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Um ano de Amazon-Whole Foods

A 16 de junho de 2017, a gigante do comércio eletrónico Amazon agitou o sector retalhista ao anunciar algo completamente inesperado: um acordo para comprar a Whole Foods Market. Em apenas 12 meses, o negócio provocou mudanças estratégicas nos principais operadores de retalho. As opiniões são unânimes: a empresa sediada em Seattle e liderada por Jeff Bezos vai marcar uma nova era no retalho de base alimentar e mudar este sector, como tem feito em todos os outros onde tem assentado bases. O segredo, esse, já não é assim tão secreto, porque é o mesmo método que, desde sempre, tem sido utilizado pela Amazon independentemente do sector de atividade. E que é, tão simplesmente, a entrega dos produtos na casa dos consumidores, mais rapidamente e mais barato do que a concorrência.

Nos 12 meses que se sucederam desde que o acordo de 13,7 mil milhões de dólares (11,88 mil milhões de euros) se tornou público, a quota de mercado da Amazon cresceu dramaticamente e o tráfego da Whole Foods aumentou cerca de 3% em cada um dos trimestres (análise do Grupo Thásos). Não surpreende ninguém que os concorrentes, como a Walmart, a Target e a Kroger, se tenham desde logo posicionado para responder a esta nova “ameaça”, esperando tirar proveito das suas maiores áreas de venda e incentivando os clientes a receberem as suas encomendas online nas lojas. “Acreditamos que a o e-commerce alimentar será significativo e que acelerará nos próximos anos, entre Amazon, Walmart, Kroger e Target“, defende Joseph Feldman, analista do Tesley Advisory Group, que acompanha de perto a Amazon. “A aquisição da Whole Foods é essencial para o esforço da Amazon, que assim ganha a capacidade de despachar as encomendas através das lojas, do ‘click and collect’ ou simplesmente dos armazéns”.

A participação da Amazon no total de vendas a retalho nos Estados Unidos da América, até ao final de 2017, era de 5,6%, de acordo com dados da Tesley. Com a Whole Foods sob o seu controlo, Joseph Feldman prevê que, até 2020, a gigante do e-commerce será responsável por 10% de todas as vendas a retalho no país.

A mudar a indústria
O alimentar é o próximo grande sector de retalho a ser “perturbado” pelo e-commerce. No mercado norte-americano, prevê-se que o online seja responsável por 20% das vendas de bens de grande consumo até 2025. O que representará 100 mil milhões de dólares (86,70 milhões de euros), de acordo com um estudo do Food Marketing Institute conduzido pela Nielsen. Atualmente, a quota varia de 2% a 4,3%.

A Amazon foi a empresa dominante no retalho alimentar online, no ano passado, com dois mil milhões de dólares (1,73 mil milhões de euros) em vendas de alimentos e bebidas, de acordo com um relatório da One Click Retail. 18% do mercado total, o dobro do operador seguinte, que é tão somente a maior retalhista do mundo em vendas, a Walmart.

A empresa arrecadou ainda cerca de 650 milhões de dólares (563,64 milhões de euros) em vendas de produtos alimentares no primeiro trimestre, num aumento de 48% em relação ao período homólogo de 2017. A One Click Retail atribui esse crescimento, em grande parte, à compra da Whole Foods, observando que o tráfego de clientes nas lojas aumentou 25% nos dois dias após a aquisição. “O maior impulsionador do crescimento, no final de 2017, que inevitavelmente terá uma grande influência nas vendas até 2018 e além, é a aquisição da Whole Foods pela Amazon“, sublinha o CEO da One Click Retail, Spencer Millerberg.

Como empresa de e-commerce pioneira, a Amazon tem uma longa vantagem sobre qualquer operador que tente construir uma rede de distribuição a partir do zero. Mas gigantes do retalho, como a Walmart e a Kroger, têm também uma vantagem sobre a Amazon: uma pegada maior.

A Kroger, com quase 2.800 lojas, é a maior rede de supermercados norte-americana, mas as suas ações foram prejudicadas pelas notícias da fusão Amazon-Whole Foods, no ano passado, descendo 9%n numa queda que eliminou 2,1 mil milhões de dólares (1,82 mil milhões de euros) em valor de mercado. A Walmart, por seu turno, apesar de ser a maior retalhista do mundo, com mais de 5.000 lojas no mercado norte-americano, considerando os vários formatos onde opera, também foi atingida. A empresa tem vindo a batalhar com a Amazon pelas carteiras dos consumidores, numa luta que tem pesado nas suas margens.

Para fazer face a esta reforçada Amazon, os vários operadores de retalho têm apostado na melhoria das suas estratégias digitais. A Kroger, por exemplo, aumentou a sua participação na britânica Ocado, uma especialista na área do e-commerce, e comprou a empresa de kits de refeições Home Chef, por cerca de 450 milhões de dólares (390 milhões de euros). Mais recentemente, anunciou que vai abrir uma loja na plataforma Tmall Global, da também gigante Alibaba, para vender as suas gamas de marca própria. A plataforma oferecerá inicialmente as gamas naturais e orgânicas da marca Simple Truth, mas, se for bem-sucedida, a Kroger provavelmente ampliará a oferta com outras marcas. A Alibaba e a Kroger estavam em negociações desde janeiro, despertando as especulações sobre uma potencial colaboração mais profunda.

Já a Target, que conta com 1.839 lojas nos Estados Unidos da América, comprou a Shipt, uma empresa que faz as entregas das encomendas de alimentos no próprio dia, por 550 milhões de dólares (476,84 milhões de euros), e lançou o serviço Drive Up, que permite que os utilizadores façam encomendas na sua aplicação e, no espaço de uma hora, terem-nas entregues diretamente nos seus veículos por um colaborador da loja. O CEO da Target, Brian Cornell, disse no ano passado que a empresa iria embarcar num esforço de sete mil milhões de dólares (6,07 mil milhões de euros) para se reposicionar para o futuro. A estratégia inclui a abertura de lojas menores nos centros urbanos e o lançamento de mais marcas próprias.

A Walmart, por sua vez, aprimorou a plataforma de e-commerce, investindo milhões de dólares na contratação de engenheiros e analistas de dados, na construção de centros de distribuição automatizados à medida para os pedidos da Web e na possibilidade de recolha das encomendas online em todas as suas lojas. Também já provou estar disposta a investir para ganhar uma vantagem. Na Índia, um mercado que a Amazon cobiça e onde tem vindo a investir, a Walmart desembolçou 16 mil milhões de dólares (13,87 mil milhões de euros) para obter uma participação maioritária na Flipkart, o maior operador de e-commerce daquele país.

Parceiros tecnológicos
As vendas a retalho de alimentos totalizaram 5,9 biliões de dólares (5,12 biliões de euros), no ano passado, de acordo com os dados da consultora Euromonitor. As vendas online de alimentos e bebidas representaram somente 1,5%, em 2017, mas estão a crescer rapidamente em alguns mercados-chave e, especialmente, naqueles países onde o retalho está a adotar rapidamente o comércio eletrónico. A fatia online do retalho alimentar na Grã-Bretanha é de 5,5% e de 4,5% em França, segundo o Planet Retail. As previsões são muito otimistas, já que o mercado online de alimentos na China deverá quase triplicar, até 2022, para ser responsável por 11% do gasto, indica a IGD.

Nesta evolução, está a tornar-se claro que nem os gigantes podem caminhar sozinhos e isso é válido em ambos os lados do Atlântico. Por isso, é que se assiste à criação de alianças que, até recentemente, pareciam improváveis, como a do francês Carrefour, que anunciou um acordo com a Google para impulsionar o seu negócio de compras online. Esta é uma das mais recentes de uma série de parcerias entre retalhistas alimentares tradicionais e empresas de tecnologia, para acompanhar o crescimento do e-commerce alimentar.

Já a também francesa Monoprix, propriedade do Grupo Casino, concordou em vender alimentos através da Amazon. Por sua vez, a Walmart tem forjado alianças com a Google, a Microsoft, a JD.com e outros “players” de tecnologia.

Embora os retalhistas possuam uma enorme quantidade de informações sobre os hábitos de compra, particularmente por meio dos seus planos de fidelização, diz o Planet Retail que não são tão bons a extrair o valor de todos esses dados quanto as grandes empresas de tecnologia, que os utilizam para fazer ofertas personalizadas aos clientes e melhorar os serviços oferecidos. É, precisamente, essa capacidade de se conectar com os clientes e aproveitar as possibilidades dos dados que caracterizarão as futuras capacidades do retalho.

Este artigo foi publicado na edição n.º 52 da Grande Consumo.

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