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Ao longo dos últimos 30 anos, o retalho alimentar e o comportamento do consumidor português transformaram-se profundamente e as crises foram, muitas vezes, o motor dessa mudança. A conclusão é de Ana Paula Barbosa, retailer services director da NielsenIQ, que apresentou uma análise detalhada na primeira conferência da Grande Consumo, evento que assinalou as duas décadas da revista.
A especialista começou por recuar até 1993, ano da primeira grande recessão da década, passando pela introdução do euro e pela crise financeira de 2008 – três momentos que marcaram uma geração de consumidores. Mas foi nos últimos cinco anos, sublinhou, que “o ritmo das disrupções se tornou muito mais rápido”, com a pandemia de 2020 e o ciclo inflacionista que se seguiu. “Vivemos um período de mudanças imprevisíveis e aceleradas”, afirmou Ana Paula Barbosa, que acrescentou que “é isso que torna o nosso trabalho tão desafiante, mas também tão interessante”.
Do desemprego à inflação: três crises, três reações
Durante a crise de 2008, o desemprego e a perda de rendimento foram as principais preocupações. “O consumidor reagiu com cautela: menos compras, mais foco nas marcas próprias e nas promoções”, lembrou a responsável.
O fenómeno repetiu-se, ainda que com motivações diferentes, em 2020, quando o medo se centrou na saúde. O confinamento trouxe um aumento do consumo doméstico e o crescimento de categorias alimentares, enquanto o canal online se consolidava.
Com o regresso da inflação, em 2022, a preocupação mudou novamente: “o aumento dos preços e das taxas de juro levou os consumidores a comportamentos de prudência, a comprar mais vezes, mas em cestas mais pequenas”.
“O consumo fora de casa é a principal área de poupança”
Ana Paula Barbosa mostrou como, em cada crise, os portugueses tendem a cortar nas despesas fora de casa. “Há uma clara transferência de consumo do canal Horeca para o retalho alimentar. Em 2008, registou-se uma descida de 8% no consumo fora de casa e um aumento equivalente dentro de casa”, exemplificou.
A pandemia veio reforçar essa tendência, alargando o conceito de “vida em casa” a novas dimensões: trabalhar, estudar, exercitar-se ou socializar dentro de portas. “Tudo isto criou novas oportunidades para as marcas e para o retalho”, referiu.
A análise da NielsenIQ mostra que o comportamento do consumidor não depende apenas do contexto económico, mas também das estratégias das marcas e insígnias. “Quando todos fazem o mesmo – todos promovem, todos apostam em marca própria -, a diferenciação perde-se”, alertou Ana Paula Barbosa.
Para a responsável, o consumidor português quer ser surpreendido, mas também fazer uma compra inteligente. “Ele quer produtos novos, diferentes, mas que façam sentido para o seu dia a dia”.
Lições para o futuro: inovação com propósito
Entre as várias conclusões apresentadas, Ana Paula Barbosa destacou seis aprendizagens fundamentais: a importância da poupança no consumo fora de casa, o papel ativo das marcas na formação de hábitos, a diferença entre perda de rendimento e perda de poder de compra, a rápida recuperação de hábitos após as crises, a volatilidade das matérias-primas e, sobretudo, o valor da inovação.
“Inovar é essencial, mas não é inovar por inovar – é inovar com foco naquilo que o cliente quer”, sublinhou. Produtos convenientes, saudáveis, indulgentes ou que representem “luxo acessível” continuam a conquistar consumidores, mesmo em tempos de incerteza.
O nível de exigência dos consumidores, acrescentou Ana Paula Barbosa, está mais elevado do que nunca. A sustentabilidade, a personalização e a transparência serão fatores determinantes na relação com as marcas. “Os vencedores serão os que oferecerem uma experiência consistente em todos os pontos de contacto com o consumidor”, afirmou, lembrando que a tecnologia e a inteligência artificial só terão valor “se ajudarem realmente as pessoas”.
E concluiu com uma frase que, disse, resume todo o seu percurso de análise e observação: “a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo”.
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