Centromarca
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E depois do Covid-19?

Estamos a viver um momento inédito, não só em termos de economia global, mas também nas nossas vidas pessoais e naquilo que é o nosso posicionamento de mercado. Este ineditismo tem um outro condão. Termos estado tanto tempo confinados em casa faz com que estes dois meses pareçam quase uma eternidade. Tanto mudou e, em alguns casos, radicalmente, em termos dos comportamentos pessoais, estilos de vida e até de alguns valores, colocando em causa coisas que eram quase irrenunciáveis. Há duas verdades que não podemos contornar. Foi a saúde que nos colocou nesta situação, há de ser a saúde que nos vai tirar dela. Será a saúde a colocar o semáforo a verde e, até lá, teremos uma vida muito limitada. Mas também é verdade que quanto maior for este período, maiores serão as suas consequências”.

Foi desta forma que Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca, introduziu o que viria a ser o retrato aos últimos dois meses no grande consumo, e aos possíveis cenários futuros, traçados por Florencio Garcia, Retail & Petrol Director Iberia na Kantar, no âmbito do webinar “Ecossistema das marcas: e depois do Covid-19?”, organizado pela Centromarca em parceria com a Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

 

Crise de 2011 vs 2020: em que diferem?

Chamando a atenção para as diferenças entre a crise atual e as anteriores, Pedro Pimentel destacou que, no período da troika, Portugal estava a viver uma situação muito complicada, mas os seus mercados de destino, quer de produtos, quer de emissão em termos de turismo, estavam num estádio distinto. “Hoje, vamos enfrentar esta crise, não isolados, mas num mundo em crise, o que vai criar um problema de internacionalização dos nossos produtos”.

As boas notícias são, se é que se pode falar em boas notícias numa altura como esta, é que o grande consumo é uma indústria muito resistente e que sempre encontra oportunidades, mesmo em situações de crise. Foi assim que se passou nas crises anteriores, pelo que, como notou Florencio Garcia, esta será a chave dos próximos meses: “encontrar, precisamente, estas oportunidades”.

 

Padrões de consumo

A análise feita pelo responsável da Kantar à anterior crise vivida no mercado português mostra que se produziu um padrão, de forma continuada, no tempo. Começou pela procura do preço, em 2009, com o crescimento da marca própria nos básicos, a busca pelas promoções, mas sem mudar o perfil das compras. Passou-se a ficar mais em casa, em 2010, com uma maior racionalidade e planeamento nas compras e deflação na alimentação. Situação que deu espaço ao “smart downtrading”, em 2011, com o corte dos custos e uma ainda maior procura da marca própria e das promoções e um ainda maior consumo dentro do lar. Culminando no ajustamento ao novo normal, em 2012, e na definição do “out-of-pocket” como um dos principais temas para o consumidor, em 2013.

A situação prévia a este “estranho 2020”, como o definiu Florencio Garcia, era privilegiada para Portugal. Após vários anos com números de evolução em valor mais conservadores, houve um progresso constante nos gastos dos lares no grande consumo (+4,1% em 2019). As previsões para 2020 eram de manutenção da tendência de crescimento, embora sem o mesmo fulgor verificado anteriormente.

 

2020 como “game changer”

Mas 2020 mudou todos os parâmetros. “Começou de um modo mais ou menos normal (-0,7%), com um crescimento da preocupação, ao dispararem os casos na China. Quando se elevou o alerta, em Portugal, manteve-se mais ou menos a mesma estabilidade no grande consumo (-0,3%). Foi quando dispararam os casos na Europa e quando chegou a confirmação, em março, dos dois primeiros casos em Portugal, que se deu um grande incremento no grande consumo (19,8%)”, detalhou

Mas convém contextualizar este incremento. Em Itália, em Espanha e em França, nestas semanas, houve uma evolução em torno de 40% a 45%, de um modo muito desordenado, para agora o grande consumo já estar a cair mais abruptamente. “Em Portugal, o comportamento do consumidor foi mais natural”, sublinhou Florencio Garcia.

 

Corrida às lojas

Os portugueses acorreram cada vez mais às lojas até à declaração do estado de emergência. A partir daí, houve uma redução abrupta das visitas, mas, em contrapartida, elevou-se o gasto e o volume em cada ato de compra.

As prioridades também foram evoluindo. Neste aspeto, todos os países apresentam tendências similares. Num primeiro momento, os portugueses reforçaram a limpeza no lar (lixívias, lavagem de roupa e loiça, limpa-vidros) e, numa segunda etapa, privilegiaram todos os artigos de higiene (hidratantes, produtos para a barba, coloração, lenços de papel). Após estas primeiras semanas, e quando em Portugal se começa a perceber que poderia haver um confinamento, cresceu a alimentação mais básica (conservas, legumes secos, arroz, massas secas, vinagre, bacalhau seco, farinhas, sopas, carne congelada). Progressivamente, avançou-se para produtos mais ligados à indulgência, para que se pudesse desfrutar do tempo confinado em casa (óleo, sobremesas em pó, cervejas, margarina, açúcar, doces para barrar). O momento lúdico e de satisfação foi, assim, transferido para dentro do lar. “Este padrão verificou-se nos outros países, mas em Portugal as alterações foram menos abruptas, o que é uma boa notícia para o grande consumo”, destacou o responsável da Kantar. “De facto, o que se aprendeu das outras crises é que o padrão tende a alterar menos quanto menor for a crise económica”.

 

Proximidade

Quase todos os retalhistas desenvolveram ações nestas semanas e se posicionaram como um agente social e como elo fundamental para fazer chegar a alimentação aos lares portugueses. Deste modo, alertou a Kantar, a chave para os próximos meses vai ser rentabilizar estas ações e poder fidelizar o consumidor.

O que tem vindo a ocorrer, em todos os países, é um movimento onde são as cadeias mais pequenas, com menos quota de mercado, mas muitos pontos de venda, a beneficiar das limitações à circulação impostas pelo estado de emergência (em teoria, o consumidor tem de se ir à loja mais próxima). Com isto, o consumidor começou a repartir as suas compras, dando oportunidade a várias cadeias para crescer ou experimentar novos padrões de compra. O Intermarché, por exemplo, durante esta época, conseguiu rentabilizar o seu parque de lojas e distinguir-se como a cadeia que mais compradores ganhou durante o mês de março (mais 2,2 pontos percentuais em termos de penetração), com cestas cada vez maiores (mais 25,1% de volume por ato de compra) e mais gasto por visita (mais 33,2% por ato de compra).

 

Concentração das compras

Deste modo, um dos padrões que pode derivar desta crise, e que aliás já se observa na China, é a tendência para a concentração das compras. “É uma tendência que já existia, mas que está a acelerar, assim como o online e a ultra proximidade”, afirmou. A este respeito, veja-se o exemplo do Minipreço, uma cadeia que, nos últimos anos, vinha a ceder compradores e quota no mercado português, e que, de repente, registou um incremento notável em valor (14,9%) e em consumidores, pela maior afluência às suas lojas e pela dimensão acrescida das cestas. A fidelização destas cestas, para insígnias como o Intermaché, o Minipreço e a própria Mercadona, irá ditar uma eventual mudança nas quotas da distribuição no mercado português, nos próximos meses.

Uma das grandes questões, a nível mundial, é o que acontecerá aos hipermercados, que em muitos países estão a ceder quota para os formatos de proximidade. Com esta nova situação, um espaço tão grande como um hipermercado poderá adquirir um novo valor, nomeadamente, social.

 

Online sim, mas…

E nos termos desta nova equação há que considerar, ainda, o online, que cresceu, no mercado português, 19,2%. Uma evolução de dois dígitos, mas em linha com a do total do grande consumo. Neste aspeto, Portugal também difere do que aconteceu nos outros países. Em Espanha ou França, por exemplo, o online cresceu a um ritmo de 80%, 120% e 160% nas semanas mais críticas da pandemia. “Apesar do número de lojas per capita similar ao do mercado português, em Espanha, pelo facto de ter sido mais afetada pela crise sanitária, o consumidor privilegiou mais a compra online, sobretudo nas grandes cidades”, reforçou Florencio Garcia.

Como notou Pedro Pimentel, convém salientar que o online, em Portugal, partiu de uma base muito baixa. No início da crise, apenas 1% das compras eram feitas via Internet. “Por isso, se falarmos de crescimentos de 400%, estamos a falar de passar de 1% para 5%”.

A segunda questão relevante a este respeito é que dos 10 maiores operadores de retalho alimentar em Portugal, apenas três têm retalho digital ativo: Continente, Auchan e El Corte Inglés. “Como tal, nos próximos meses, pode-se aqui assistir a dois movimentos que tenderão a fazer crescer a quota do digital: de um lado, o comportamento do consumidor, que tendencialmente comprará mais online, do outro, a resposta das outras cadeias”, acrescentou. E, de facto, o online poderá converter-se numa grande oportunidade, no mercado português, para os consumidores que receiam ir às lojas físicas. Segundo a Kantar, 25% dos portugueses confirmam planear fazer mais compras online.

 

Novo normal

A análise ao padrão de consumo dos portugueses, nestes últimos dois meses, parece, assim, indicar que, com a progressiva reposição da (possível) normalidade, haverá um regresso aos antigos hábitos, sempre que seja possível, mesmo que com adaptações. “Estamos num momento crucial para as marcas gerarem ‘engagement’ com os consumidores. É um momento único. Nos últimos anos, a responsabilidade social era já um tema muito importante para o consumidor, que tinha um elevado nível de exigência quanto ao bem-estar animal, o ambiente e a sociedade. Mas, agora, é ainda mais importante. Ser, mais do que uma marca, um agente da sociedade será absolutamente fundamental para ganhar o coração dos consumidores. E é neste ganho que está a chave da retenção de clientes”, aconselhou Florencio Garcia.

A grande questão, e o que marcará a eventual dimensão da mudança no consumo em Portugal será a evolução económica. As previsões atuais ao nível da inflação, consumo privado, PIB e desemprego não convidam a muito otimismo. Recorde-se que, em 2012, o desemprego atingiu 16,2%. “Quando fica desempregado, o consumidor não muda imediatamente o seu padrão de consumo, porque ainda tem algum dinheiro e pensa que vai conseguir um trabalho em breve. É quando este desemprego passa a estrutural que se dá um forte impacto nos mercados de consumo. É este aspeto, juntamente com a evolução da crise sanitária e de um eventual recuo na situação normativa, que poderá ditar um cenário pior para o grande consumo”, concluiu o responsável da Kantar.

 

Cestas crescem e promoções voltam a ganhar força

Perante isto, é muito provável que, para manter a dimensão acrescida das cestas, as promoções, que perderam importância nestes últimos meses, comecem a ser progressivamente reforçadas. “Chegará a um ponto que o consumidor esteja abastecido, pelo que o mais importante será captar as suas necessidades para promover os produtos adequados”, alertou. Por exemplo, se o consumidor ainda não pode frequentar, como fazia anteriormente, os estabelecimentos de restauração, poderá ser interessante desenvolver promoções em categorias que possam transferir esse consumo para dentro de casa. Quando voltar a poder frequentar esses espaços, as promoções deverão, então, ser reorientadas para as categorias que, nesse momento, devam ser consumidas dentro do lar.

Uma coisa é certa, independentemente do sector do grande consumo, vai-se enfrentar uma crise económica importante, que vai ter reflexos muito fortes a nível de emprego, no rendimento disponível e motivar a multiplicação de fenómenos de pobreza”, vaticinou Pedro Pimentel. “Há um ano, discutíamos que, num mercado que não crescia, e que ia ter novos operadores, isso iria motivar a que cada um tivesse uma fatia mais pequena do bolo. O que vamos assistir, nos próximos tempos, é um bolo ainda mais pequeno e que vai dar origem a uma competição que será ainda mais acesa, que vai voltar muito ao investimento no preço e na prateleira, em que a redução de valor vai motivar novas tensões e que pode reacender alguma tentação de utilizar alguns atalhos que já estavam mais ou menos esquecidos”.

 

Novo normal: o que é?

Para o diretor geral da Centromarca, a pressa generalizada para, passados dois meses desde o início da crise, tentar definir aquilo que será o novo normal e desenhá-lo a partir do comportamento dos consumidores neste período, poderá ser apressado e prematuro. “O que estamos a viver é uma situação atípica e excecional e os comportamentos que temos são os de uma situação de exceção. São, realmente, comportamentos diferentes, mas que não têm assim tanta diferença”.

Mas esta crise vai trazer algumas consequências mais duradouras sobre a forma como agimos e nos comportamos. “Vamos ser todos mais cautelosos e asséticos no nosso comportamento diário, muito rigorosos com as questões de higiene. Vamos estar mais fechados, mais estáticos e confinados. Isso faz com que todos os nossos atos, quando sairmos de casa, sejam mais programáticos e racionais, não vamos andar a passear em centros comerciais a não ser para coisas muito concretas, porque implica riscos. Vamos ser mais digitais, porque o digital é o que nos permite comunicar com o mundo, mas isso faz-nos ter alguma necessidade do contacto humano e vamos precisar de, de alguma maneira, o compensar. Vamos ser menos sociais, mais isolados e mais angustiados, pelo menos nesta primeira fase. Ninguém vai viver melhor do que vivia antes, porque vamos viver com muitos requisitos e limites”, partilhou Pedro Pimentel.

 

Sobe e desce do grande consumo

O grande consumo vai ter os seus mais e os seus menos. Mais compras online, mais consumo em casa, mais take away e delivery, mais produtos de conveniência na confeção das refeições, para nos facilitar a vida, mais preocupação com higiene e limpeza. Em contrapartida, menos visitas às lojas, menos compras de impulso, menos consumo fora do lar, menos cuidado com os produtos indulgentes, porque esse cuidado exige tempo na loja que não queremos gastar, menos vendas de produtos relacionados com a vida no exterior (por exemplo, protetores solares, que, noutros anos, por esta altura, eram já muito procurados).

Tudo isto tem impacto nas marcas. “Se já o eram, nesta fase, as marcas vão ter de se mostrar ainda mais verdadeiras companheiras de viagem do consumidor”, defendeu. “As pessoas precisam de referências e, numa altura em que a desconfiança graça, as marcas são uma âncora e conferem segurança. As marcas vão ter que mostrar muita humildade e relevância, perceber os problemas dos consumidores e não exagerar no tom da mensagem, que possa ser entendida como excessiva num período de dificuldades”.

 

Papel das marcas

Apesar de tudo isto, as marcas têm de tentar fazer aquilo que sempre fizeram: “elevar a qualidade de vida do consumidor, sempre comunicando, de uma forma positiva, porque também lhes cabe mostrar que há um túnel e uma luz ao fundo desse túnel”. Na sua opinião, o sucesso das marcas depende sempre da capacidade de perceber as preocupações e os anseios dos consumidores, de inspirar e fazer aspirar a uma vida melhor, de mostrar porque existem e porque conseguiram ajudar. “Há uma equação que envolve, de um lado, preço, prateleira, promoção e, do outro, responsabilidade corporativa, inovação e comunicação. Uma marca que deixa de comunicar é uma marca que não fala e uma marca que não fala é uma marca que se branqueia. Mesmo nesta altura de orçamentos mais curtos e de decisões onde alocá-los, deixar de comunicar e de inovar é perder o que é a essência das marcas”, concluiu.

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