“Tentamos que as pessoas sintam que, por detrás da marca, estão outras pessoas”

Daniel Redondo, CEO da J. Carranca Redondo
Daniel Redondo, CEO da J. Carranca Redondo

É uma das marcas mais icónicas de Portugal, fazendo prevalecer os valores que fizeram de si uma “love brand” nacional de pleno direito. Por ser tão agregadora, os seus responsáveis sabem que colocaram o patamar muito alto e que a sua ação é acompanhada. Trata-se do Licor Beirão, a marca que quer estar “na parte B(oa) da vida” e que trabalha, a cada momento, para que o seu principal elemento diferenciador, a marca, seja, de forma contínua, mais forte. E que, no período mais crítico para o canal Horeca, foi uma força mobilizadora para angariar apoios, consciente de serem estes momentos que definem as empresas e as marcas. A atualidade do Licor Beirão pela voz de Daniel Redondo, CEO da J. Carranca Redondo.

 

Grande Consumo – 2020 apresenta-se como um ano ímpar nas nossas vidas. Como está a correr o ano para a J. Carranca Redondo?

Daniel Redondo – 2020 está a ser um ano difícil para a J. Carranca Redondo, especialmente porque o Licor Beirão é, tradicionalmente, uma bebida de convívio, de estar à mesa, das festas populares. Por isso, o Licor Beirão nota bastante a ausência destes jantares familiares, destes pontos de união. Talvez seja das marcas que mais sentem a questão da crise.

Já a Companhia Espirituosa, a nossa distribuidora, não está a ter um ano fácil, porque o mercado, como um todo, caiu, mas está a ter um comportamento, em termos de quota de mercado, muito interessante.

 

GC – Apesar do fecho generalizado da restauração, a marca Licor Beirão apresentou um movimento de apoio ao canal Horeca. É isto que define as marcas líderes? A sua capacidade de concretização?

DR – Criar uma marca é um conjunto de blocos que vamos juntando. Acreditamos muito que é nas marcas que está o valor. Estes momentos, como o que atualmente vivemos com a crise gerada pela Covid-19, são os que definem as empresas, pelo que tentámos contribuir para apoiar o canal Horeca. Penso que o fizemos de um modo significativo e aglutinador, mas também sentimos que o problema que este canal está a viver é de uma dimensão tal que somos minúsculos para o solucionar. É fundamental que este sector seja apoiado, é crítico na oferta turística em Portugal e na criação de valor económico e de emprego.

 

GC – Seria importante para a venda de bebidas espirituosas, em Portugal, a redução da taxa de IVA na restauração?

DR – É crucial para que o Horeca consiga ultrapassar a situação económica atual. Sem uma redução de impostos, podemos estar a condenar este sector a um período de transição muito complexo e com custos muito elevados para a economia do país, nomeadamente, relacionados com o desemprego gerado. Na perspetiva dos produtores de bebidas espirituosas, temos um imposto sobre o álcool 44% superior ao de Espanha. O consumidor tem de suportar um encargo extra com impostos que não faz qualquer sentido, tendo em conta o rendimento médio no nosso país.

 

GC – A marca Licor Beirão encontra no canal alimentar ou no canal Horeca o seu principal canal de comercialização?

DR – Tradicionalmente, nas espirituosas há um peso de quase 60% da restauração nas vendas. Quando isso acontece, significa que, por norma, o consumo é feito em convívio, fora do lar. Vemos o oposto nos países nórdicos e na Polónia, onde 90% das vendas é feito nos supermercados e o consumo é feito no lar, muitas das vezes, individualmente, o que potencia excessos.

Portugal tem um consumo salutar e muito ligado ao que costumamos definir como “a parte B da vida”, que é, precisamente, a parte boa. Não vivemos para trabalhar, mas, sim, para socializar, para estar em grupo e lidamos muito bem com o álcool nessa perspetiva.

 

 

GC – A loja online e a presença no canal alimentar conseguiram ajudar a mitigar, de algum modo, as perdas ocorridas com o fecho generalizado da restauração e da inexistência do turismo?

DR – Em parte, isso foi conseguido. Uma das primeiras medidas de apoio que promovemos foi a oferta de álcool-gel aos colaboradores do “off-trade”, porque, de facto, eles mantiveram o abastecimento. Felizmente, tudo se manteve em funcionamento. Mesmo não compensando as perdas do canal Horeca, temos sentido, por parte dos operadores de retalho, uma preocupação em manter o negócio a funcionar.

Na loja online, sentimos um crescimento. A nossa visão do negócio é de longo prazo. Quer isto dizer que, mesmo não sabendo como iria evoluir o online, já há mais de 10 anos que temos a loja em funcionamento, numa perspetiva de criação da marca e de manutenção da relação com o consumidor.

 

GC – Ainda assim, apesar de todas as circunstâncias difíceis, a marca não perdeu o bom-humor associado à sua comunicação e a campanha de Natal deste ano é a prova disso mesmo. É um dos principais atributos da marca, a sua forma de comunicar e, consequentemente, de envolver os consumidores?

DR – Como disse anteriormente, estamos na parte boa da vida e é nossa quase que obrigação ajudar as pessoas a ver essa parte boa. Fazer as pessoas sorrir e conviver é um pouco a missão da marca.

Mesmo com todas as contrariedades enfrentadas este ano, tentamos sempre olhar para o copo como estando meio cheio. É isso que tentamos promover. Mesmo sabendo que o convívio, tal como o conhecíamos, ainda não é possível, procuramos transmitir mensagens positivas sobre novas formas de convivermos uns com os outros. Certos de que é fundamental que os portugueses voltem a conviver. O finlandês até pode nem sentir muita falta desse convívio, mas o português sente.

 

GC – O Licor Beirão pode ser considerado uma “love brand”? É assim que olham para a marca?

DR – Esse é o nosso trabalho. O meu avô, José Carranca Redondo, conseguiu fazer isso muito bem, porque encarnou a marca e transmitiu-lhe toda a sua personalidade. Hoje, tentamos que isso se mantenha, que as pessoas sintam que, por detrás da marca, estão outras pessoas, que têm uma vontade de juntar as pessoas à mesa.

Felizmente, conseguiu-se que a marca atingisse esse estatuto de “love brand”. Um estatuto em que, quando a marca não está presente, o consumidor reclama. Isso quer dizer que os nossos consumidores são os nossos embaixadores, os nossos defensores.

 

“Felizmente, conseguiu-se que a marca atingisse esse estatuto de ‘love brand’. em que, quando a marca não está presente, o consumidor reclama. Isso quer dizer que os nossos consumidores são os nossos embaixadores, os nossos defensores”

 

GC – A declinação da marca, com o Beirão de Honra, é a prova de que até as fórmulas de sucesso podem ser reinventadas? Acrescentar um novo produto à gama foi uma decisão fácil ou difícil de tomar? Está prevista alguma nova adição à mesma?

DR – Essa é também uma característica desta marca, para além do seu lado humano e da humildade que coloca em tudo o que faz, independentemente da sua liderança de mercado. Somos líderes apenas com um único produto, pelo que colocamos muito cuidado e carinho na forma como o tratamos. O Beirão de Honra foi uma homenagem ao fundador e ao seu legado e só o lançámos porque estávamos absolutamente confiantes na qualidade e satisfeitos com o que iríamos entregar ao mercado.

Não prevemos novos produtos à volta do Beirão. Em alternativa, prevemos mais ativações, mais formas de juntar as pessoas e de tornar a marca ainda mais querida dos portugueses.

 

Daniel Redondo, CEO da J. Carranca Redondo
Daniel Redondo, CEO da J. Carranca Redondo

 

GC – A personalização da oferta disponível é algo que uma marca líder tem que ter contemplado na sua oferta? É um ativo de crescente importância para o consumidor final?

DR – Já o fazemos há mais de 10 anos e foi também algo em que investimos, tendo em vista o retorno a longo prazo.

Quando entrei na empresa, em 2000, o Licor Beirão já era líder nos licores. Em 2008, passou também a liderar nas espirituosas. E, em 2010, apenas quatro pessoas faziam a gestão de tudo: marketing, compras, exportação, eventos, vendas. Agora somos à volta de 70 nestas áreas. Passou-se de uma marca para uma empresa, mas os valores são os mesmos. Todos sabem de onde viemos, onde estamos, para onde queremos ir e como queremos lá chegar.

Tudo isto para dizer que não queremos ter muitos bons resultados, no próximo ano, queremos que a marca, daqui a 10 anos, seja muito mais forte do que é hoje.

 

GC – Falando de fórmulas, o Licor Beirão tem vindo a reduzir, de forma significativa no meu entender, a presença de açúcar na sua composição. Era a única forma de continuar a ser relevante num mundo que caminha para a “demonização” do açúcar, entre outros ingredientes?

DR – A receita original tinha uma quantidade de açúcar enorme. Já nos anos 80, houve uma redução. Hoje, o que observamos é que as pessoas, quando consomem bebidas alcoólicas, não estão a pensar nessas questões. Não é um consumo racional, é por puro impulso. Não obstante, e sobretudo os jovens, bebem menos quantidade de produtos, mas de maior qualidade. Há uma maior exigência com o que se consome.

 

GC – O “mixing” é o principal “driver” de crescimento deste mercado, presentemente?

DR – Até à pandemia, o principal “driver” era o valor: os consumidores consomem menos, mas são mais exigentes com a qualidade. Ao consumirem álcool em menos ocasiões, valorizam muito mais a qualidade dos produtos e toda a história existente em torno das marcas.

Existe uma tendência de “mixing”, mas, sobretudo, uma tendência de qualidade, com os barmen a assumirem um papel mais relevante, juntando o conhecimento dos produtos a uma grande formação sobre o sector. Aliados à criatividade típica dos portugueses, estamos, cada vez mais, a assistir a profissionais deste sector com relevância a nível internacional.

 

“Em todo este processo, a grande genialidade está na marca. O licor era, de facto, muito bom, mas o que fez toda a diferença foi a criação da marca”

 

GC – No ano que assinala o 80.º aniversário da J. Carranca Redondo, a Covid-19 impediu a celebração desta data redonda? Enquanto marca, o Licor Beirão está onde deveria estar ou a sua dimensão é muito mais do que o seu avô, José Carranca Redondo, teria sonhado? Acredita que, se ainda estivesse connosco, teria orgulho no que os seus descendentes construíram?

DR – Tínhamos algumas ideias para assinalar a data, mas a Covid-19 veio estragar um pouco os planos, embora estejamos muito mais preocupados com a data da marca, que nasceu em 1929.

O meu avô começou a trabalhar tinha apenas a quarta classe, numa fábrica de papel. Depois, passou por uma série de empresas, incluindo uma pequena fábrica de licores, que produzia o Licor Beirão. Ainda vendeu máquinas de escrever e foi nas vendas que se destacou. Era muito bom vendedor. Com isso, conseguiu angariar algumas poupanças.

Em 1940, em plena II Guerra Mundial, a fábrica de máquinas de escrever teve de converter a produção para máquinas de guerra. E o meu avô ficou desempregado. Na altura, já namorava a minha avó, chegou ao pé dela e disse que, se ela casasse com ele, pegavam nas poupanças e compravam a tal fábrica de licores que estava na falência. Casaram-se, compraram a fábrica e começaram a produzir o Licor Beirão. Era a minha avó a responsável pelo fabrico do licor e o meu avô assumiu a área comercial. Em todo este processo, a grande genialidade está na marca. O licor era, de facto, muito bom, mas o que fez toda a diferença foi a criação da marca.

Voltando à sua questão, o meu avô sempre teve um grande orgulho no que foi feito pelo meu pai, José Redondo. Ele foi o seu braço direito e é da sua autoria a assinatura “O Licor de Portugal”, nos anos 60, contrariando todas as expectativas porque, na altura, bom era o que era importado. Foi preciso esperar 30 anos para as marcas portuguesas começarem a ter orgulho em serem portuguesas.

Felizmente, temos tido muita sorte e sucessos nos últimos anos. Por isso, penso que o meu avô estaria orgulhoso – o meu pai sei que está – no que temos vindo a alcançar.

 

 

GC – Os consumidores portugueses continuam a ser marquistas no que ao consumo de bebidas espirituosas diz respeito?

DR – Sim, são marquistas e, cada vez mais, valorizam as marcas portuguesas. O Licor Beirão é claramente beneficiado com esta tendência.

 

GC – É uma responsabilidade acrescida ser o Licor de Portugal?

DR – É sim. Sentimos que somos olhados por muitas marcas. Por sermos uma marca tão agregadora, sentimos essa pressão de fazer sempre melhor. O patamar é muito elevado.

 

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