Ilustração da cabeça humana com cérebro em vez de brócolis
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“Vemos, hoje, uma alimentação órfã do Estado”

Do ponto de vista de suporte e estrutura, o sector agroalimentar está, hoje, “órfão” do Estado. Assim o considera João Miranda, chairman da Frulact, aludindo à necessidade de trazer a alimentação ao espaço que merece, tanto mais quando, no atual contexto, se tem perfilado como um dos motores de alavancagem da economia. Defendendo que o futuro se deverá construir em conjunto, João Miranda crê no potencial do agroalimentar português, que sabe combinar inovação e tradição para se diferenciar e ganhar cada vez mais mercados de exportação. De facto, inovar não é algo a que as empresas portuguesas sejam avessas, mas urge uma maior cooperação para que essa capacidade de inovação possa ir ainda mais além. São precisamente iniciativas como o Ecotrophelia, de que João Miranda é embaixador, que podem alavancar a inovação assente na colaboração. Os projetos a concurso, este ano, são reveladores da vanguarda do agroalimentar nacional, na resposta às tendências mais disruptivas, mas também às questões mais prementes da sociedade atual, como a da sustentabilidade. Sustentabilidade esta que, na sua opinião, irá balizar a futura produção de conhecimento.

 

Grande Consumo – Segundo a ministra Maria do Céu Albuquerque, o sector agroalimentar português representa, atualmente, 11% do emprego nacional, correspondendo a cerca de 7% das exportações de todo o país. Mas, apesar da sua importância, foi um dos mais afetados pela pandemia de Covid-19. Porquê, no seu entender?

João MirandaPenso que há duas situações que deveremos destrinçar. Desde logo, enaltecer que a agricultura e o sector agroalimentar conseguiram, de um modo geral, manter as suas operações e atividades a decorrer, fazendo chegar, durante estes últimos quatro meses de maior confinamento, alimentos seguros e saudáveis aos nossos lares. O que a senhora ministra disse, muito recentemente, no Parlamento, foi que a resposta do sector agrícola e do agroalimentar, perante a pandemia, foi fundamental e determinante, garantindo o abastecimento de alimentos aos portugueses. Por outro lado, e na perspetiva económica e da rentabilidade dos negócios, é preciso entender que a fileira agrícola e agroindustrial é muita extensa e fragmentada em subsectores. Pelo que, infelizmente, algumas empresas sentiram, de facto, dificuldades, em particular as que estão mais expostas ao Horeca, canal de distribuição muito importante e relevante para muitas categorias do alimentar e cujo encerramento forçado pela pandemia veio provocar uma quebra acentuada na procura. Também na agricultura, essencialmente os pequenos produtores, que dependem sobretudo dos canais de proximidade, como os mercados, tiveram igualmente quebras na procura, fruto do encerramento desses espaços.

 

GC – O que se deve fazer para ultrapassar essas mesmas dificuldades?

JMÉ neste quadro de incerteza, como o que estamos a viver, que vemos o agroalimentar sair, ainda mais, valorizado e a sua importância reforçada. Estou, por isso, convencido que o sector e as suas empresas têm conseguido transformar as dificuldades em oportunidades. Ao nível dos canais de distribuição, por exemplo, onde surgiram alguns constrangimentos, tem sido notável ver como alguns atores conseguiram responder aos novos padrões de procura, como, por exemplo, o aumento de refeições em casa, que provocou uma procura diferenciada, e compras online a um nível nunca visto, em especial em géneros alimentares. Em tempo recorde, conseguiram disponibilizar os canais online de venda, devidamente suportados por uma cadeia logística de suporte eficiente, precisamente, para responder a essa procura e chegar mais próximo das necessidades e da conveniência de milhões de consumidores, dando uma prova clara de força e maturidade, evidenciando resiliência e agilidade, bem como capacidade de adaptação.

 

GC – Como podem as empresas do sector agroalimentar reinventar-se nesta fase?

JMAcredito que o sector demonstrou já essa capacidade de se reinventar. Na última crise, o agroalimentar foi capaz de desbravar novos mercados e tornar-se na fileira que mais cresceu em termos de exportações. Neste atual contexto, está a evidenciar que é capaz de responder às novas necessidades de consumo e procura, mantendo-se operacional e garantindo, assim, que os produtos alimentares nunca faltem aos consumidores.

 

João Miranda, chairman da Frulact e embaixador do Ecotrophelia
João Miranda, chairman da Frulact e embaixador do Ecotrophelia

GC – O sector agroalimentar nacional é inovador, ou, pelo contrário, avesso à mudança?

JMO agroalimentar português, pela natureza das suas empresas, da nossa riqueza gastronómica e cultural, tem uma coisa fantástica que é inovar com respeito pela tradição, de forma harmoniosa, com o “savoir-faire” de muitas gerações. É com base neste binómio – capacidade de inovação e tradição -, a par da excecional qualidade e diferenciação das nossas empresas, marcas e produtos que, nas últimas décadas, o sector agroalimentar tem vindo a ganhar novos e exigentes mercados de exportação, competindo par a par com os líderes globais da alimentação.

 

GC – Quais as principais dificuldades nessa inovação e em fazê-la chegar ao consumidor?

JMA forma como as empresas se estruturam organizacionalmente, as competências que detêm ou adquirem e, fundamentalmente, como colaboram e interagem com a sua envolvente interna e externa contribuem, de forma decisiva, para o seu desempenho em termos de inovação. O processo de inovar, em si, desde logo, deve ser contínuo e a gestão de alguns projetos tem um ciclo longo. Significa isto que este processo exige investimento significativo em recursos financeiros, humanos e tempo, para que se possa desenvolver, testar e converter em resultados a inovação que se leva ao mercado e aos consumidores. Esta é, indubitavelmente, a maior dificuldade, porque exige que a inovação esteja no “core” da cultura e estratégia da empresa, com uma abrangência e sentido “top down”, estando disponível para sacrificar alguns dos seus resultados de curto prazo pela criação de valor e sustentabilidade no longo prazo.

 

GC – De quem é a responsabilidade de promover essa inovação: das empresas, das associações, da academia ou do Governo?

JMA inovação deve ter na sua base uma abordagem sistémica, cujo modelo e ecossistema de inovação só se desenvolvem quando agentes económicos e entidades do sistema científico e tecnológico atuam de forma colaborativa. Em paralelo, é igualmente importante que, ao nível do Estado, existam políticas públicas e sistemas de incentivos que estimulem essas práticas e projetos inovadores, que potenciem a competitividade e a criação de valor para a economia e o país.

 

GC – Que incentivos faltam à inovação?

JMSistemas de incentivos, numa ótica de suporte ao investimento, existem e creio que o agroalimentar tem explorado bem essas oportunidades. Aliás, de acordo com os dados mais recentemente reportados pela gestão do COMPETE 2020, o agroalimentar só é ultrapassado pela indústria automóvel em termos de distribuição de incentivos aprovados este ano. O que falta, muitas vezes, é precisamente uma maior cooperação de empresas com empresas. Temos, ainda, muito receio de abrir as nossas empresas a outras empresas, mesmo que não sejam concorrentes, ou em investigação e inovação pré-competitiva. Mas a aprendizagem, a capacidade de aceleração do processo de inovação, bem como a integração de tecnologias transversais, por via do “benchmarking” e partilha de práticas, têm um potencial inestimável. O novo conhecimento é o maior indutor de inovação. Cada vez mais, é pedido às empresas maior produtividade e competitividade e a inovação nos processos é fundamental. Entendo que o Estado deveria ter uma preocupação especial no estímulo à modernização do parque industrial, pois, com a evolução galopante das novas tecnologias, a obsolescência dos equipamentos surge muito mais rápido, havendo necessidade da sua substituição, atualização e modernização.

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GC – Qual o papel das startups como motores de inovação no sector agroalimentar?

JMApesar do termo startup nos levar, subconscientemente, para iniciativas empreendedoras e inovadoras, não quer dizer que o seu papel seja assim tão relevante em termos de inovação, nomeadamente para o agroalimentar. São ainda muitos os casos de insucesso das startups: estima-se que cerca de 90% falhe e acabe por desaparecer. Porque é que isto acontece? Por várias razões, das quais se destacam a falta de recursos fundamentais e tempo para que se possa materializar no mercado algo inovador. Por outro lado, uma boa ideia nem sempre representa um produto ou serviço relevante para as necessidades atuais do mercado. Não obstante, acredito, ainda assim, que desempenham um papel importante, sobretudo no processo de aprendizagem. As maiores empresas tecnológicas das últimas décadas resultaram de startups que falharam, aprenderam e insistiram até terem o sucesso que hoje lhes é reconhecido.

“A inovação deve ter na sua base uma abordagem sistémica, cujo modelo e ecossistema de inovação só se desenvolvem quando agentes económicos e entidades do sistema científico e tecnológico atuam de forma colaborativa. Em paralelo, é igualmente importante que, ao nível do Estado, existam políticas públicas e sistemas de incentivos que estimulem essas práticas e projetos inovadores”

 

GC – Qual o papel de iniciativas como o Ecotrophelia na dinamização dessa mesma inovação?

JMSão precisamente iniciativas como o Ecotrophelia que podem alavancar a inovação nas empresas, na medida em que esta iniciativa funciona como um laboratório de inovação, no meio académico, promovendo o talento dos nossos jovens e a produção do conhecimento em estreita ligação com o ecossistema empresarial, à escala europeia, potenciando o empreendedorismo e a competitividade no agroalimentar.

 

GC – Como define a qualidade dos projetos apresentados? O que mais o surpreendeu?

JMTodos os projetos a concurso são submetidos à avaliação de um júri composto por diversos profissionais de empresas relevantes do sector, que escrutinam e avaliam ao detalhe todos os produtos, tendo em conta critérios como a inovação, a sustentabilidade, a embalagem, as propriedades organoléticas ou o potencial de aceitação no mercado, o que, desde logo, dá confiança para a qualidade dos projetos que chegam a esta fase da iniciativa. Não é, pois, a mim que compete essa árdua tarefa de opinar ou decidir. No entanto, gostaria de referir que são finalistas da “shortlist” do projeto a FermentiVe, uma conserva de tomate verde e outros vegetais fermentados, o Healthy Pleasure, um snack saudável de húmus de polpa de vegetal e chips de casca desses vegetais, a OrangeBee, um preparado fermentado de aquafaba com uma camada de geleia de laranja, um pastel de bacalhau, sem batata, com couve-flor de nome Rice ‘n’ Nice e a Sólupis, granola de tremoço com mel e morangos liofilizados. São também finalistas quatro produtos completamente vegan: a Gelalga, sobremesa de gelado com base de bebida de amêndoas e nata vegetal com crips de alga marinha wakame, o Veganisco, produto pré-cozinhado congelado vegano, alternativo ao marisco tradicional, a Veggiedica, bebida vegetal de tremoço com aromas naturais de limão e canela, e o VeggieMix, pré-preparado de farinhas alternativas e de hortícolas. Como se poderá ver, estamos perante conceitos diversificados, arrojados e inovadores. Em setembro, saberemos qual o que mais se destacou, de acordo com os critérios definidos, e que irá representar Portugal na final da competição Ecotrophelia Europe, a realizar-se em outubro.

 

GC – Que principais tendências movem, hoje, o sector agroalimentar? Há capacidade para lhes dar resposta ou falta músculo financeiro e know-how?

JMEmergência climática e a biodiversidade deveriam ter marcado as ações das empresas em 2020, mas o contexto pandémico provocado pela Covid-19 veio ofuscar essa intenção. Também em termos de tendências, o período de confinamento veio baralhar o mercado. Por um lado, forçou os consumidores a alterar os seus comportamentos de compra e de consumo. O encerramento de muitos dos espaços, aos quais tradicionalmente recorriam para o processo de compra e/ou consumo, levou a que os consumidores tivessem de fazer mais refeições em casa. Levou também, porque em causa está uma crise de saúde pública, com impacto na saúde e na vida dos cidadãos, a que os consumidores reavaliassem os seus padrões de consumo e hábitos alimentares, colocando novos valores, e a saúde como prioritária, e outros critérios na decisão de compra. Por exemplo, a escassez de oferta de alguns produtos frescos potenciou experiências com outras categorias desses mesmos produtos transformados e/ou congelados, cujo consumo poderá beneficiar essas categorias doravante. Por outro lado, com o fecho de alguns pontos de venda, tornou mais conveniente as compras no online, que registaram um crescimento exponencial, muito particularmente no alimentar e que, seguramente, será um padrão de compra que irá ficar. Nesta fase, já de maior desconfinamento, a juntar à referida preocupação pela saúde e bem-estar, espera-se que os consumidores retomem a sua preocupação e a consciência de que é fundamental assegurar, cada vez mais, o respeito pelo planeta, apostando definitivamente num modelo sustentável, em particular na valorização do ambiente e da natureza, assim como o combate ao desperdício alimentar, a promoção do bem-estar animal, a transparência e a segurança alimentar. Estas são situações de escrutínio que as empresas e marcas estão, cada vez mais, sujeitas pelos novos consumidores e esta tendência não necessita, necessariamente, de músculo financeiro, mas, sim, de uma alteração de “mindset” e, sobretudo, trabalhar a forma como se comunica com os “targets” na relação de confiança e transparência. A “sustentabilidade será a nova inovação”, melhor dizendo, a sustentabilidade será cada vez mais a “umbrela” que guiará e condicionará a produção de novo conhecimento e inovação.

 

GC – O que procuram os consumidores portugueses? E as marcas?

JMOs consumidores procuram, cada vez mais, marcas que coloquem um propósito e uma missão corporativa que vá para além dos lucros e que, definitivamente, passem da conversa aos atos, dado que não irão admitir meras ações de comunicação e marketing conhecidas como “greenwashing”. Do lado das marcas, terão de procurar, precisamente, novas soluções, sob o ponto de vista da oferta de produtos e serviços, para ir de encontro a estas novas necessidades sociais, colocando o bem do planeta e da sociedade, juntamente com a transparência, no centro da sua estratégia. Só assim poderão granjear uma recuperação plena pós-Covid, com uma aposta séria, verdadeira e transparente na sustentabilidade.

 

“Os consumidores procuram, cada vez mais, marcas que coloquem um propósito e uma missão corporativa que vá para além dos lucros e que, definitivamente, passem da conversa aos atos, dado que não irão admitir meras ações de comunicação e marketing conhecidas como ‘greenwashing’”

 

GC – O vegetarianismo veio para ficar?

JMDietas como a vegetariana já se verificavam há milénios atrás. O que podemos, de facto, facilmente constatar tem sido o crescimento de oferta de produtos, nas mais diversas insígnias, que visam, precisamente, responder a um grupo de consumidores que, podendo não seguir à regra o vegetarianismo, procuram, cada vez mais, uma alimentação consciente, em particular alimentos mais saudáveis e amigos do planeta. Este grupo de consumidores, apelidados de flexitarianos, cujo estilo de vida e padrão de consumo é mais flexível, ao combinarem um conjunto vasto de produtos na sua alimentação diária, nos quais se incluem produtos vegetarianos, vieram dar uma maior escala a esse mercado, potenciando uma maior oferta. Neste contexto, acredito que produtos mais saudáveis, à base de plantas, com alegação vegetariana e, inclusive, vegan vieram para ganhar um importante espaço no mercado alimentar e, por conseguinte, para ficar.

 

GC – O biológico já é “mainstream”?

JMOs produtos biológicos têm também registado, essencialmente nas duas últimas décadas, um crescimento muito exponencial. Ainda assim, a sua base é ainda pequena e, atualmente, a sua representatividade é, na maioria dos mercados, abaixo dos 10%, pelo que não considero, ainda, uma categoria “mainstream”.

 

GC – Qual será a próxima grande tendência?

JMA par das alterações climáticas e da pressão sobre os recursos naturais, o crescimento demográfico mundial, que se estima atinja nove a 10 mil milhões de habitantes em 2050, será, seguramente, um dos maiores desafios da alimentação, nas próximas décadas, e que ditará uma profunda alteração do nosso atual sistema alimentar, nomeadamente, no que produzimos, como produzimos e o que iremos comer. Alguns movimentos já se começam a verificar e, como referi, passa por o sector encontrar soluções mais sustentáveis, mas que sejam, igualmente, abundantes, para, precisamente, responderem às crescentes necessidades alimentares da população. Estamos a falar, sobretudo, da tendência dos produtos alternativos, com base em plantas. Iremos, seguramente, também assistir a um movimento mais acelerado na introdução de novas proteínas, quer do reino vegetal, mas também animal (por exemplo, insetos) e, por último, confio que a indústria da carne celular (“cultured meat”), assim que ultrapassadas as barreiras regulatórias nos diferentes mercados e o avanço tecnológico permita o “scale-up” de laboratório para produção à escala industrial, com os ganhos de competitividade que são necessários, a par das outras categorias, posicionar-se-á como muito importante na dieta e na alimentação do futuro.

 

GC – Está na aposta na inovação a resposta à atual dependência excessiva de Portugal face às cadeias de abastecimento internacionais e que ficou tão patente nos primeiros tempos de pandemia?

JMPortugal continuará, pela natureza do seu país e economia, a depender de importações de bens de consumo e de bens intermédios necessários para as indústrias alimentares. Acredito, contudo, que a Europa vá criar algumas barreiras à entrada, iniciando-se um processo de reindustrialização, procurando fortalecer o tecido industrial europeu para as necessidades europeias, mas também para competir com os outros dois grandes blocos que, hoje, lideram o comércio internacional e que, por coincidência ou não, são também os líderes das maiores empresas tecnológicas. É, pois, este processo de “desglobalização” que pode funcionar como uma “moratória” para Portugal e para a Europa, o momento ideal para o incentivo à modernização da indústria agroalimentar, tornando-a mais produtiva e competitiva, através da sua robotização ou digitalização, mas também mais inovadora, com a implementação de novas tecnologias, como a inteligência artificial, a impressão 3D, as nanotecnologias, entre outras emergentes e que vão ser o motor da transformação económica nas próximas décadas, recuperando o atraso e preparando-se para um regresso em força ao mercado global.

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A Gelalga é um dos projetos finalistas da edição deste ano dainiciativa Ecotrophelia Portugal. Uma sobremesa de gelado combase de bebida de amêndoas e nata vegetal com crips de algamarinha wakame

GC – Por onde passará o futuro do agroalimentar português?

JMO desenvolvimento e crescimento sustentável do nosso agroalimentar, registado nestes últimos anos, conquistando mercados exigentes, em toda a parte do mundo, é uma prova inequívoca de um sector que, embora tradicional, se conseguiu manter resiliente, com capacidade de adaptação e modernização, demonstrando interna e externamente a excecional qualidade, capacidade de diferenciação e inovação das nossas empresas, marcas e produtos. Antevejo, por isso, um futuro igualmente brilhante, à imagem do que as empresas e marcas do agroalimentar têm conseguido granjear nestas últimas duas décadas, isto é, uma imagem de um sector com um portfólio de produtos ao nível do melhor que se faz globalmente e que, quando auditados e escrutinados pelos seus clientes, consegue fazer “corar” concorrentes de países ditos mais desenvolvidos, no que diz respeito à qualidade, segurança alimentar e inovação. Mas o futuro dever-se-á construir ainda mais em conjunto. Desde logo, procurando sinergias de empresas com empresas, colaborando e criando massa crítica para melhor enfrentarem as necessidades dos mercados. Procurando, também, na ciência e nas entidades do sistema científico e tecnológico a transferência do novo conhecimento, para que, continuamente, se permitam inovar e diferenciar, tornando-se, igualmente, mais competitivas. E, não menos fundamental, a alimentação e o sector precisam também de um sinal claro de suporte e aposta do Estado. Vemos, hoje, uma alimentação órfã do Estado, sob o ponto de vista de estrutura e de suporte, quando, em contextos como o que vivemos atualmente, e outros na história recente de crises, tem sido o alimentar um dos motores de alavancagem da economia, das exportações, na criação de emprego e geração de riqueza, pelo que é mais do que tempo de trazer a alimentação ao “espaço” que merece. Em todos os países desenvolvidos, sem exceção, e na maioria dos países em vias de desenvolvimento, há um Ministério da Alimentação ou, no limite, uma Secretaria de Estado da Alimentação. A alimentação necessita de ser um interlocutor reconhecido junto de ministérios como o da Saúde, do Ensino, da Economia, da Agricultura, das Pescas, no sentido de se desenvolverem políticas conjuntas de resposta às reais necessidades, que são transversais.

 

GC – A inovação é reconhecida pelos canais de distribuição mais massificados ou, pelo contrário, o seu foco nas suas próprias marcas é um entrave à inovação?

JMCreio que, em muitos dos casos, será até o contrário. O inquestionável avanço das marcas de distribuidor (MDD), que há muito ganharam a confiança e relevo no cabaz de compras dos consumidores, permitiu que, hoje, seja possível encontrar produtos de MDD tão ou mais inovadores, face a produtos de marcas de fabricante. Se pensarmos que estes produtos, hoje, concorrem entre si e que, em mercados evoluídos, têm, inclusive, uma quota de mercado muito próxima dos 50%, é fácil perceber que isso só é possível pelo contínuo estímulo no desenvolvimento das MDD e no aumento da oferta de produtos diferenciados e inovadores. As marcas próprias, hoje, desenvolvem elas mesmas um “challenge” constante com as marcas de fabricante, não se limitando a segui-las, promovendo, elas mesmas, dinâmicas de diferenciação através da inovação. Já lá vai o tempo em que a oferta das MDD assumia a forma de produto básico e ênfase exclusivo no preço. A razão é muito simples: entre algumas insígnias, o que as diferencia é, de facto, o seu sortido MDD, razão pela qual procuram desenvolver e aumentar o seu portfólio com produtos exclusivos, diferenciados e inovadores, atraindo, desta forma, os consumidores às suas lojas e ganhando, assim, quota no mercado da distribuição.

 

GC – Esta renovada vontade de consumir o que é nacional é para manter? De que modo o sector pode aproveitá-la?

JMSerá desejável, para que todos possam contribuir na recuperação das empresas, dos postos de trabalho e da economia nacional. O sector agroalimentar poderá ter aqui uma excelente oportunidade para promover o consumo de produtos de origem portuguesa, substituindo, dessa forma, algumas das importações e alavancando, assim, o crescimento económico local. Tal será possível se os diferentes agentes na fileira potenciarem parcerias locais. É necessário ligar estreitamente a agricultura local à agroindústria, criando um novo paradigma entre o sector primário, o industrial e a distribuição moderna, em que a valorização dos produtos e marcas nacionais deverá estar permanentemente na agenda, bem como a melhor distribuição do valor gerado por toda a cadeia.

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O Healthy Pleasure, um snack saudável de húmus de polpa de vegetal e chips de casca desses vegetais, é outro dos finalistas da edição 2020 do Ecotrophelia Portugal

 

Este artigo foi publicado na edição N.º 64 da Grande Consumo

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