“O combustível do futuro tem de ser uma parte de cada um dos combustíveis que conhecemos hoje”

Armando Oliveira, administrador delegado da Repsol Portugal
Armando Oliveira, administrador delegado da Repsol Portugal

“A solução do futuro passará por ter um bocadinho de tudo”, refere Armando Oliveira, administrador delegado da Repsol Portugal. Com um parque de cerca de quatro mil postos de abastecimento, dos quais 500 em Portugal, a empresa de multi-energia afirma caminhar para um futuro com uma pegada ecológica mais diminuta, mas sem descurar o negócio que lhe deu origem. Para o responsável, haverá, sem dúvida, espaço para uma transição generosa para a Repsol, porque o futuro será sempre um pouco de cada tipo de energia, onde o veículo elétrico é “absolutamente bem-vindo”.

 

Grande Consumo – A Repsol presta um serviço essencial à economia e à sociedade com a comercialização de combustíveis e outros serviços. Como estão a gerir esta situação de pandemia, em termos de negócio e de pessoas? Como é que o ano de 2020 se está a apresentar para a marca?

Armando OliveiraA Repsol presta um serviço essencial à economia. Esse é o ponto de partida. Se tivermos em conta que somos, efetivamente, uma empresa que faz serviços essenciais, para prestarmos esses serviços, temos de estar em boa forma. Portanto, o mais importante, na gestão de todos estes assuntos, foi, precisamente, as pessoas. Primeiro, para estas estarem prontas para cuidar dos nossos clientes. Se esse elemento funcionar bem, temos os melhores resultados.

Temos cerca de 240 pessoas em escritórios e 580 colaboradores que estão à frente das estações de serviço, de operação própria, que atendem e cuidam dos clientes. No dia 11 de março, fechámos os escritórios e mandámos toda a gente para casa, ainda nem havia recomendação das autoridades de saúde. Antecipámos essa medida. E dedico uma palavra de homenagem a um esforço extraordinário, desenvolvido desde março até agora, dos nossos colaboradores. Na linha da frente, sempre estiveram as nossas pessoas, com máscara e com todos os cuidados, mas a dar a sua cara ao cliente, por necessidades de bens essenciais.

 

GC – Que balanço pode fazer do tempo que leva na liderança da Repsol Portugal? A companhia é, hoje, uma empresa distinta face ao ano da sua entrada?

AOEntrei em 1992, como vendedor de lubrificantes. Hoje, sou administrador delegado da empresa. Não entrei, propriamente, pelo 15.º andar, entrei pela garagem e conheço o porquê da empresa. Nessa altura, lembro-me se o telefone tocasse, devia atender, porque poderia ser um cliente. 

Hoje, já não consigo atender todos os telefones. Mas sei que as pessoas reconhecem que temos esta cultura, onde é necessário atender o telefone, porque pode ser um cliente. Desde então, mudou a dimensão, mas a cultura da empresa ficou. Primeiro que tudo está o cliente. Continuo a considerar que isso ainda está presente e lutamos para que essa tal proximidade, essa importância maior de cuidar bem do cliente, que foi a origem, continue a ser, ainda hoje, a prioridade.

Mas agora, num momento e contexto marcados pela Covid-19, só cuidando bem de nós próprios, e da nossa equipa, é que estaremos preparados para cuidar bem do cliente. Portanto, o que esta fase nos ensinou foi, precisamente, que temos de priorizar os nossos “cuidadores de clientes’, que são os nossos colaboradores.

 

“Um dos vetores do sucesso deste tipo de negócio é cobrir os quatro pilares: ter o melhor serviço, ter os melhores produtos, ter a melhor rede e, por último, ser a melhor marca. A rede é importante, no sentido em que é onde posso oferecer o serviço, os produtos e a marca”

 

GC – A Repsol disponibiliza hoje, na Península Ibérica, um parque de cerca de quatro mil postos de abastecimento, dos quais 500 em Portugal. É um número que o deixa satisfeito ou pretende-se reforçar a cobertura geográfica oferecida pela marca?

AOUm dos vetores do sucesso deste tipo de negócio é cobrir os quatro pilares: ter o melhor serviço, ter os melhores produtos, ter a melhor rede e, por último, ser a melhor marca. A rede é importante, no sentido em que é onde posso oferecer o serviço, os produtos e a marca.

O objetivo, não a nível ibérico, mas nacional, são os 500 pontos de venda. Para alcançar essa cobertura, quando se olha para Portugal Continental, zonas urbanas e zonas interiores e ilhas – Madeira e Açores – é necessário ter uma certa dimensão e aí é que queremos chegar. Onde houver um concurso público, e uma autarquia que queira ter um posto, nós estamos. Essa foi a aposta também em termos de cobertura geográfica.

 

GC – A rede será reforçada com mais postos de abastecimento de veículos elétricos?

AOA solução do futuro passará por ter um bocadinho de tudo. Já houve transformações na história, como quando foram proibidas as carroças puxadas por cavalos, o que deu uma oportunidade ao automóvel. Foi um “mayor” de Nova Iorque que disse que queria deixar de ter o mau cheiro na rua. 

O que estamos a acompanhar é parecido. Vemos que as emissões de CO2 de que abusamos todos, desde os produtores aos consumidores, são prejudiciais. Agora, é chegada a altura de termos cuidado com o planeta e vamos corrigir, como se tem feito. 

Há lugar para uma transição generosa, porque o futuro será sempre um pouco de cada combustível. Temos, hoje, numa estação, três formas de combustível: combustível normal (a gasolina e o gasóleo), mas, também, o autogás, que é muito menos emissor, e já temos o ponto de recarga elétrica.

Esta transição é o que vai acontecer daqui para o futuro. Cada um vai marcar a sua posição e vai ser uma transição tranquila, porque só assim é possível. Não é possível parar tudo e, amanhã, ser tudo elétrico. Nem em termos de estruturas para carregar os carros, nem para tratar das baterias. 

Mas o veículo elétrico é absolutamente bem-vindo. Por isso, é que estamos agora a caminho de ter uma cobertura aceitável. Queremos, no ano de 2021, ter mais de 50 pontos de recarga elétrica nas estações de serviço.

Posto de abastecimento de combustível Repsol Torres Novas

 

GC – A Repsol apresentou, recentemente, o seu Plano Estratégico 2021-2025, no qual investirá 18.300 milhões de euros. Quais as principais linhas desta nova estratégia?

AO – O Plano Estratégico 2021-2025 contempla linhas de orientação globais para uma empresa internacional, com 24 mil colaboradores em mais de 30 países. 

O primeiro ponto foi a retribuição ao acionista, que reforçámos. Queremos manter a Repsol como uma das maiores empresas do sector com maior retribuição. Em segundo, um plano de alteração. Como é que uma empresa que vem do petróleo pode estar a pensar em descarbonização? Esse plano de transformação é autossustentável. O que estamos a procurar fazer é pago pelo próprio processo. Depois, em terceiro, pensar em relação ao que agora atravessamos, que há um ano seria novidade para qualquer um de nós. 

Este plano é feito com o regresso a consumos não normais, porque a nova normalidade será diferente do que vivemos até hoje, até em termos de valores humanos. Prevemos que 2021 ainda esteja em recuperação e que só voltaremos a valores de 2019 no ano de 2022. Com base nisto, foram libertados 18,3 mil milhões de euros, dos quais 30% – e é importante dizer isto – é dedicado, precisamente, a investimentos em baixas emissões de carbono.

Para isto ser possível, para aplicar este investimento, a empresa tem de se reestruturar e essa transformação é suportada com quatro áreas totalmente diferentes. Uma a que chamamos “upstream”, que será procurar, encontrar e explorar o petróleo. Uma outra parte é a área industrial. Onde estamos a falar de muitos biliões de euros investidos já em estruturas e refinarias. Em termos de marca, temos a maior presença na Península Ibérica e isto é igual em termos de refinarias. Estamos a falar de refinarias que, só elas, para as condições de mercado que estamos agora a viver, são sustentáveis para todo o mercado ibérico. A terceira área é dedicada à forma de como fazemos chegar os serviços e os produtos ao cliente. Essa é uma outra área interessante a ser criada, que é a de clientes. Como é que, depois de ter isto tudo feito, vamos fazê-lo chegar ao cliente. 

Por último, a área das renováveis. 30% dedicado a uma área completamente nova, onde vamos procurar energias renováveis, capazes de, no portfólio completo de produtos, compensar as áreas que mais têm importância no que diz respeito à produção de CO2.

Este equilíbrio destas quatro áreas e esta reorganização da transformação da empresa são o que vai permitir fazer este caminho no futuro. Para, assim, chegarmos a 2050 e sermos uma empresa que possa dizer que, em termos de emissão de carbono, está no ponto zero.

 

“É chegada a altura de termos cuidado com o planeta e vamos corrigir, como se tem feito. Há lugar para uma transição generosa, porque o futuro será sempre um pouco de cada combustível”

 

 

GC – A marca anunciou, igualmente, a ambição de ser líder ibérica na produção de hidrogénio renovável. Este é mesmo o combustível do futuro, para a descarbonização da indústria?

AOO combustível do futuro tem de ser uma parte de cada um dos combustíveis que conhecemos hoje, com percentagens diferentes. É tão simples como isto. 

Até o carvão tem ainda futuro, só que com muito menos quantidade. Especialmente no Oriente, ainda estão a ser construídas centrais cujo combustível base é o carvão, porque é uma reserva natural de que dispõem, logo, fará algum sentido. 

Devíamos, sim, trabalhar de forma a que, ao utilizar este combustível, fossemos capazes de não fazer a emissão de CO2. Não é o nosso caso, mas acredito que esteja nas prioridades. No combustível do futuro, o hidrogénio terá seguramente lugar. 

 

GC – A transição energética é um aspeto incontornável da sociedade moderna e da noção de mobilidade? A mobilidade do futuro será, necessariamente, diferente de como a conhecemos hoje?

AOTemos uma máxima na companhia que é “transform, while performing”, ou seja, ao mesmo tempo que estamos a operar, temos de pensar sempre em como nos podemos transformar. 

A história ensina muita coisa. Se olhássemos para trás, imaginássemos e perguntássemos como era a estação de serviço na altura, a resposta seria “a estação de quê?”. A bomba de gasolina era um posto com uma manivela, dava-se à manivela e punham-se cinco litros de gasóleo para um garrafão, que, depois, passaria para a viatura. Os pagamentos eram as contas que se faziam só no fim da semana.

Hoje, com o telemóvel, faz-se o pagamento do produto. A indústria teve necessidade, perante a exigência do cliente, de ir mudando e adaptando-se. Fomos acompanhando essas alterações e convém perceber que, se tivéssemos ficado somente naquela máquina de cinco litros, já tínhamos desaparecido. Porque isso não era suficiente para os encargos, diga-se o operador ou colaborador que tem que lá estar o tempo todo. Curiosamente, essas máquinas, no início, eram um apêndice da mercearia ou da drogaria do local. Era um complemento da venda e era simpático anunciar que também tinham gasóleo para vender.

Agora, não é assim e vamos pensar na transformação de uma forma simples. Com honestidade e transparência, porque sabemos quais são as nossas origens. Temos uma origem industrial e queremos passar para a área da entrega de um serviço, de pessoas para pessoas. Temos mais do que combustíveis; temos um valor acrescentado ao modelo que não estava pensado na origem. Isso vai permitir-nos ir adaptando à nova realidade, porque queremos, tal e qual como fizemos nestes últimos 30 anos em Portugal, continuar a ser a escolha do cliente para o nosso serviço, para o nosso produto, para a nossa localização, ou seja, para a proteção que a nossa marca dá.

Repsol A Melhor Loja de Portugal

GC – O que seria um bom exercício de 2020 para a Repsol Portugal?

AOAcima de tudo, que a equipa chegue ao final do ano e que continuemos cá todos. Felizmente, até agora, nesta família em Portugal, das praticamente 800 pessoas, não temos nenhum caso grave de Covid-19. Efetivamente, nos pontos de venda vão aparecendo casos positivos, mas está tudo bem, neste momento. 

A primeira grande notícia era entrarmos, no dia 1 de janeiro de 2021, com a mesma força com que entrámos no dia 1 de janeiro de 2020 e preparados para fazer frente ao que aí vem. Com esta motivação extra e com as nossas pessoas, após termos feito este caminho. Posso dizer que metade do que temos de fazer no ano de 2021 já está garantido.

“Prevemos que 2021 ainda esteja em recuperação e que só voltaremos a valores de 2019 no ano de 2022. Com base nisto, foram libertados 18,3 mil milhões de euros, dos quais 30% – e é importante dizer isto – é dedicado, precisamente, a investimentos em baixas emissões de carbono”

 

Esta entrevista foi publicada na edição N.º 66 da revista Grande Consumo.

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