in

“Supersize Me”: os perigos da concentração na indústria alimentar

10 cadeias de supermercados são responsáveis pela comercialização de quase 50% dos alimentos vendidos na União Europeia. Apenas 50 indústrias garantem metade das vendas de alimentos no mundo, só quatro empresas produzem 60% dos alimentos para crianças e 80% do mercado de chá é controlado por três operadores. Uma monopolização alimentar para a qual a Friends of The Earth Europe alerta, por acarretar riscos em termos de sustentabilidade futura.

O “Agrifood Atlas” proporciona dados sobre a concentração da produção alimentar e as suas consequências em termos de emprego, condições laborais, produção no futuro ou a capacidade de escolha dos consumidores. O estudo foi feito em colaboração com a Fundação Rosa Luxemburgo e a Fundação Heinrich Boll e a sua apresentação coincide com a decisão da Comissão Europeia sobre a autorização da fusão entre a Monsanto e a Bayer. De facto, das 12 maiores fusões assinaladas nos últimos dois anos, cinco envolveram empresas do sector agroalimentar. Os negócios entre a Bayer e a Monsanto, a Kraft e a Heinz ou a Dow e a DuPont são apenas a ponta do icebergue.

Um outro estudo da responsabilidade do lobby agrícola italiano Coldiretti, apresentado no Fórum Internacional de Agricultura e Alimentação, após a aquisição da Whole Foods Market pela Amazon, a que o Google respondeu com uma aliança com a Walmart, líder mundial em distribuição de alimentos, vem confirmar esta situação. Um pequeno número de multinacionais controla a cadeia de abastecimento alimentar global, das sementes aos pesticidas, passando pela transformação industrial e distribuição comercial, prática que, de acordo com o Coldiretti, coloca a liberdade de escolha por parte do consumidor em risco, assim como os standards de segurança alimentar. A associação adverte que 1,4 mil milhões de agricultores estão “nas mãos de poucos grandes grupos multinacionais, que ditam as regras do mercado e, também, controlam a compra e marketing de produtos agrícolas e alimentares”.

 

Concentração

A montante, o estudo nota que, após as fusões da Dow com a Dupont, da Bayer com a Monsanto e da ChemChina com a Syngenta, três empresas podem passar a controlar mais de 70% dos produtos fitossanitários para a agricultura e mais de 60% das sementes a nível global. Uma situação sem precedentes que desencadeou as preocupações da própria Comissão Europeia, que decidiu abrir uma investigação aprofundada sobre a operação para verificar se a fusão entre a Bayer e a Monsanto limita a concorrência nos sectores de sementes e produtos de proteção das culturas.

A jusante, 90% do mercado de cereais é controlado por quatro grupos, designadamente ADM-Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Commodities. Já no processamento alimentar, 10 grandes empresas de alimentação e bebidas representam 37,5% da quota das 100 principais empresas. E no sector do retalho alimentar, outras 10 empresas são responsáveis por 29,3% das vendas globais, lideradas pela Walmart. Recentemente, a Amazon desembarcou neste mundo com a aquisição da Whole Foods e, considerando a sua capacidade para antecipar as necessidades dos consumidores e analisar a procura, espera-se que entre no top 10 da distribuição no espaço de uma década.

 

Percurso

O atual sistema agroalimentar remonta as suas origens ao final do século XIX, em Inglaterra, que era então a potência comercial dominante. As primeiras organizações com alcance global surgiram por uma série de diferentes motivos, tanto de índole tecnológica como institucional. O trabalho agrícola foi mecanizado, os agroquímicos foram inventados e começaram a ser comercializados, os comboios, barcos e portos revolucionaram o transporte e novas tecnologias melhoraram a preservação e armazenamento dos alimentos.

Com o aumento do protecionismo e o declínio do comércio na primeira metade do século XX, as grandes empresas norte-americanas e europeias tornaram-se transnacionais, ao investir noutros países, em vez de se limitarem a exportar os seus produtos. E assim emergiram os oligopólios, onde poucos operadores determinam o que acontece, em várias etapas da cadeia de valor.

O processo acelerou com o processo de reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial e foi reforçado pela emergência de novas categorias de produto, como o fast food, os snacks e as bebidas. O crescimento económico do pós-guerra e o crescimento dos rendimentos levaram a uma mudança das dietas, com as opções alimentares a expandirem. A mercearia familiar deu lugar ao supermercado.

 

Super potências

Muitos dos atuais líderes foram fundadores do sistema agroalimentar moderno, casos da Cargill (cereais), John Deere (maquinaria), Unilever (processamento alimentar), Nestlé (processamento alimentar), McDonald’s (fast food), Coca-Cola (bebidas). Mas estão a emergir novos atores. Como nota o estudo “Agrifood Atlas”, duas empresas brasileiras são agora líderes mundiais no sector da carne. “A BRF (anteriormente Brasil Foods) expandiu-se para a Argentina, o Médio Oriente e a Tailândia. A JBS absorveu a Swift, a Pilgrim’s Pride e parte da Smithfield Foods, três dos maiores produtores de carne norte-americanos”.

Uma única firma de “private equity”, a brasileira 3G Capital, controla alguma das maiores empresas alimentares e de bebidas do mundo. Fundada, em 2004, por Jorge Paulo Lemann, que fez riqueza em investimentos e aquisições que resultaram na formação da gigante cervejeira brasileira Ambev, a 3G é caracterizada pela sua agressiva estratégia de negócios. Em 2010, comprou o Burger King e assumiu a sua dívida por quatro mil milhões de dólares. Em 2013, uniu-se à Berkshire Hathaway de Warren Buffet e assimilou a Heinz. Dois anos depois, esta fundiu-se com o Kraft Foods Group, num negócio avaliado em 62 mil milhões de dólares e que criou o quinto maior grupo de alimentos e bebidas a nível mundial. No ano passado, através da Kraft Heinz, a 3G tentou comprar a Unilever, que rejeitou a oferta de 143 mil milhões de dólares.

 

Bebidas

Também no sector das bebidas, a 3G tem seguido uma estratégia semelhante. Através de sucessivas fusões, em 2004 e 2008, a Ambev, juntamente com a belga Interbrew e a norte-americana Anheuser-Busch, formou a AB Inbev, a maior cervejeira do mundo. Em 2015, esta absorveu a SABMiller. O resultado é uma empresa que detém 25% das vendas de cerveja a nível mundial e 45% dos lucros do sector. Juntas, a AB Inbev e a SABMiller controlam sete das 10 marcas de cerveja mais importantes a nível mundial, incluindo a Budweiser, a Corona, a Stella Artois, a Becks e a Jupiler.

Estas grandes fusões entre empresas agroalimentares resultam na intensificação da produção ao longo de toda a cadeia, pelo que, atualmente, 20% dos terrenos agrícolas do planeta estão degradados. A onda de fusões procura dominar e poupar custos no mercado global, o que, indica a Friends of The Earth Europe, se traduz na perda de milhares de postos de trabalho e na deterioração das condições laborais.

O relatório do Coldiretti conclui que, por cada euro gasto pelo consumidor em alimentação, menos de 15 cêntimos vão para os agricultores. O restante é dividido entre a indústria de transformação e a distribuição comercial. O preço de um produto multiplica-se quase sete vezes do campo à mesa, devido às “distorções e especulações ao longo da cadeia de abastecimento”, mesmo que a situação varie de produto para produto. “Estamos a viver”, sublinha o presidente do Coldiretti, Roberto Moncalvo, “um roubo de valor agregado onde, sem qualquer benefício para os consumidores, os produtos agrícolas são mal pagos, muitas vezes abaixo dos custos de produção”.

 

Alternativas

Apesar da elevada produção alimentar, a fome continua a persistir entre a população mais envelhecida. A colheita global dos cultivos equivale a uma média de 4.600 quilocalorias por pessoa e dia, mas mais de metade se perde na cadeia alimentar.

A globalização da produção alimentar através das multinacionais criou uma distância física e psicológica entre o campo e a mesa. A comida chega embalada ao supermercado com poucos vestígios das suas origens rurais. Mas são cada vez mais as pessoas que questionam este sistema alimentar dominante. “Um movimento crescente de pioneiros em todo o mundo está a tentar mudar a forma como produzem e consomem os alimentos. Estão a tentar tornar os sistemas alimentares mais socialmente justos, amigos do ambiente e independentes das grandes corporações”, nota a Friends of The Earth Europe.

 

Agroecologia

A ideia de agroecologia não é nova e têm existido manifestações neste sentido há décadas. A diferença é que, agora, os institutos de pesquisa, a sociedade civil, as Nações Unidas e alguns governos estão a começar a adotar o conceito. Um conceito que não deve ser confundido com agricultura ecológica ou sustentável, ou seja, produzir mais com menos recursos, porque é mais lato e configura todo um processo transformativo, político e social. A agroecologia promove os métodos de produção que são ligados aos ecossistemas locais e já está a ser utilizado na produção de arroz a nível mundial.

Os consumidores, por seu turno, estão também a tornar-se mais independentes das grandes nacionais, ao optarem por comprar cada vez mais diretamente aos produtores.

Este artigo foi publicado na edição n.º 50 da Grande Consumo.

DHL Express lança campanha digital global para impulsionar e-commerce

Huawei reconhecida pela segunda vez com Prémio Marketeer