“Não temos medo de cometer erros”

Helena Gouveia, responsável de marketing da IKEA Portugal

Em 2004, a IKEA chegava a Portugal. Na bagagem trazia um sonho: ter uma loja perto de todos os portugueses. Com apenas um espaço em funcionamento, nesse primeiro ano de atividade, passaram por Alfragide dois milhões de pessoas. Volvidos 14 anos, são cinco as lojas físicas, por onde passaram 16 milhões de pessoas, em 2017, e uma loja online, que recebeu outros 30 milhões de visitas. Um período onde muito mudou, a começar pelo consumidor, que passou a olhar para a casa como o local onde as memórias são criadas. E mudou a própria IKEA, que não se escusou a arriscar e a aprender com todas as experiências acumuladas. Algo, porém, mantém-se, o sonho que trazia na bagagem. Orgulhosa das suas origens suecas, a IKEA é também cada vez mais portuguesa e dos portugueses, como nos conta Helena Gouveia, responsável de marketing da IKEA Portugal.

 

Grande Consumo – A IKEA faturou, naquele que foi o seu último ano fiscal completo, 457 milhões de euros em Portugal. É um crescimento de 14% face ao ano fiscal anterior, de 2016/2017, e numa média simples representa que, a cada dia, 1,25 milhões de euros foram faturados em território nacional, que é um dos mercados mais dinâmicos da empresa, representando 1,30% das vendas mundiais. O que está na base deste desempenho em Portugal, tendo em conta que se trata de um mercado tradicionalmente mais periférico, mais pequeno e onde se passou por uma situação de crise que levou a que os portugueses restringissem os seus gastos, sobretudo ao nível do tipo de produtos comercializados pela IKEA?

Helena Gouveia – Uma das respostas a questão passa por um bom arranque da marca em Portugal, em 2004, muito bem consolidado. Nessa altura, criámos um impacto muito positivo junto dos portugueses, quando a casa ainda era vista como um espaço muito funcional. A IKEA veio mudar um pouco esse conceito e mostrar que é possível sonhar com a casa e viver a casa de um modo completamente diferente. Essa foi a chave do sucesso e para conseguir ter clientes mais fiéis, que nos visitassem mais vezes e que estivessem sempre presentes no nosso caminho nos últimos anos.

E, obviamente, todo o percurso que foi feito, no sentido de ter sempre uma gama que está adaptada às necessidades dos portugueses, que é relevante sazonalmente, que está ligada às tendências, mas também aos gostos do mercado é um dos segredos.

Além disso, os próprios valores da marca são muito relacionados com a cultura portuguesa. A simplicidade, a forma como vemos a vida, entre a humildade e a esperança no futuro, a preocupação com o bem-estar coletivo, a oferta de design a um preço acessível são argumentos que dizem muito ao nosso mercado, que viveu, nos últimos anos, situações difíceis em termos económicos, e a IKEA conseguiu ser um parceiro para que os portugueses conseguissem ter um melhor dia-a-dia. Esta é a nossa missão: criar um melhor dia-a-dia para a maioria das pessoas.

 

GC – Atualmente, a IKEA tem lojas em Alfragide, Loures, Matosinhos, Braga e Loulé. O atual parque de lojas detido em Portugal satisfaz a empresa? Há potencial/vontade para expandir este parque?

HG – Acrescentaria a loja online. Temos cinco lojas físicas e uma loja online e o grande objetivo é estarmos cada vez mais próximos dos portugueses, dependendo da forma que considerarmos fazer mais sentido. O que pretendemos é uma experiência transversal, não obstante o canal.

Obviamente que continuamos a estudar diferentes formatos e possibilidades para o país, mas, para já, vamos apostar fortemente nas lojas existentes, que já cobrem o mercado de norte a sul, e explorar ao máximo a nossa loja online, que cada vez mais dá provas da sua performance e está acessível à maioria das pessoas.

 

GC – Tendo a IKEA realizado 2,8% das vendas em Portugal via comércio eletrónico no último exercício, esta percentagem vai ao encontro do que esperavam para este canal de vendas? Qual os vossos objetivos para o online?

HG – Não olhamos para o online como um canal isolado. De facto, representou 2,8% dos resultados totais, mas olhamos para estes como um todo. Não vamos estimular um canal em detrimento dos outros.

Queremos que os portugueses decidam, seja usar o online como um canal único, seja para depois ir à loja. Esta é, de resto, uma das grandes tendências: as pessoas preferem planear a sua visita à loja e consultar as novidades, até porque o nosso ritmo de novos lançamentos está acelerado. Por outro lado, quem cada vez mais opta por uma compra puramente digital já o pode fazer de uma forma simples e fácil, com a loja online a já estar adaptada a essa opção.

Não estamos a dedicar mais energia a um canal versus os outros. Não temos uma estratégia exclusiva para o online, simplesmente, queremos trabalhar todos os canais como um todo e é o cliente que decide qual quer usar.

 

GC – A IKEA encontra-se a apostar fortemente na sua transformação digital e a direcionar investimentos neste sentido. O comércio online é uma grande aposta, tem iniciativas focadas na realidade virtual e na inteligência artificial. Perante isto, o que acontece às lojas?

HG – Cada “touchpoint” vai servir diferentes necessidades. Online queremos garantir que alguém que esteja em Coimbra, que está mais distante das nossas lojas físicas, consiga explorar ao máximo ao nível de conteúdo, novidades, estratégia de sustentabilidade, etc. Mas, depois, se quiser ter uma experiência de inspiração, tal como as nossas lojas têm, existe esta possibilidade de trabalhar com realidade virtual. Tirámos fotografias de 360 graus dos nossos espaços principais e já é possível virtualmente visitá-los.

É uma experiência que vai ser ainda mais melhorada, com as histórias por detrás daqueles ambientes. As nossas lojas receberam 16 milhões de visitas, no ano passado, mas poucos, se calhar, já sabem que cada ambiente tem uma história por detrás, que representa a sociedade portuguesa. Nós visitamos as casas das pessoas – uma família, um casal sem filhos, alguém que vive sozinho -, e inspiramo-nos. Abrimos as gavetas, vemos o que está lá dentro, vemos como é a organização dos objetos, escutamos os seus sonhos, percebemos onde podemos fazer a diferença. Isso acontece em Portugal e nos restantes mercados onde estamos presentes e todo esse reporte é, depois, feito à casa-mãe. É assim que os nossos produtos são criados, de modo a serem o mais adaptados possível às necessidades dos nossos clientes. É assim que sabemos que os portugueses sonham com uma cozinha com ilha e procuramos dar resposta a esse sonho, com toda a qualidade e uma garantia de 25 anos.

 

GC – Noutros países, a IKEA está a apostar por espaços mais pequenos, no centro das cidades e formatos pop-up. Esses conceitos fazem sentido para o mercado como o português?

HG – Estamos a analisar todas essas possibilidades e a aprender com os restantes mercados. É estimulante ver o que cada país está a fazer e perceber o que faz sentido para Portugal.

Para já, estamos concentrados em trabalhar a loja, que tem um enorme potencial. Sabemos que os portugueses vêm às nossas lojas para se inspirarem. São um espaço para se estar em família, as pessoas sentem-se confortáveis. O mesmo se passa no online. No futuro, com base no que aprendermos destes novos formatos, veremos o que faz sentido para Portugal.

 

GC – A IKEA chegou a Portugal há 14 anos. O que mudou neste período na empresa e no consumidor?

HG – No consumidor mudou a forma de ver a casa. Era apenas um sítio para dormir e cozinhar, meramente funcional, agora é o local onde recebemos os amigos e estamos com a família, onde as memórias são criadas.

A IKEA também mudou. O facto de ter 75 anos, pode indicar que é uma empresa madura. E, de facto, até o é no “expertise”. Mas com um espírito jovem e irreverente. Não temos medo de cometer erros. E, efetivamente, nestes 14 anos, por termos arriscado e ter feito coisas diferentes, mesmo ao nível da comunicação, granjeou-nos uma evolução muito positiva. Aprendemos muito e acumulamos todas as experiências que temos feito, não só naquelas visitas a casa dos portugueses de que já falámos, mas também com os estudos ao consumidor e o nosso próprio programa IKEA Family. Isto permite-nos convidar o cliente a cocriar connosco, o que, inclusivamente, será visível muito em breve com o prato vegetariano que vamos estrear no nosso restaurante. No fundo foi isso que mudou na IKEA nestes 14 anos. Passámos do ato de nos apresentarmos e darmos a conhecer para, agora, convidarmos o consumidor a fazer coisas connosco.

 

GC – Portugal é um dos países onde a IKEA tem dos índices “top of mind”, mais elevados, situado nos 71%. É possível reforçar ainda mais este índice, nomeadamente tornando a marca mais acessível? De que modo pretendem expandir esta acessibilidade, quer em termos de preços, quer fisicamente? É aqui que o digital tem também uma palavra a dizer?

HG – É sempre possível crescer em “top of mind”, embora seja um desafio. Se já somos o mercado com o índice mais elevado, não só nas áreas de influência das lojas, porque os estudos recentes dizem-nos que temos o mesmo comportamento no interior do país, é um desafio. Os portugueses conhecem-nos, porque também nos visitam online. Foram 30 milhões de visitantes no ano passado.

Independentemente da loja física estar ou não próxima, a loja online cada vez mais tem um papel importante. E toda a nossa comunicação é feita considerando o país como um todo.

Podemos tornar-nos mais acessíveis com a aposta no digital e a transposição do que é a loja física no site em contexto de realidade virtual, assim como através das nossas redes sociais.

No mundo digital, todos os dias surgem novidades, novas formas de comprar online, novos social media, novas funcionalidades nos já existentes. No Instagram, por exemplo, já conseguimos identificar artigos e colocação de preço.

A ideia é alargar ao máximo os formatos possíveis para estarmos mais próximos, mas também desenvolver conteúdos que são cada vez mais adequados e relevantes. Daí o surgimento do projeto Escola da Casa, que é a forma de conseguirmos aproximar-nos do cliente através da informação que ele necessita.

 

GC – É assim que a IKEA se está a tornar mais portuguesa?

HG – A IKEA é assumidamente, e com muito orgulho, uma marca sueca. Mas, a IKEA é feita de pessoas e muitos de nós quisemos fazer esta ligação de culturas. Com base nisso, pensámos em como poder crescer com os portugueses. E fomos escutá-los. Que memórias têm das suas casas? O que a IKEA representa na sua vida? Os testemunhos foram extraordinários e tão surpreendentes, que julgámos que merecia fazer um caminho com base nos mesmos.

Estes testemunhos iam ao encontro daquilo que os nossos estudos sobre a sociedade portuguesa indicavam. Identificámos quatro histórias, ao longo deste ano, que não são só das pessoas que entrevistámos, mas de todos os portugueses.

 

GC – Quanto representa a produção nacional na vossa oferta?

HG – Temos 18 fornecedores nacionais que desenvolvem gama não só para Portugal, mas para todo o mundo. Não fazemos as contas quanto a percentagem da produção nacional no país, porque consideramos mais relevante saber de que modo os fornecedores portugueses estão a contribuir para a IKEA globalmente. E isso acontece de forma crescente. Temos uma equipa de compras que procura as melhores soluções e, inclusivamente, ajuda esses fornecedores a desenvolverem-se, de modo a cumprir todos os requisitos para poderem trabalhar para a marca, e faz a ligação direta. É uma equipa global, não passa pelo retalho.

 

GC – O que está no horizonte futuro da IKEA Portugal? O que seria um bom final de 2018 e que ambições têm para 2019?

HG – Temos um ano um pouco diferente, dado o nosso ano fiscal, mas terminamos alinhados com a tendência de crescimento dos últimos anos. Terminamos, também, de uma forma muito positiva com o lançamento da Escola da Casa, onde mostramos às pessoas como se podem divertir mais em casa com a decoração. Lançar esta plataforma que é digital, mas que também vive da loja, onde decorrem os workshops e que são um sucesso de inscrições e participações, é uma forma de dizer que continuamos a querer contribuir para a vivência da casa. A assinatura “Não há casa como a nossa” deve-se, de facto, à nossa vontade de conhecer as necessidades dos portugueses e dar-lhes os produtos e as soluções para que possam divertir-se na sua casa.

 

Este artigo foi publicado na edição n.º 54 da Grande Consumo.

Veja o vídeo da entrevista com Helena Gouveia.

“A Makro não deixou de fazer o redimensionamento das lojas na altura mais difícil para todos”

Dos Açores para o mundo