“O ‘cartão de cidadão’ da marca própria tem que estar muito bem definido”

Ana Alves, diretora comercial Marca Própria Continente

Ana Alves, diretora comercial de Marca Própria do Continente, em entrevista à Grande Consumo, aborda a importância de uma estratégia adequada para a marca própria. Uma ferramenta de distinção para todas as insígnias de retalho moderno, mas, acima de tudo, uma forma de fidelizar os consumidores pela unicidade da oferta disponível. Sem esquecer que assumir a venda de uma marca própria implica a responsabilidade pelos valores que essa marca representa para os consumidores. Desde as origens da matéria-prima, ao packaging, à rede logística de abastecimento, Ana Alves realça a importância de haver consciência e sustentabilidade, em todo o sistema e em toda a cadeia, e de haver coragem em liderar por exemplo, comunicando com os consumidores com mais transparência, como o Continente já o faz, há 10 anos, quando lançou o Semáforo Nutricional.

 

Grande Consumo – Qual a importância da marca própria para o Continente? Como é que a insígnia tem vindo a encarar a sua estratégia de marca própria?

Ana Alves – A marca própria tem um papel perfeitamente crucial na estratégia da insígnia. Na nossa proposta de valor, em tudo o que são marcas de fabricante, tentamos ter o maior portefólio ao preço mais competitivo, mas, no limite, somos copiáveis. Na nossa marca própria é mais fácil fazer essa distinção. Muito investimento tem sido feito em termos uma marca relevante para o consumidor, não só na largura e profundidade de gama, não só na competitividade de preço, mas, acima de tudo, na qualidade e na inovação que temos trazido para a marca própria.

 

GC – Como é que os benefícios da marca própria têm vindo a ser passados aos consumidores?

AA – A marca própria tem permitido democratizar o acesso a uma série de produtos. É esse o seu papel: torná-los acessíveis. Temos feito um caminho também muito profundo naquilo que é a investigação e desenvolvimento para a promoção da qualidade dos produtos. Aí os consumidores têm sido, muitas vezes, quem nos desafia. Outras vezes, são testados e provocados por nós a fazer esse caminho. Quando digo qualidade não é só a qualidade sensorial, do ponto de vista da agradabilidade do produto. É a perceção dessa qualidade e, às vezes, a qualidade intrínseca. Quando falamos em melhorar o perfil nutricional do produto e em oferecer um produto de origem nacional, estamos a trabalhar a qualidade nas suas várias vertentes, que não só a sensação.

 

GC – Há uns bons anos atrás, o Continente introduziu uma inovação nos seus produtos que foi o Semáforo Nutricional. A liderança também se faz por este tipo de preocupações relativamente aos produtos que se colocam no mercado?

AA – Sem dúvida. O papel do líder também é tomar e assumir riscos, e às vezes riscos que implicam perdas. Quando tomámos a decisão de colocar o Semáforo Nutricional percebemos que íamos chamar a atenção do cliente para algo que tem impacto. Assim como o que estamos a fazer agora pode ter impacto negativo nas vendas numa primeira fase. Mas acreditamos que o papel do líder é educar, fazer as coisas bem, dar o primeiro passo, mesmo que isso tenha um sacrifício de vendas no início. O semáforo foi um exemplo dessa coragem e desse papel que a liderança deve ter.

Hoje há muito mais sensibilização e está toda a gente muito mais desperta. Até há vários sistemas, não discutindo cada um deles, e ter um é um ato de coragem importante, porque de uma forma simples, com códigos de cores, ajudamos o cliente a perceber que pela presença destes nutrientes – sal, gordura e açúcares – este é um alimento que posso consumir muito, moderadamente ou pouco. A ideia não é abolir nada da nossa alimentação, mas alertar para as quantidades. O papel das nutricionistas é muito importante para nos ajudar a fazer este equilíbrio.

 

GC – A comercialização de uma MDD para um retalhista é o assumir de uma grande responsabilidade?

AA – Sabemos que, quando assumimos a distribuição das marcas, não somos responsáveis pelas escolhas que as marcas fazem a montante. Nomeadamente, se o seu ‘sourcing’ é responsável, se o preço é democrático e justo, se o perfil nutricional do produto é equilibrado, e se o ‘packaging’ é sustentável.

Quando assumimos a venda de uma marca própria, assumimos essa responsabilidade e o valor que essa marca tem por detrás. Assumimos a responsabilidade de toda a cadeia de valor que está subjacente a essa marca. Nesse sentido, é preciso muita coragem, sobretudo quando se tem um sortido tão alargado, como é o nosso caso.

 

GC – É, igualmente, possível estar hoje no mundo do retalho moderno sem uma estratégia de marca própria perfeitamente clara e definida?

AA – Não é possível. Um dos fatores mais importantes de diferenciação de uma insígnia é a sua marca própria. Eu, enquanto retalhista, tenho que, com a estratégia de marca própria, garantir acesso democrático a bons produtos e a produtos de qualidade com baixo preço. A inovação, a qualidade dos produtos, o preço são os pilares básicos de qualquer marca e têm que estar assegurados.

A estratégia passa por qual é o papel e os valores que estão intrínsecos e por detrás dessa marca. Hoje, para que uma marca própria seja realmente distintiva, o cliente tem que se relacionar com ela e entender qual é o seu papel. Tem que se rever nela, perceber que escolhas é que esta marca faz, que fornecedores escolhe, como é que os escolhe, que packaging usa, que nutrientes usa. O ‘cartão de cidadão’ da marca própria tem que estar muito bem definido, porque senão a identidade da marca vai-se confundir e ninguém se vai identificar com ela.

O papel que a marca Continente tem feito, nestes últimos anos, e que vai continuar a fazer, é clarificar e comunicar. Durante muito tempo, os valores da marca não eram comunicados. Sempre tivemos uma estratégia muito “low profile” neste âmbito, porque devemos ser reconhecidos pelos clientes e não impor-nos. Mas hoje o cliente quer saber a quem é que compras, como é que compras, entre A e B qual é que preferes e porquê, porque tens plástico ou papel e por que o compras. Explicar tudo isto aos clientes é importante.

Temos feito isto na parte do ‘sourcing’. Dois terços daquilo que comercializamos é marca própria, portanto em cada três produtos, dois são feitos em Portugal, e queremos que continuem a ser. São áreas que acreditamos que faz sentido, não só porque existe essa oferta e são bons produtos, mas até por uma questão de pegada. Não faz sentido ir buscar fora quando se tem aqui.

 

GC – É possível separar inovação, saúde e sabor? Se um produto for nutricionalmente mais saudável, mas o sabor deixar a desejar é vendável à mesma?

AA – Não. Eventualmente pelo nicho é que se está disposto a comprometer sabor. Isto é verdade em todo o mundo, mas os portugueses, em especial, porque estão muito bem habituados. Temos uma tradição gastronómica fenomenal e não estamos preparados para fazer ‘trade off’ de sabor. E diria que não temos de o fazer.

Há hábitos que têm de ser, lentamente, mudados. No tema do sal e do açúcar, se formos lentamente reduzindo vamos conseguir voltar a recuperar o sabor natural dos alimentos. Muitas das vezes temos de potenciar o sabor dos ingredientes. Quando quero que um produto saiba verdadeiramente a tomate, tenho de potenciar o sabor do tomate em detrimento, provavelmente, do sal. É importante investir neste “trade off”, mas nunca sacrificar sabor.

 

GC – É possível quantificar o peso das vendas de MDD no total das vendas alimentares do Continente?

AA – A marca própria pesa cerca de um terço, semelhante àquilo que acontece no mercado, sendo que tem um peso superior em volume.

 

GC – Quanto têm crescido as vendas de produtos nutricionalmente mais saudáveis no âmbito da marca própria Continente?

AA – No que diz respeito aos produtos mais saudáveis, ou percecionados como mais saudáveis, sobretudo Continente Equilíbrio e Continente Bio, crescem a duplo dígito. É um alavancador de vendas.

GC – Já foi tudo inventado no que à categoria de marca própria diz respeito? Esta é um elemento de fidelização de vendas?

AA – É um elemento fortíssimo de fidelização. Posso ter marcas à venda, mas são marcas que as outras insígnias também podem ter. Mas os desenvolvimentos que temos feito em cremes de rosto, por exemplo, são completamente disruptivos porque não copiamos nenhuma marca. Como a gama Botanique, subsegmento dentro da gama MyLabel, que é feita com ingredientes biológicos. Isto fideliza, porque o cliente não encontra este produto em mais lado nenhum. Se acredita que esta é a melhor proposta para si, vai a este supermercado por causa disto. Se conseguirmos isso em muitas categorias começa a ser um elemento que fideliza.

Como os chocolates Continente Seleção que distinguimos por origem. Já não basta entregar um produto democrático com um preço democrático. Tenho de saber se os clientes estão interessados em ter mais cacau, em perceber as origens do cacau e quais são os vários sabores de cacau. Então vamos explorar esse território. É legítimo a marca ter esse papel e o consumidor exigir isso da marca.

GC – Comer melhor é um desafio futuro enquanto sociedade? A sustentabilidade assim o exige? Essa é uma responsabilidade do retalho? Promover esses hábitos através da sensibilização e da disponibilização de produtos que concretizem essa pretensão?

AA – Este é o tema mais importante e relevante que temos em cima da mesa. Para o Continente é muito importante o desenvolvimento de frescos. Frutas e legumes ocupam um espaço e um papel fundamental na base da nossa alimentação. Em tudo o que são produtos FMCG, queremos garantir que têm o perfil nutricional mais equilibrado.

Temos uma marca, que já tem alguns anos, e que estamos a trabalhar no seu relançamento que é a marca Continente Equilíbrio, que visa justamente dar esse ‘plus’. Ou seja, além do que fazemos de forma transversal em toda a marca, há toda uma marca que ainda permite ir mais longe se querem, de facto, uma alimentação mais nutricionalmente equilibrada. Assim como o Continente Bio, e há uma procura hoje tão grande por alimentos biológicos.

Mas não nos podemos limitar à oferta. Temos de garantir que essa oferta é feita a partir de fornecedores, de matérias primas, de ciclos produtivos e de cadeias logísticas de abastecimento sustentáveis. Os recursos que estamos a usar são finitos e temos de ter consciência disso. Temos de ser conscientes em todo o sistema e em toda a cadeia.

Sustentabilidade e alimentação saudável estão perfeitamente integradas. A inovação joga um papel fundamental para assegurar que é possível termos um sistema alimentar sustentável.

A coragem e a vontade de fazer o seu papel de líder tem de acontecer. Se não o fizermos, e se esperarmos que as coisas evoluam naturalmente, não vamos ter tempo. O planeta não pode esperar.

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