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A conversa pública sobre temas europeus mudou de foco: 26% das menções digitais à agenda estratégica da União Europeia dizem agora respeito a segurança e defesa, um peso muito superior ao observado em anos anteriores e que reflete uma perceção de ameaça mais intensa em vários países. É o que conclui o relatório VDL 2.1: Unified voice, fragmented audience, weak reception, produzido pela consultora LLYC, que analisou milhares de dados de discursos, publicações e menções online ao longo do primeiro ano de mandato da atual Comissão Europeia.
Onde o tema pesa mais
O relatório mostra que nos Estados-Membros que fazem fronteira com a Rússia – como Letónia, Eslováquia, Chéquia ou Estónia – as conversas públicas sobre segurança e defesa atingem níveis dramáticos, entre 63% e 71% do total. Em contraste, noutros países esse tema cede espaço a outras preocupações estratégicas: França e Espanha concentram‑se mais em democracia e valores, com 46% e 44% das menções, respetivamente.
Ainda que segurança e defesa sejam hoje predominantes em várias regiões, a Comissão Europeia, sob liderança de Ursula von der Leyen, manteve outra prioridade no centro da sua comunicação institucional: a competitividade da região. Quase metade dos discursos dos Comissários em 2025 centrou‑se nesse tema, e mais de 40% da atividade da instituição na rede social X abordou competitividade e papel global da UE. Isso mostra uma voz relativamente unificada em Bruxelas, mas a receção entre o público europeu revela‑se fragmentada.
Voz única, audiência dispersa
Para preparar o relatório, a LLYC cruzou 851 discursos dos 27 Comissários, mais de 1 500 publicações oficiais da Comissão na plataforma X, 2,5 milhões de menções em meios digitais e mais de 18 milhões de menções nessa rede social em todos os Estados-Membros. Apesar do esforço, a análise conclui que a comunicação estratégica não está a atingir plenamente os objetivos de ligação com os cidadãos, num momento geopolítico marcado por urgência e tensões.
A fragmentação temática por país, aliada a diferentes perceções de risco e às agendas mediáticas locais, limita o impacto das mensagens sobre competitividade, mesmo quando estas são reforçadas internamente pela Comissão. Enquanto segurança lidera o debate em vários países, competitividade surge como segundo tema mais relevante na cobertura digital, com cerca de 21%.
Valores como ponte para o público
Face a esta dispersão, o relatório defende uma estratégia de comunicação que combine o foco em temas estruturais, como competitividade, com uma reafirmação dos valores fundadores da União Europeia – dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado de direito e direitos humanos. A argumentação é de que tal reforço pode melhorar a aceitação e a compreensão pela cidadania das prioridades estratégicas da Comissão.
Ángel Álvarez Alberdi, diretor sénior da LLYC em Bruxelas, resume o desafio: não basta comunicar mais ou melhor; é preciso comunicar com propósito, ampliando uma narrativa comum baseada em valores que legitimam o projeto europeu e a ação coletiva. Essa proposta surge como alternativa a mensagens que, embora coesas em Bruxelas, encontram audiências muito diferentes por toda a União.
Implicações políticas e mediáticas
O relatório VDL 2.1 oferece um retrato em tempo real do clima digital e mediático europeu, ilustrando como questões de segurança, perceções regionais de ameaça e prioridades institucionais se entrecruzam. Para decisores, comunicadores e analistas, os dados sugerem que qualquer estratégia de longo prazo – seja para reforço de soberania, inovação económica ou coesão social – tem de considerar essa heterogeneidade de temas e de sensibilidades.
Além disso, ao evidenciar que a competitividade ocupa um lugar central nos discursos oficiais enquanto segurança e defesa dominam o debate público em muitas áreas, o estudo coloca uma questão estratégica: como alinhar a narrativa institucional com aquilo que mais mobiliza e preocupa os cidadãos em diferentes contextos nacionais, sem abdicar de objetivos estruturais essenciais?
Um mapa de prioridades em mutação
Os resultados do relatório sublinham ainda que a agenda europeia não é estática. Face a ameaças externas, tensões geopolíticas e dinâmicas internas, o peso dado a segurança, defesa, democracia ou competitividade pode variar. Saber traduzir essas mudanças em mensagens que cruzem fronteiras e criem sentido comum é, para alguns especialistas, tão crucial quanto as medidas políticas em si.
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