“Seja em Portugal, ou na exportação, as nossas marcas têm de atuar como marcas de distribuição”

Antoni Folguera Ventura Fotos Sara Matos

Fabricante líder em Espanha e Portugal em marcas de distribuição e co-packing de cervejas, refrigerantes e águas, a Font Salem já realizou quatro vagas de investimento na operação nacional, perfazendo um total de 100 milhões de euros desde 2010, altura em que comprou a fábrica da Drinkin por 15,5 milhões de euros. Investimento progressivo e que já começou a ter resultados muito visíveis, estando prevista a antecipação da meta inicial de 2020, para a ampliação da sala de produção e consequente reforço da capacidade produtiva, de modo a dar resposta aos diversos mercados para onde exporta. Antoni Folguera Ventura, Managing Director, traça o presente e o futuro da Font Salem Portugal.

 

Grande Consumo – A Font Salem apresenta-se ao mercado nacional como o fabricante líder em Espanha e Portugal em marcas de distribuição e co-packing de cervejas, refrigerantes e águas. Em 2016, dizia que o mercado interno não evoluía, então, como esperado. O cenário repete-se, em 2019, ou o contexto mudou?

Antoni Folguera Ventura – Desde 2016, o mercado interno evoluiu de uma forma claramente positiva. Na altura, o meu comentário foi mal interpretado. Não queria dizer que o nosso projeto não tinha sucesso. Estávamos a atingir os volumes previstos e, de facto, hoje em dia, temos níveis muito superiores ao plano inicial que delineámos. Mas, por comparação com o mercado espanhol, que em determinados parâmetros é muito semelhante ao português, considerávamos que o nível de marca de distribuição não era o esperado. Na altura, em Espanha, a marca de distribuição estava perto dos 40%, o que não acontecia em Portugal.

Hoje, de acordo com os nossos dados, a marca de distribuição em Portugal já representa mais de 31% e tem vindo a crescer. Estamos já em níveis perfeitamente confortáveis e em linha com as expectativas. Obviamente que a nossa presença no mercado para isso tem contribuído. Convém, no entanto, lembrar que o objetivo principal do investimento em Portugal não era o mercado interno, mas fornecer a parte oeste da Península Ibérica, nomeadamente os clientes de Espanha, e também a exportação, dois pilares de negócio que, desde o início, se mostraram muito relevantes.

 

GC – Então, a empresa está hoje onde deveria estar no plano de negócios…

AFV – Mais do que isso. Quando começámos a imaginar este projeto, nunca concebemos que seria uma fábrica de perto de quatro milhões de hectolitros de capacidade, com um nível de vendas atual de perto de três milhões. Já estamos a atingir os níveis dos próximos anos, na máxima capacidade. Perspetivamos, este ano, faturar perto de 150 milhões de euros. No início, nunca pensámos que, no espaço de 10 anos, atingiríamos este nível.

Foto Sara Matos

 

GC – Naquilo que é o negócio “core” da empresa, o facto da Font Salem se apresentar como a única empresa de bebidas em Portugal capaz de oferecer os serviços acima descritos traz-lhe vantagem competitiva? O facto de ter linhas de produção ambivalentes concorre para esse fim?

AFV – A nossa indústria tem uma característica muito especial, sejam as bebidas, de uma forma geral, sejam as marcas de distribuição, de um modo particular. A questão da dimensão é relevante. Para fabricar marcas de distribuição, não é o mesmo ter uma capacidade de um milhão de hectolitros ou de quatro milhões de hectolitros. As sinergias produtivas são muito importantes e o facto de se combinar a produção de cervejas e refrigerantes permitiu um salto qualitativo na nossa indústria. Portanto, é cada vez mais difícil aos nossos concorrentes atingir os nossos níveis. Foi uma aposta corajosa por parte dos nossos acionistas, tanto mais que os níveis de investimento já atingem os 100 milhões de euros, em Portugal.

 

GC – Como é que se gere a produção de MDD com as marcas próprias detidas e comercializadas, como a Cintra, por exemplo?

AFV – Consideramos as nossas marcas como marcas de distribuição. No mercado interno, a Cintra atua como tal.

Seja em Portugal, seja na exportação, as nossas marcas têm de atuar como marcas de distribuição naqueles distribuidores e mercados onde, por alguma razão, não é possível fazer marca de distribuição. Há distribuidores que têm uma dimensão muito pequena que não justifica, a nível industrial, terem uma marca própria de cerveja, pelo que partilham uma marca, como a Cintra, que se apresenta como exclusiva. A Cintra é partilhada por clientes da China, de África e de Portugal.

Há também razões de índole do mercado, para além das industriais. Em alguns mercados, principalmente os de exportação, as marcas têm de ter já alguma história e prestígio. A Cintra, de facto, não é uma marca líder de mercado, mas tem esse histórico que os mercados de exportação querem aproveitar e o consumidor local associa-a a qualidade.

 

GC – As MDD na cerveja são uma oportunidade de negócio num país onde o mercado interno é dominado por duas empresas? Há espaço para crescer num mercado, aparentemente, tão saturado?

AFV – Com um posicionamento igual ao da Sociedade Central de Cervejas ou ao do Super Bock Group, é impossível entrar neste mercado. A força destas duas cervejeiras é tal e a igualdade que têm dificulta a qualquer outra marca entrar no mesmo segmento de mercado, seguindo a mesma estratégia.

Mas há oportunidades de mercado, se a estratégia for distinta. Por exemplo, qualidade e preço muito ajustado, que é o caso da estratégia das marcas de distribuição que fazemos, ou através de um produto premium, que é o caso da cerveja Estrella Damm, outro dos ativos do nosso grupo, que também fabricamos em Santarém, mas em regime de co-packing. São duas estratégias para concorrer, uma mais focalizada no volume, que é o caso das marcas de distribuição, e outra focalizada em momentos de consumo específicos e na rentabilidade, que é o caso das cervejas premium e das artesanais.

É por isto que a estratégia de Sousa Sintra não funcionou. Queria lançar uma terceira marca de cerveja e concorrer nas mesmas condições com a Sagres e a Super Bock. Isso requer elevados esforços de investimento e muitos anos de presença no mercado.

 

GC – No fundo, estamos, então, a falar da coexistência dessas duas estratégias…

AFV – Temos uma diferenciação muito clara dentro do Grupo Damm. Faço parte da comissão executiva, mas representando os interesses da Font Salem, que é muito relevante para o negócio, mas que não gere marcas do grupo. Para nós, a Estrella Damm é mais um cliente de co-packing, embora não escondamos o nosso orgulho na mesma.

O sistema de produção de Estrella Damm é muito particular e obedece a elevados padrões de qualidade. Existe uma equipa própria, separada da Font Salem, que gere a comercialização da marca, em parceria com o distribuidor local, que é a Sumol+Compal.

Mas posso partilhar, tendo em conta o nosso histórico de produção, que a presença da Estrella Damm em Portugal está a ser bem-sucedida. Até porque já sai nas estatísticas da Nielsen, o que atesta a sua relevância.

Obviamente que gostaríamos que a Estrella Damm conseguisse em Portugal os mesmos números que tem em Espanha, mas é impossível, tendo em conta o seu posicionamento. Mas é inegável que o consumidor português acolheu muito bem a proposta de valor da Estrella Damm: uma cerveja especial, de perfil mediterrânico e de extraordinária qualidade.

GC – É assim que se explica o investimento anunciado, já no ano passado, de 40 milhões até 2020? O que é o mesmo vem permitir?

AFV – Este último valor anunciado representa já a quarta vaga de investimento que o acionista faz no projeto em Portugal. Tem sido uma média de 10 milhões de euros, ao ano, desde 2010. A compra da fábrica de Santarém representou um investimento de 15,5 milhões de euros e, a partir desse momento, começámos a investir em diferentes partes da unidade. Primeiro, com a ampliação da cervejaria, depois, com os refrigerantes, o que teve um impacto relevante, porque permitiu diversificar a produção, seguindo-se melhorias a nível logístico.

O investimento mais relevante é, de facto, o anunciado no ano passado, de 40 milhões de euros. E começa a ter aplicações concluídas. Vamos ter, em breve, uma nova linha de enchimento de vidro e as ampliações logísticas. A ampliação da sala de fabrico já foi feita, antecipando a meta inicial de 2020, de modo a dar resposta às necessidades dos nossos mercados.

Fotos Sara Matos

GC – Uma média de investimento de 10 milhões de euros por ano, desde 2010, ano em que adquiriram a unidade produtiva de Santarém, é proporcional à rentabilidade da empresa em Portugal. A meta dos 200 milhões de euros de faturação, em 2020, continua a ser viável?

AFV – Esse é um objetivo atingível. Como já mencionei, este ano, esperamos fechar perto dos 150 milhões de euros. Em cinco anos, houve um grande crescimento.

Não podemos prever o que vai acontecer atingida aquela meta. Esta fábrica tem espaço para crescer, mas depende dos mercados e da disponibilidade de recursos humanos qualificados. Em Espanha, esse aspeto já não é fácil e, em Portugal, tão pouco o será.

Se tiver que apostar agora, o crescimento da Font Salem não será feito em Portugal, nem em Espanha. Eventualmente, América do Sul e África oferecem ainda oportunidades.

Esta fábrica já atingiu um nível ótimo de capacidade. Qualquer ampliação viria a acrescentar complexidade, em vez de trazer sinergias produtivas. Teríamos que passar a duplicar a produção, onde já não existem oportunidades tão claras.

 

GC – Portugal continua a ser um mercado interessante para o investimento? É um mercado apelativo para estar quando se exporta, no vosso caso, mais de 65% da produção?

AFV – Queremos reforçar, ainda mais, a nossa presença em Portugal. Já trabalhamos com todos os distribuidores de Portugal. No ano passado, no mercado da cerveja, já atingimos 55% da produção de marcas próprias, mas ainda existe margem para crescer, assim como nos refrigerantes.

O mercado português também vai evoluir no que às marcas de distribuição concerne. A presença da Mercadona vai fazer com que o consumidor tenha uma outra conceção do prestígio das marcas próprias. E os outros distribuidores terão de reagir, pelo que esperamos que o sector das marcas de distribuição venha a registar um crescimento considerável em Portugal.

GC – Já está tudo inventado no segmento das bebidas? É possível introduzir ainda novas referências ou novos formatos na cadeia de valor? Faz sentido pensar em marcas próprias premium?

AFV – Faz todo o sentido. De facto, há distribuidores que trabalham muito bem esse aspeto. Basta olhar para os lineares e verificar que há marcas de distribuição que são standard, mas também que há propostas de valor acrescentado. Já começamos a ver, nas marcas de distribuição, cervejas de trigo e sidras. Já vemos propostas que custam quase tanto como as de uma marca de fabricante. Embora falemos de volumes mais reduzidos, permitem aos distribuidores ganhar um pouco mais de rentabilidade e a sua diferenciação face à concorrência. Esta é, claramente, a estratégia da Mercadona, que tem vindo a inovar e a apresentar novos formatos.

Para nós, é positivo, porque estamos prontos para dar resposta às solicitações dos nossos clientes. O grande desafio, porém, é que o mercado cresce em complexidade e, devido ao facto dessas propostas terem um volume muito mais reduzido que a cerveja “mainstream”, obriga-nos a uma atenção redobrada aos níveis de produtividade e sustentabilidade.

 

GC – O plano de investimento anunciado irá permitir, entre outras coisas, o aumento do portfólio. Ainda é gerível um portfólio com 400 referências disponíveis? Quando é que deixa que o ser?

AFV – Esse é, precisamente, o nosso grande desafio, hoje em dia. De facto, as próprias estruturas de quadros são também cada vez mais complexas. Quando comecei neste sector, éramos duas pessoas para duas fábricas. Hoje, somos perto de 30 pessoas para o planeamento geral. O espaço de armazém também tem de se multiplicar pelo número de referências. E, a nível de gestão, é um dos indicadores a que mais temos de dar atenção. Os nossos dados internos mostram que se cumpre a regra de Pareto. 30% das receitas são geradas por 10% das referências e o restante acrescenta uma enorme complexidade. Às vezes, deve-se mais a uma questão qualitativa e de serviço ao cliente do que de rentabilidade propriamente dita.

 

GC – As 0,0% são a tendência de futuro do universo cervejeiro? Ou vamos assistir à criação de novos produtos que cruzem a fronteira entre as “soft drinks” e as cervejas?

AFV – Temos assistido a um claro desenvolvimento do mercado cervejeiro. As cervejas artesanais também ajudaram a tudo isto, porque vieram dinamizar e trazer uma nova perspetiva para o sector. Isso despertou a reação dos cervejeiros. Hoje, qualquer um tem no seu portfólio várias opções de cervejas especiais, que procuram ocupar o espaço das artesanais.

As tendências de consumo apontam para produtos cada vez mais naturais e, afortunadamente, a cerveja entra dentro dessa categoria. Trata-se de cereais que evoluem de uma forma natural. É certo que o resultado final pode conter álcool, mas não é adicionado no processo.

Com a queda do sector dos refrigerantes, devido ao seu teor de açúcar, no nosso entender, a cerveja vai ter um outro potencial de crescimento. O consumo mundial está a aumentar.

Fotos Sara Matos

GC – As sidras são uma variação desse caminho? É expectável que o mercado das sidras evolua em Portugal?

AFV – As sidras são uma categoria também para conferir diferenciação. Em Portugal, a sidra evolui de modo distinto e tem um pouco mais de sucesso que em Espanha.

As sidras são, na minha opinião, uma categoria complementar e para dar resposta a um segmento de consumo muito determinado, que em Portugal é relevante, mas não é a solução definitiva para garantir crescimento.

 

GC – A diferenciação tem um custo?

AFV – A diferenciação tem um custo, que tem de ser muito equacionado. Se uma empresa aposta claramente pela diferenciação e inovação, e essas podem fazer atingir um valor em termos de retorno do investimento, então, a inovação tem um fito comercial. Mas, se só acrescentar complexidade nas fábricas, tem de ser olhada com muita atenção.

Não quero com isto dizer que não inovamos. Para continuarmos vivos neste negócio, temos de seguir os padrões de consumo. Mas, na nossa perspetiva, temos de estar muito atentos e olhar com muita atenção o desenvolvimento desses produtos.

 

GC – A redução coerciva dos açúcares nas bebidas refrigerantes veio trazer dificuldades acrescidas ao processo produtivo ou foi algo facilmente ultrapassável? Era necessário legislar ou a indústria naturalmente caminharia nesse sentido?

AFV – Na minha opinião, os impostos são uma correção artificial de algo. Quanto menor intervenção houver da parte dos governos, mais eficientes são os mercados. Regulam-se a eles mesmos, consoante a procura por parte do consumidor. Tentar regular o consumo de açúcar através de taxas é algo com que não concordo. Considero uma medida absolutamente artificial e contrária à indústria nacional, porque faz reduzir o consumo acima do que era a tendência do mercado. O consumo de refrigerantes já estava a decrescer, mas a tendência foi acelerada por este processo.

Há oportunidades, nomeadamente nas versões com menos açúcar e nas águas com sabores, um segmento onde somos muito relevantes, mas o mercado é dominado pelos iced teas e pelas colas, dos mais penalizados em termos de imposto.

Está-se a penalizar os refrigerantes, mas existem outros produtos que contêm açúcar, como as bolachas. É injusto que o sector das bebidas tenha que suportar esta tendência de demonização do açúcar.

 

GC – A fiscalidade em Portugal é prejudicial para os refrigerantes e as cervejas quando comparado, por exemplo, com o sector vinícola?

AFV – Claramente. Existe uma grande discriminação, não só em Portugal, mas também em Espanha e nos outros países mediterrânicos. É entendido por todos que o vinho é um produto que favorece a indústria nacional, natural, autóctone de Portugal. Mas a cerveja também o é. É uma indústria que acrescenta valor na sociedade.

Entendemos que, fiscalmente, é muito mais fácil controlar as cervejeiras, que são em menor número, do que os produtores de vinho. O mesmo se aplica aos refrigerantes. Há aqui também uma razão de receita fiscal imediata.

Aceitamos que exista uma diferenciação entre o vinho e a cerveja, por motivos históricos, mas pedimos que não seja acrescida no futuro. Em Espanha, apesar de existir também essa discriminação, o valor do imposto especial pago pela cerveja é metade do de Portugal. Comparativamente a Espanha, o consumo de cerveja no mercado português é muito menor do que seria expectável, tendo em conta a dimensão do mercado. Este deveria ser de oito a 10 milhões de hectolitros e não chega aos seis milhões.

Pelas conversas que temos tido com o Governo, consideramos que o nível de fiscalidade na cerveja já atingiu um teto máximo. Um novo aumento nos impostos reduziria drasticamente o consumo e, em última análise, a receita fiscal. Isso é observável nos lineares. Um pack de seis cervejas de marca custa mais de quatro euros, o que é já um valor relevante para o consumidor.

 

GC – O PET continuará a ser o formato de excelência das águas engarrafadas e das “soft drinks”?

AFV – Este é um desafio para o futuro. O sector está claramente preocupado com o tema da sustentabilidade e investe nesse sentido. Em Santarém, por exemplo, vamos investir na energia solar. Não esperamos uma rentabilidade inicial, mas justifica-se pelo nosso compromisso sustentável. Vamos também investir numa estação de recuperação de CO2.

No que aos materiais de packaging diz respeito, felizmente, o sector cervejeiro trabalha com materiais comprovadamente recicláveis, como o vidro e o alumínio. Nos refrigerantes e nas águas, trabalhamos com plástico, porque é o que o mercado procura. E as nossas previsões são que o PET continue, de facto, a ser o formato de excelência destas bebidas. Há uma parte deste consumo que, claramente, irá desviar para as latas ou vidro, nomeadamente nas garrafas mais pequenas, mas nos formatos grandes manter-se-á a procura pelo plástico.

Vamos ter que estar prontos para responder aos desafios colocados pelas diretivas europeias, como a que preconiza, em 2025, que 25% dos plásticos utilizados sejam reciclados. Hoje, já existe plástico reciclado, mas é muito mais caro, pela ausência de mais indústrias que façam o seu processamento.

Fotos Sara Matos

GC – Qual é a área de negócio com mais peso na faturação da Font Salem em Portugal?

AFV – Em termos de volume, metade é cerveja e a outra metade refrigerantes. Não podemos dizer que penda mais para um produto do que para o outro.

 

Este artigo foi publicado na edição n.º 58 da Grande Consumo.

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