garantir transparência, segurança e aceitação por parte dos consumidores. “Nem todos os clientes estão preparados para a implementação deste tipo de sistemas”, reconhece o diretor de IT da Auchan Retail Portugal.

Apesar de ainda não trabalhar com startups neste domínio, a Auchan reconhece que “as parcerias tecnológicas desempenham um papel fundamental na transformação do sector” e que áreas como realidade aumentada, lojas automáticas, visualização de produtos ou assistentes de voz vão marcar o futuro. Um futuro que, afinal, já começou.

Com esta abordagem, a Auchan posiciona-se como referência na aplicação da IA no retalho alimentar: equilibrada, orientada ao cliente e eticamente fundamentada. Para a Auchan, o que importa não é ter mais tecnologia, mas usar a tecnologia certa, nos momentos certos, com o propósito certo.

 

A inteligência por detrás da afinação omnicanal

No El Corte Inglés, a inteligência artificial não chega com alarde, mas com subtileza e precisão. É um motor silencioso que, longe dos holofotes, está a redefinir a forma como a marca comunica, gere e antecipa. Muito além da inovação tecnológica, a IA é encarada como um facilitador estratégico que liga dados, operações e pessoas, com um objetivo claro: oferecer um serviço mais afinado, coerente e eficaz.

A inteligência artificial tem permitido uma afinação muito mais precisa da recomendação de produtos, da gestão de stocks e do planeamento de campanhas promocionais, destaca fonte oficial da insígnia. Esta afinação traduz-se numa omnicanalidade real — e não apenas aspiracional —, onde o digital e o físico dialogam com fluidez, sem fricções nem silos, respeitando a identidade da marca e as necessidades diversas dos seus públicos.

Com uma base de dados robusta e uma aposta firme na análise preditiva, o El Corte Inglés personaliza em tempo real a experiência de compra. Algoritmos cruzam informação de compra, padrões de navegação e histórico de interação para antecipar necessidades, gerar recomendações e ajustar ofertas. Seja na loja física, na app ou numa campanha direta, a resposta é cada vez mais contextual e pertinente.

 

Se os grandes grupos lideram a marcha tecnológica, há um outro movimento, mais silencioso, mas igualmente transformador, a crescer entre as pequenas e médias empresas (PME) portuguesas. A inteligência artificial está a chegar ao tecido empresarial de menor dimensão, não através de mega-investimentos, mas por via de soluções modulares, intuitivas e acessíveis

 

Esta abordagem não se limita ao front-office. A IA é também aplicada na gestão de stocks e no planeamento promocional, assegurando uma reposição mais estratégica e reduzindo ruturas, algo essencial numa operação com grande diversidade de produtos. A tecnologia otimiza a logística, mas também permite afinar o calendário promocional, direcionar melhor os recursos e elevar o impacto das campanhas.

Num sector pressionado pela sazonalidade e pela concorrência, esta capacidade de ajuste cirúrgico é diferenciadora. A IA permite antecipar padrões de consumo e ajustar melhor os pontos de contacto com o cliente, sublinha a insígnia. Com mais previsibilidade, vem também mais relevância e isso traduz-se numa experiência mais fluida e eficaz para o consumidor.

Mas o potencial da IA no El Corte Inglés vai além da conveniência. A tecnologia é também usada em áreas como a segurança e a prevenção de perdas, com sistemas de reconhecimento de padrões e deteção de comportamentos suspeitos que reforçam o controlo e protegem tanto a experiência do cliente como a integridade do negócio.

 

Man and AI robot waiting for a job interview: AI vs human competition
Foto: Shutterstock

 

Ainda assim, a inovação não se sobrepõe à ética. Toda a implementação de IA é feita com base em princípios de transparência e proteção de dados. “A IA é uma aliada. O nosso foco está em aumentar as capacidades humanas, não em substituí-las. Automatizamos tarefas repetitivas, para que as pessoas se concentrem em atividades mais estratégicas e criativas”. A confiança do cliente é um ativo que se cultiva e a IA, bem usada, é uma ferramenta ao serviço desse cultivo.

Internamente, a empresa investe na formação contínua das suas equipas, promovendo uma cultura de inovação orientada a dados. O objetivo é que a IA se torne parte natural dos processos quotidianos, com adesão plena por parte das equipas operacionais e comerciais. A literacia digital, aqui, é vista como um ingrediente essencial para que a transformação tecnológica não fique apenas nos sistemas, mas se enraíze nas pessoas.

 

O objetivo é que a IA se torne parte natural dos processos quotidianos, com adesão plena por parte das equipas operacionais e comerciais. A literacia digital, aqui, é vista como um ingrediente essencial para que a transformação tecnológica não fique apenas nos sistemas, mas se enraíze nas pessoas

 

Assim, a arquitetura tecnológica é governada e sujeita a supervisão rigorosa. “Temos uma arquitetura tecnológica governada, com supervisão rigorosa, formação em sensibilidade ao dado e contratos de bom uso. A privacidade e segurança são prioridades em todos os nossos projetos”. Além disso, há um trabalho contínuo de revisão de algoritmos, para garantir imparcialidade, supervisão humana e comunicação transparente com o consumidor.

Ao transformar o modelo de negócio tradicional num ecossistema mais ágil e orientado por dados, a IA oferece novas possibilidades de relacionamento com os consumidores e novos serviços. “Através da automação e IA, estimamos ter libertado cerca de 20% do tempo (por semana, por colaborador) de vários departamentos estratégicos”, detalha.

O futuro passa por uma cadeia de abastecimento mais sustentável e estruturada, potenciada por previsões mais precisas, menor desperdício e maior resiliência. Com tudo isto, o grupo estima retornos visíveis em menos de um ano para projetos de automação e atendimento, usando métricas como tempo libertado, produtividade ou rentabilidade.

A estratégia do El Corte Inglés não passa por adotar todas as tecnologias disponíveis, mas por selecionar, com critério, as que realmente geram valor. E essa seleção começa sempre por uma pergunta simples: como pode esta tecnologia melhorar a experiência do cliente?

Num mundo onde os dados crescem exponencialmente, é a capacidade de observar, aprender e adaptar que se torna definidora. E é essa a aposta da insígnia: numa inteligência que não se impõe, mas que afina, ajusta e melhora, discretamente, mas com impacto.

 

Do supermercado à moda: IA em ação no terreno

O impacto da IA no retalho não vive apenas nas grandes estratégias — vê-se na aplicação prática, direta e visível no dia a dia dos consumidores. No Pingo Doce, por exemplo, a tecnologia é utilizada de forma tangível no restaurante Comida Fresca, onde permite o reconhecimento automático dos pratos e o cálculo imediato do valor a pagar. Um processo rápido e intuitivo, onde o cliente apenas coloca o tabuleiro e a IA faz o resto.

Já na Mango, a aplicação da inteligência artificial estende-se à previsão de consumo, à otimização de stocks e ao reforço da omnicanalidade. A marca recorre a modelos preditivos que analisam o comportamento dos consumidores para ajustar a oferta em tempo real, reduzir desperdício e melhorar a gestão de armazéns. A tecnologia está no centro da operação, mas com um propósito claro: maior eficiência e melhor serviço.

Estes casos ilustram bem o potencial da IA enquanto motor de eficiência operacional e de melhoria da experiência do cliente. Não são apenas projetos-piloto — são exemplos reais, em funcionamento, que mostram como a tecnologia pode ser aplicada de forma concreta, com impacto direto na jornada de compra.

Mas para lá da escala e dos recursos destes grandes operadores, o desafio agora é garantir que estas soluções se tornam acessíveis a todo o ecossistema, incluindo as PME. E é aí que entra o próximo capítulo desta revolução silenciosa.

 

Pequenos operadores, grandes oportunidades

Se os grandes grupos lideram a marcha tecnológica, há um outro movimento, mais silencioso, mas igualmente transformador, a crescer entre as pequenas e médias empresas (PME) portuguesas. A inteligência artificial está a chegar ao tecido empresarial de menor dimensão, não através de mega-investimentos, mas por via de soluções modulares, intuitivas e acessíveis.

O custo ainda é uma barreira significativa para muitas pequenas e médias empresas, que receiam não conseguir escalar o investimento. Mas o futuro aponta para modelos as-a-service, baseados em cloud e com menor dependência de equipas técnicas internas. Ferramentas com interfaces simples, integradas em plataformas de gestão já utilizadas, poderão democratizar o acesso à IA no retalho.

Estas soluções permitem começar com pequenos passos, como a automatização de tarefas repetitivas, a análise preditiva básica e a personalização inicial da comunicação. O objetivo não é competir em escala com os “gigantes”, mas responder de forma mais eficaz às exigências do seu público local, fidelizar clientes e ganhar agilidade. E, acima de tudo, formar as equipas. Sem capacitação, mesmo os sistemas mais avançados ficam subutilizados.

 

“A IA é um analista júnior brilhante, mas ainda precisa de supervisão sénior”. Esta metáfora resume o ponto central: sem visão, ética e humanos informados, a IA pode amplificar erros em vez de os resolver

 

Na verdade, a literacia digital surge como um denominador comum entre quem escala e quem estagna. Como referem vários especialistas, muitas empresas estão a investir em AI Ops sem garantir que as suas equipas sabem o que significa uma previsão de rutura ou uma recomendação preditiva.

Para os retalhistas com menor maturidade digital, o caminho recomendado é claro: começar por avaliar a qualidade dos dados, identificar dores de crescimento específicas e testar soluções rápidas, de baixo custo e com impacto mensurável. Prototipar, aprender, repetir. Assim se constrói o futuro — também a partir das lojas de bairro, dos marketplaces independentes e dos operadores regionais.

 

O desafio da maturidade

Um dos momentos que melhor traduziu o estado da arte foi o AI Bootcamp, evento realizado pela Touchpoint Consulting. A conclusão foi clara: a maioria das empresas ainda está numa fase intermédia entre business intelligence e predição. A transição para IA generativa ou agentes autónomos exige um trabalho prévio de organização de dados, normalização de processos e capacitação das pessoas.

Os três grandes obstáculos identificados? Qualidade dos dados, escassez de talento e ausência de uma estratégia clara. E a isto junta-se um risco crescente: a tentação de procurar soluções milagrosas. Como alertaram os oradores, Jonathan Tye-Walker e Jonh Lin, da SymphonyAI, não existe uma bala de prata”. O caminho é gradual e exige supervisão. “A IA é um analista júnior brilhante, mas ainda precisa de supervisão sénior”, sintetizou um dos participantes. Essa metáfora resume o ponto central: sem visão, ética e humanos informados, a IA pode amplificar erros em vez de os resolver.

Outro ponto de destaque foi a necessidade de treinar os modelos com dados específicos do retalho. Usar bases genéricas conduz a previsões imprecisas. A eficácia da IA depende diretamente da qualidade do input e da literacia de quem interpreta o output. A partir deste diagnóstico, a última peça do puzzle volta, inevitavelmente, à base: as pessoas.

 

A próxima fronteira é feita de pessoas

Num mundo onde os dados ditam tendências e os algoritmos personalizam experiências em milissegundos, o que continua — e continuará — a fazer a diferença são as pessoas. No retalho, onde cada interação conta e cada escolha pode fidelizar ou afastar, o fator humano mantém-se inegociável. É o que dá sentido aos dados, contexto às decisões e propósito à inovação. É o humano que estabelece relações, constrói confiança e reconhece aquilo que nenhuma máquina consegue codificar: a emoção.

E é precisamente essa interseção — entre a emoção do humano e a precisão da máquina — que está a definir o novo ponto de equilíbrio do retalho. Um ponto em constante afinação, onde a tecnologia não substitui, mas amplia. Onde os algoritmos acompanham, mas não comandam. E onde o futuro não será desenhado apenas por linhas de código, mas também por valores, ética e visão. Porque no fim, mesmo com toda a inteligência artificial do mundo, continuamos a comprar com a cabeça e a decidir com o coração.

 

Este artigo foi publicado na edição N.º 93 da Grande Consumo

 

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Por Carina Rodrigues

Responsável pela redacção da revista e site Grande Consumo.

IA no Retalho

Uma revolução silenciosa: o poder transformador da IA no retalho

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“O shopper está mais informado do que nunca e isso muda tudo”