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“Liderar com propósito significa alinhar discurso e prática”

Entrevista com Sarah Van Dyck, co-leader da Prática Global de Consumo na Egon Zehnder

Egon Zehnder entrevista

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Num sector de grande consumo em constante transformação, liderar já não é apenas uma questão de comando, mas de conexão, propósito e adaptabilidade. Em entrevista com a Grande Consumo, Sarah Van Dyck, co-leader da Prática Global de Consumo na Egon Zehnder, destaca as novas exigências da liderança, os cargos emergentes nas estruturas executivas e o impacto de uma cultura verdadeiramente centrada no cliente. A cultura organizacional, agora mais colaborativa e orientada por propósito, torna-se um diferencial competitivo num mercado cada vez mais exigente, onde liderar é menos sobre comandar e mais sobre inspirar, mobilizar e inovar.

 

Grande Consumo – Quais são as principais transformações que observa atualmente ao nível da liderança nas organizações, especialmente no sector do grande consumo?

Sarah Van Dyck – Estamos a assistir a uma transformação profunda da forma como a liderança se manifesta. Na área de Alimentos e Bebidas, por exemplo, a competição é cada vez mais feroz e exige líderes capazes de inovar com agilidade e de antecipar os comportamentos do consumidor. Já no Retalho, assistimos a um crescimento da procura por profissionais especializados em marcas próprias, uma tendência em alta em mercados como o Reino Unido, Alemanha e Espanha.

O que todas estas mudanças têm em comum é a necessidade de líderes com uma visão abrangente do negócio, uma capacidade de adaptação rápida e uma forte ligação ao consumidor, características que se tornaram diferenciais críticos para gerar valor e relevância.

 

GC – Que novos cargos de liderança é estão a surgir nos conselhos de administração e nas equipas executivas, e o que está a impulsionar estas mudanças?

SVD – Existem diversos cargos cada vez mais comuns, como Chief Growth Officer, Chief Costumer Officer, Chief Experience Officer, Chief Revenue Officer e Chief Impact Officier. Estas novas funções surgem como resposta à crescente complexidade dos negócios e à necessidade de articular estratégia, inovação e propósito, tudo com foco na experiência do cliente, nos dados e na cultura.

Também assistimos a uma transformação significativa dos conselhos. Estamos a deixar para trás o modelo predominantemente composto por antigos CFOs e executivos industriais e a evoluir para uma realidade onde os conselhos mais eficazes incluem vozes com expertise digital, sensibilidade para o design, experiência no retalho e fluência na análise de dados.

A inclusão de perspetivas mais diversas – de género, de background e de pensamento – deixou de ser apenas uma bandeira e tornou-se um motor da inovação. Além disso, com a necessidade de os conselhos atuarem em ambientes em rápida evolução, atribui-se um maior valor aos membros com funções executivas ativas.

 

GC – O papel do CXO – Chief Experience Officer – está a ganhar relevância. O que nos revela esta tendência sobre as novas prioridades dentro das organizações?

SVD – Tradicionalmente, o marketing de consumo assentava nos 4Ps: preço, produto, promoção e ponto de venda. No entanto, nos dias de hoje, assistimos a uma mudança clara do foco, com a estratégica centrada na experiência do cliente.

Um sector que ilustra bem esta evolução é o do gaming. A forma como a indústria de jogos utiliza elementos de gamificação para envolver e cocriar com os utilizadores está a inspirar as marcas das mais diversas categorias. São cada vez mais as marcas de Consumo que estão a explorar estratégias que envolvem o cliente na cocriação de produtos e serviços, transformando os consumidores em parceiros da inovação.

 

GC – Que impacto é que um forte enfoque no cliente tem na tomada de decisão e na cultura de uma organização?

SVD – Quando o cliente está no centro da estratégia, muda tudo numa organização. A tomada de decisão torna-se mais ágil e informada por dados e insights comportamentais, e a cultura evolui para se tornar mais colaborativa, experimental e orientada pelo propósito.

O trabalho que temos vindo a desenvolver na Egon Zehnder a nível global mostra-nos que as empresas que adotam esta abordagem criam ambientes onde a inovação deixa de ser uma exceção, passando a ser uma rotina. E quando cada colaborador compreende de que forma é que o seu trabalho gera valor para o cliente, o envolvimento e a performance andam de mãos dadas.

 

GC – Até que ponto uma cultura verdadeiramente centrada no consumidor pode impulsionar a inovação e os resultados do negócio?

SVD – O impacto é profundo. No Consumer Goods Forum 2024, moderei um painel com CEOs de grandes empresas e foram todos unânimes: atualmente, é mais relevante ouvir o consumidor do que seguir planos estratégicos rígidos. Esta mudança de postura transforma a cultura organizacional num ambiente mais empático, ágil e inovador. As empresas que adotam a escuta ativa conseguem responder aos sinais reais do mercado, criando soluções mais relevantes e aumentando a sua vantagem competitiva.

 

GC – O que significa, atualmente, “liderar com propósito” no sector do grande consumo?

SVD – Liderar com propósito significa alinhar discurso e prática. No sector do Consumo, onde a relação com o cliente é direta e constante, isso traduz-se em transparência, inclusão, sustentabilidade e coerência. Das conversas que tenho mantido com líderes de diferentes geografias, constato que esta coerência exige coragem. Coragem para questionar o status quo, ouvir diferentes vozes – incluindo as novas gerações – , e de transformar intenção em ação. As empresas que conseguem vivenciar o seu propósito no dia a dia criam culturas de confiança, colaboração e inovação natural.

 

GC – De que forma é que os líderes mais eficazes estão a alinhar propósito, cultura e resultados?

SVD – Começa pelo alinhamento entre os valores pessoais dos líderes e os da organização, criando um fio condutor claro entre propósito, cultura e performance. No sector do Consumo, em particular, isso passa, também, pela diversidade de perspetivas.

Num retreat de conselheiros do sector do Consumo organizado pela Egon Zenhder, ficou evidente que os conselhos e equipas de liderança só compreendem verdadeiramente o consumidor quando refletem diferentes experiências de vida e de formas de pensar. Esta pluralidade de perspetivas traz uma ampla vantagem ao sector. Quando o propósito é vivenciado, gera um envolvimento genuíno e impulsiona resultados sustentáveis.

 

GC – Como é que as expectativas de liderança variam entre os diferentes mercados globais no sector de consumo?

SVD – As expectativas de liderança neste sector são cada vez mais abrangentes e exigentes. Hoje, não é suficiente ter apenas experiência operacional ou uma visão estratégica. Espera-se que os líderes saibam combinar adaptabilidade, inteligência relacional e um propósito claro, e que sejam capazes de ligar tecnologia, dados e cultura organizacional num ecossistema em constante evolução.

No decorrer do nosso trabalho, assistimos, também, a uma valorização crescente de líderes que conseguem integrar múltiplas perspetivas, lidar com as incertezas com confiança e criar um envolvimento genuíno em torno da inovação e da experiência do cliente. Num mercado caracterizado por transformações rápidas, a liderança eficaz deixou de ser sobre como comandar e passou a ser sobre mobilizar pessoas, gerar confiança e inspirar impacto sustentável.

 

GC – Quais são as novas competências mais valorizadas na seleção de líderes para o sector do consumo e da grande distribuição?

SVD – O nosso trabalho com mais de 2 mil mandatos de CEOs diz-nos que, nos dias de hoje, os líderes mais eficazes dominam três capacidades essenciais: adaptabilidade, inteligência relacional e autoconhecimento. Estas dimensões não substituem competências clássicas como o pensamento estratégico e o foco em resultados, mas têm vindo a receber mais atenção do que nunca. São essas capacidades que permitem navegar em ambientes ambíguos, envolver as diferentes equipas e tomar decisões com coragem e empatia. No sector do Consumo, onde a mudança acontece a um ritmo acelerado, esta combinação de capacidades técnicas e humanas garante uma liderança sustentável.

 

GC – De que forma o avanço da inteligência artificial e da automação está a transformar a liderança no sector do consumo?

SVD – A tecnologia trouxe velocidade, mas liderar nos dias de hoje também exige momentos de reflexão e pausa. O que vemos no decorrer do nosso trabalho, é que os líderes mais eficazes são aqueles que equilibram decisões rápidas, baseadas em dados, com momentos de análise profunda e visão estratégica. A Inteligência Artificial e a automação mudam processos e modelos de negócio, mas também exigem uma liderança ética, empática e adaptativa. Transformar dados em valor humano é a nova vantagem competitiva no sector do Consumo.

 

GC – Num contexto de transformação digital e de crescente foco no consumidor, como podem as empresas atrair e reter talento de topo?

SVD – Os profissionais de alto nível estão à procura de propósito, crescimento e autenticidade. As empresas do sector do Consumo que se estão a destacar oferecem uma cultura inclusiva e colaborativa, oportunidades reais de desenvolvimento e mobilidade e uma liderança inspiradora, que faz a ligação entre o trabalho diário e um impacto maior. O envolvimento genuíno só acontece quando o propósito individual se alinha com o da organização. E isso tornou-se essencial para reter talentos estratégicos no setor.

 

GC – Como antecipa que evoluam as estruturas de liderança nos próximos cinco a dez anos?

SVD – As hierarquias mais tradicionais estão a dar lugar a estruturas de liderança mais horizontais, colaborativas e orientados por propósito. No sector do Consumo, onde o ritmo de mudança é intenso e a ligação com cliente é direta, assistiremos a uma integração cada vez maior entre áreas como a tecnologia, recursos humanos, inovação, finanças.

Os conselhos e as equipas executivas terão de funcionar como equipas coesas e não apenas como grupos de indivíduos que se reúnem esporadicamente. Esta transformação implica também a inclusão de diferentes vozes no centro da estratégia: apenas as lideranças plurais conseguem antecipar tendências, compreender comportamentos e gerar inovação real. O futuro da liderança será menos sobre comando e controlo e mais sobre influência, conexão e capacidade de adaptação.

 

GC – Por fim, que conselhos daria às organizações que pretendem desenvolver hoje os líderes do futuro?

SVD – O desenvolvimento dos líderes do futuro tem de começar já e tem de ser encarado como uma jornada contínua, não como um evento isolado. No sector do Consumo, isto significa investir num planeamento de sucessão estruturado, com um alinhamento constante entre o CEO e o conselho, para garantir que cada transição fortalece o legado e a cultura da empresa.

O foco deve ir além do desempenho atual: é essencial identificar talentos com o potencial de enfrentar os desafios de hoje e de liderar em cenários futuros, muitas vezes imprevisíveis. A avaliação contínua, a exposição a experiências críticas e a diversidade de perspetivas são elementos chave para formar líderes adaptáveis e prontos para o amanhã.

As organizações que alinharem de forma estratégica o propósito, as pessoas e a sucessão estarão mais preparadas, resilientes e competitivas a longo prazo.

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Por Bárbara Sousa

I am a journalist and news editor with eight years of experience in
interviewing, researching, writing articles and PR editing/publishing.

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