“O espaço físico não vai desaparecer, mas é importante que seja um local de experiência”

Mariana Rosa, Head of Leasing Markets Advisory da JLL.

No segundo ano da pandemia, o retalho verificou uma retoma da atividade e o regresso dos consumidores aos espaços das lojas. Assim revela a JLL, no relatório anual “Market 360º”. O comércio de rua esteve em destaque, pela sua evolução positiva, impulsionado pela procura por parte de marcas internacionais, que, quer sejam “mass market” ou de luxo, querem estar nas zonas “prime”. Em 2021, a aposta no retalho alimentar, nomeadamente, nas lojas de bairro e proximidade, veio colmatar a redução no turismo que, de forma gradual, retorna a valores pré-pandémicos. Mas o futuro das lojas tem que ser disruptivo, com foco em tornar-se um “espaço ‘instragramável’ e que seja de experiências”, como defende Mariana Rosa, Head of Leasing Markets Advisory da JLL.

 

Grande Consumo – A JLL lançou, recentemente, o seu “Market 360”, no qual passa em análise o desempenho do sector imobiliário em Portugal, em 2021. Como foi esse desempenho, no que aos sectores do retalho e da logística diz respeito?

Mariana RosaOs sectores de retalho que tiveram melhor impacto, em 2021, sem dúvida, foram os supermercados, as lojas de grande superfície nos retail parks e lojas de decoração e de bricolage.

A restauração também está a mostrar, agora, um grande dinamismo, porque os consumidores querem espaços com zonas exteriores, para levarem as famílias e estarem ao ar livre. Ao nível do comércio de rua, há muita procura por parte de marcas internacionais, que, sejam marcas “mass market” ou de luxo, querem estar nas zonas “prime”. Verificamos essa necessidade e a prova disso é que, nos último 18 meses, houve várias lojas que abriram na Avenida da Liberdade, em Lisboa, como a Yves Saint Laurent, a American Vintage e a Roche Bobois. Abrimos, em plena pandemia, também em Lisboa, a loja da Salsa na Rua Augusta. Independentemente do turismo, sentimos que quem vive em Portugal tem poder de compra.

 

GC – O vosso estudo mostra que, no retalho, se verificou uma gradual retoma da atividade e o regresso dos consumidores aos espaços das lojas, sendo o comércio de rua um dos formatos que surpreendeu pela positiva, com uma forte aposta nas lojas de bairro e de proximidade. No seu entender, a que se deve esta evolução do comércio de rua?

MRA Baixa é onde as marcas querem estar. No terminal de cruzeiros, em Lisboa, já estão programados os cruzeiros para os próximos três anos. São seis mil turistas diários, que entram pelo Terreiro do Paço e passam pela Baixa e, realmente, esse consumo é fantástico.

O turismo está a voltar e sentimos que tudo o que são zonas “prime”, como a Baixa e o Chiado, em Lisboa, são muito procuradas pelas marcas de “mass market”, com a Avenida da Liberdade a ser uma zona muito mais para marcas premium e de luxo.

 

GC – Essa boa evolução do comércio de rua foi suficiente para colmatar a redução de fluxos turísticos?

MRAinda estamos a assistir ao ressemear da tendência. Se houvesse mais oferta de lojas nestas zonas, mais rapidamente eram ocupadas. Por exemplo, com a Salsa, foi a oportunidade de uma marca cujo contrato ia acabar e foi o próprio proprietário que quis aproveitar. Estávamos a acompanhar a Salsa, apresentámos a proposta e fechou-se muito rapidamente. Tudo o que é bom e “prime”, automaticamente, fica fechado.

 

GC – Durante largos anos, houve uma estagnação da oferta comercial, impedindo as ruas portuguesas de acompanhar as tendências de outras cidades europeias. Hoje em dia, já estamos ao nível dessas outras cidades?

MRSem dúvida que sim. Estamos muito próximos da nossa equipa internacional. Todas as marcas internacionais querem vir para Portugal para expandir. Hoje em dia, não é tanto a quantidade, mas a qualidade do espaço que as marcas conseguem encontrar que faz a diferença. O preço é secundário e, se o espaço for bom, os investidores estão dispostos a avançar.

Localização, “flagship”, um espaço “instragramável” e que seja de experiências, tudo isto é o mais atrativo para as marcas.

 

Mariana Rosa, Head of Leasing Markets Advisory da JLL. 2

 

GC – Os bairros renasceram?

MRO facto das pessoas estarem a trabalhar remotamente, neste modelo híbrido em que podem ir ao escritório, duas ou três vezes por semana, fez com que começassem a viver nos seus bairros e nas suas zonas residenciais.

Portanto, tudo o que são lojas de conveniência, padarias e pastelarias e supermercados estão a ter um grande impacto e expansão nestas zonas. Por exemplo, Campo de Ourique, em Lisboa, é, hoje, um bairro onde se encontra de tudo. É uma “minicidade” que consegue dar resposta a todas as necessidades.

 

GC – A pandemia trouxe alterações à forma como vivemos, consumimos e trabalhamos. De que modo essas alterações se refletiram no sector do retalho?

MRA pandemia acelerou algumas tendências que já estavam a acontecer. A JLL, de dois em dois anos, faz um relatório sobre as tendências e já estava a prever essas mudanças. As marcas têm que estar na crista da onda e têm que estar, constantemente, a inovar.

A sapataria Doc Martens, em 2022, quer abrir 10 novas lojas na Europa para potenciar as vendas online. Abriu a primeira loja em Itália e percebeu que, nos seis meses seguintes, as vendas online dispararam brutalmente. Já percebeu que o online e o físico vivem bem juntos, um potencia o outro. A loja física é muito importante, especialmente para a moda. O espaço físico não vai desaparecer, mas é importante que seja um local de experiência.

Há outro conceito disruptivo que estamos a trazer para Portugal e que abriu em Madrid. Chama-se WOW e é uma “department store”. Trata-se de uma área com cinco mil metros quadrados, em que cada piso tem vários “corners” com várias marcas online e as pessoas vão lá só para ter a experiência física e perceber o produto. Mas só podem comprar online, o espaço não tem stock.

No fundo, tudo o que seja inovação e experiência “instragramável” é o futuro, porque as marcas, para estarem na crista da onda, têm que ser completamente disruptivas e diferentes.

 

“Os centros comerciais que são secundários, ou com pior performance, são aqueles que vão ter que se reorganizar, adaptar e ajustar. Vão ter que regenerar alguma coisa para os seus ativos. Temos muitos casos, como a Beloura, em Sintra, que era um espaço que não estava a ser bem aproveitado e que foi transformado numa escola”

 

GC – O teletrabalho veio para ficar e, mesmo com a normalização dos hábitos, é uma realidade que se vai articular com o trabalho presencial, nomeadamente, através de um modelo híbrido. De que forma essa articulação impactará o sector do retalho, em termos da procura de espaço para novos ativos e do tráfego de clientes, por exemplo?

MRO teletrabalho veio para ficar. Mas, cada vez mais, as empresas percebem que as pessoas têm que vir ao escritório, seja para aumentar a produtividade, para haver conectividade ou, até, para a sua saúde e bem-estar. Tal como a Doc Martens quer criar lojas em zonas de influência, as áreas residenciais acabam por ser locais onde se sabe que se consegue ter tráfego, mesmo que, depois, os consumidores encomendem online. O foco atual das marcas é estar em espaços em que a localização seja privilegiada e de fácil acesso.

Não vai haver espaço para todos. Há os centros comerciais que, cada vez mais, com esta situação de pandemia, conseguiram aproveitar uma oportunidade para se reestruturarem e fazerem uma reorganização das marcas. O centro comercial Colombo conseguiu um reposicionamento total.

 

GC – Uma das grandes tendências aceleradas pela pandemia foi a adoção das compras online. Qual foi o impacto do e-commerce no sector do retalho e da logística?

MRO e-commerce sofreu um “boom”. Houvesse mais plataformas de logística disponíveis de imediato, mais rapidamente eram ocupadas. Há muita procura de grandes marcas e de grandes superfícies para a parte de armazém de logística.

Os diretores de centros comerciais dizem-me que o online disparou, mas é uma consequência das pessoas estarem fechadas em casa. Abrindo e oferecendo contingências, assim como a confiança na vacina, e com as restrições a serem eliminadas, as vendas vão continuar a aumentar nos locais físicos, seja comércio de rua, seja centros comerciais.

 

GC – A logística viu acelerada a sua implementação no mercado, pelas necessidades de entrega trazidas pela pandemia. Com a chegada do chamado novo normal, e o retorno a padrões de consumo mais próximos do pré-pandemia, essas necessidades manter-se-ão?

MRMantêm-se, sim. Era fundamental haver armazéns de 500 e mil metros quadrados próximos dos centros das cidades. No centro da cidade acaba por ser difícil.

O que se está à procura é de espaços obsoletos, garagens, pisos térreos de estacionamentos que, durante a noite, se podem transformar em espaços de distribuição rápida. Sem dúvida que temos que ser criativos, neste sentido, porque a distribuição é muito importante para chegar rapidamente às pessoas.

 

GC – O e-commerce veio trazer novos desafios, nomeadamente ao sector de retalho, que teve necessidade de se reinventar. Tínhamos inicialmente o comércio de rua, depois os centros comerciais mudaram os padrões de consumo, de seguida, a mudança na lei das rendas voltou a trazer o retalho para a rua e agora o e-commerce perfila-se também como efetiva alternativa de consumo. E o futuro do retalho, como será?

MROs centros comerciais que são secundários, ou com pior performance, são aqueles que vão ter que se reorganizar, adaptar e ajustar. Vão ter que regenerar alguma coisa para os seus ativos. Temos muitos casos, como a Beloura, em Sintra, que era um espaço que não estava a ser bem aproveitado e que foi transformado numa escola. 

Tudo aquilo que não tiver vida, como hoje em dia é preciso – não quantidade, mas qualidade -, será transformado. Nos Estados Unidos da América, transformaram um centro comercial numa universidade. Outro centro comercial foi transformado na sede da Fortnite.

Estas galerias no centro da cidade, que estão obsoletas e que vimos que não conseguem ter muito movimento, podem ser perfeitamente transformadas em espaços de cowork ou “last mile”, até mesmo em clínicas, que são atividades que cresceram imenso.

Mariana Rosa, Head of Leasing Markets Advisory da JLL. 3

 

GC – Apesar de todas as mudanças ao consumo trazidas pela pandemia, ainda estamos muito distantes, se é que algum dia lá chegaremos, do fim das compras físicas?

MRAs lojas físicas vão continuar e vão apostar em qualidade e não em quantidade. Até podem ter rendas mais elevadas, porque, com a falta de oferta e muita procura, os preços têm tendência a subir. Tudo o que for bom e de qualidade, em zonas “prime”, vai receber sempre muita atenção.

 

GC – Já falámos de comércio de rua e de e-commerce, mas ainda não abordámos o sector dos centros comerciais. De que modo a pandemia impactou este formato de eleição dos portugueses para as suas compras? Falamos, nomeadamente, de uma situação em que não houve pagamento de rendas… Como conseguiu o sector suportar todas as dificuldades?

MRO Governo decretou que os centros comerciais não podiam cobrar rendas aos retalhistas. Portugal é o país onde os retalhistas estão a sobreviver e a ultrapassar mais rapidamente a pandemia, porque não tiveram esses custos. Hoje em dia, quando as marcas internacionais olham para Portugal, veem essa recuperação rápida e que já está a ter resultados mais positivos.

 

GC – Todas as medidas restritivas que, durante muito tempo, foram aplicadas a estes espaços contribuíram para que se associasse o medo aos centros comerciais? Esses receios já foram superados ou ainda se mantêm?

MRAs pessoas já voltaram aos centros comerciais e já estão a retomar os níveis pré-pandemia, nomeadamente, de “footfall”. Mesmo com a vacinação, antes era complicado, pois havia limite de clientes dentro das lojas. Hoje em dia, ultrapassando isto, as pessoas já estão a ir aos centros comerciais e o que sentimos é que as que vão compram. Não vão fazer passeio, é uma ida muito mais produtiva, nesse sentido.

 

GC – É seguro dizer que resta pouco espaço de desenvolvimento para novos projetos de centros comerciais, tendo em conta o crescimento e a concentração da população nos grandes centros urbanos? Mas olhando para a oferta existente, qual será o seu lugar no futuro do comércio no nosso país?

MRSomos sempre muito criativos. Hoje em dia, há muita procura de grandes superfícies e de retail parks. O retail park é um sítio onde se pode ir às compras, é ao ar livre e o estacionamento é gratuito. Temos visto imensa procura por lojas de bricolage, de decoração e de desporto e estamos, neste momento, com muitos processos.

Estamos a fechar com dois supermercados também, um na Graça e outro no Seixal. Temos um “standalone” grande no Algarve. Várias procuras indiciam que esta área não acabou e vai crescer, cada vez mais.

 

“Na parte da logística, prevemos muita procura por plataformas para dar continuidade e resposta a todas as procuras de distribuição. O principal do online e da ‘supply chain’ é dar resposta rápida aos clientes. É na tentativa de dar resposta em 20 minutos que aparecem as ‘dark stores’ nos bairros residenciais”

 

GC – Em Portugal, houve dois fatores determinantes para o sucesso dos centros comerciais, se não estou em erro: a lei do arrendamento, que provocou uma estagnação da oferta comercial, e o conforto que este formato oferece. Mas numa época em que o online ganha terreno diariamente e em que, mais do que apenas comprar, o consumidor procura usufruir de uma experiência de compra, qual será a resposta que terá de ser dada pelos centros comerciais?

MRO espaço tem que ser, cada vez, dedicado a “flagship stores”, valorizando a localização. As marcas no seu interior e o próprio centro comercial têm que transformar o espaço para que seja experimental, de modo aos clientes terem vontade de lá ir.

 

GC – Em 2022, quais serão, segundo a JLL, as áreas do retalho com tendência de crescimento e as que enfrentam mais dificuldades de recuperação?

MRAs áreas que vão ter mais impacto de crescimento serão, sem dúvida, as novas tendências: as clínicas de estética e de tratamento, as lojas de conveniência e os supermercados. Surgiu uma preocupação com a saúde e o bem-estar, também em resultado de estarmos confinados mais tempo. As lojas de conveniência e o renascimento dos bairros vieram para ficar e as pessoas, cada vez mais, estão a dar mais importância à comunidade. Os supermercados são um sector que está em forte crescimento, assim como as lojas de bricolage e de desporto, porque foram das que não fecharam com o confinamento.

 

GC – Quais serão as grandes tendências que iremos observar este ano, quer no retalho, quer na logística?

MRAs grandes tendências serão os retail parks, “standalones” e grande procura de supermercados e grandes superfícies, porque, nas áreas maiores, há menos restrições e as pessoas sentem-se mais confiantes com o espaço aberto.

Na parte da logística, prevemos muita procura por plataformas para dar continuidade e resposta a todas as procuras de distribuição. O principal do online e da “supply chain” é dar resposta rápida aos clientes. É na tentativa de dar resposta em 20 minutos que aparecem as “dark stores” nos bairros residenciais. As próprias empresas, como Glovo e Uber Eats, estão a transformar esses espaços e a ter lá dentro os produtos mais pedidos para dar uma resposta mais rápida.

 

GC – O que tem o país para oferecer aos investidores, nomeadamente aos internacionais?

MRPortugal tem grandes superfícies que dão bom retorno. Os supermercados são, sem dúvida, um bom ativo para os investidores internacionais. Como verificámos com a pandemia, os supermercados vendem bens de primeira necessidade e nunca vão acabar. O mesmo se passa com as clínicas e os hospitais. Tudo o que tenha a ver com alimentação e saúde, com o nosso bem-estar, não apresenta risco.

 

Este artigo foi publicado na edição N.º 73 da Grande Consumo.

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