“Haverá sempre mais para aprender e desenvolver”

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Marcos Bessa, Designer Manager da Lego

É no idioma de Camões que se exprime, na primeira pessoa, Marcos Bessa, Designer Manager da LEGO, que abraçou uma carreira na marca de Billund há já dez anos. Apelidado pelo humorista e radialista Nuno Markl como o “Ronaldo dos tijolos”, Marcos Bessa é o nome por detrás da gama de conjuntos de Harry Potter recentemente apresentados ao mercado. Prova de que a “brincar” também se trabalha e que, para ser como Peter Pan, e “nunca crescer”, basta dar azo à imaginação. Conheça o talentoso criativo português que trouxe para o universo Lego a famosa saga criada por J.K. Rowling, uma de muitas outras nascidas do seu talento e capacidade de concretização.

 

Grande Consumo – Como nasceu o seu amor pelos “tijolos”?

Marcos BessaDesde muito pequeno, as minhas brincadeiras favoritas envolviam sempre pegar na minha caixa de peças LEGO. Nunca cheguei a ter muitos conjuntos, enquanto criança, mas as poucas peças que tinha permitiam-me criar tantas coisas diferentes que nunca sequer dei comigo a pensar que não tinha peças suficientes. A primeira prenda que me recordo receber do Pai Natal foi, justamente, o conjunto 6552, que ainda hoje é um dos meus conjuntos favoritos.

 

GC – Como surgiu e se dá a sua ida para a Dinamarca e, mais concretamente, a entrada no Grupo LEGO?

MBEnquanto adolescente, passei por uma “Dark Age”, termo que a comunidade de fãs de LEGO usa para descrever um período da vida em que não construímos com peças LEGO. Tinha toda a gente à minha volta – pais, familiares, professores – a puxar-me em direção a outros interesses, argumentando que “brincar com peças LEGO” já não era para a minha idade. Mal sabiam eles o quão errados estavam!

Quando tinha 18 anos, já na faculdade a estudar Engenharia Informática, dei comigo a desfolhar um catálogo de conjuntos LEGO daquele ano, que o meu irmão mais novo, por obra do destino, tinha trazido para casa (ele sempre gostou mais de Playmobil…). A vontade de voltar a criar com aquelas peças de plástico era tal, que em pouco tempo gastei todo o dinheiro que andava a juntar para comprar um iPhone em caixas de LEGO. Ao mesmo tempo, descobri na Internet uma série de comunidades de fãs de LEGO – os AFOLs (Adult Fan Of LEGO) – inclusivamente a Comunidade 0937, que se tornou a “casa” deste que virou então o meu passatempo número um, mais uma vez.

Nos três anos seguintes, não parei mais de construir criações originais, muitas vezes, aliciado por competições online ou para levar as minhas criações a eventos nacionais e internacionais. À medida que fui desenvolvendo as minhas competências enquanto “construtor”, a ideia de, um dia, poder vir a fazer daquilo uma profissão foi ganhando peso. Na primavera de 2010, enquanto me começava a preparar para os exames desse semestre, vi online que a empresa LEGO procurava recrutar novos designers. Motivado pelos restantes membros da Comunidade 0937, enviei a minha candidatura, com um portfólio composto pelos melhores trabalhos que tinha criado até então. Até mesmo uma “antestreia” da minha maior criação até à data, um “museu de cera”, estimado em mais de 11 mil peças, que andava a construir fazia já mais de um ano, para levar à grande exposição nacional daquele ano. Uns meses depois, tendo sido um dos 40 selecionados de todo o mundo para ir até à Dinamarca e provar aquilo de que era capaz durante um workshop de dois dias, acabei por receber uma proposta de trabalho e já lá vão quase 10 anos.

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GC – O que representou para si assinar os sets do Harry Potter para uma marca como a LEGO? É um universo que o atrai a título pessoal, ou desenharia este como desenharia qualquer outro?

MBEu pertenço à geração Harry Potter. Cresci a ler os livros e a ver os filmes, à medida que foram lançados. É o meu Star Wars, em comparação com os meus colegas mais velhos que veneram essa novela espacial que a mim não diz tanto. Por isso, é realmente um privilégio poder trabalhar numa linha de produtos inspirados pelos personagens e histórias que admiro tanto, que ajudaram a moldar o meu carácter, assim como me inspiraram a acreditar em valores tão importantes quanto a honestidade, a amizade e a luta pelo que é justo. N

ão há outra linha de produtos LEGO, neste momento, com a qual eu preferisse trabalhar. No entanto, acredito que daria sempre o melhor de mim em qualquer projeto que tivesse em mãos. Tenho orgulho naquilo que faço, quando sinto que realmente fiz um bom trabalho, por isso, darei sempre o melhor de mim, enquanto a criatividade não me faltar.

 

GC – Dos universos reproduzidos nos sets da marca, qual foi o mais difícil de concretizar? E o que mais prazer lhe trouxe?

MB – Em cada lançamento, o desafio maior é sempre “como fazer diferente e ainda melhor que da última vez?”, e desta não foi exceção. No entanto, enquanto “diretor criativo” com uma equipa de designers tão ou mais aficionados pelo universo do Harry Potter quanto eu, a tarefa torna-se mais fácil. Estes novos produtos acabados de lançar são os meus favoritos até à data (vai provavelmente ser assim, sempre que saírem novidades, ou assim espero!), mas devo destacar o The Burrow, que foi criado pelo Wes Talbott, um dos designers na minha equipa, que fez um trabalho estrondoso em capturar uma série deliciosa de detalhes numa construção super interessante, com direito até a andares desnivelados, como é característico daquela casa tão “desconchavada” dos Weasleys. Além disso, dos conjuntos desenhados por mim, tenho um ainda por lançar que foi o mais aliciante e desafiante conjunto que criei desde o Castelo da Disney, mas para falar desse, teremos de esperar ainda um tempo…

 

GC – Quanto tempo pode um “set” demorar, em média, a desenhar, a produzir?

MBDesenhar um conjunto LEGO, normalmente, demora uns dois ou três meses, em média. Alguns maiores podem levar mais tempo. E também há aqueles que foram desenhados em meia dúzia de dias… Mas todos são criados um ou dois anos antes de chegarem ao mercado. Isto porque há todo um processo bastante trabalhoso que leva aquele “desenho matriz” até às prateleiras de lojas de brinquedos, um pouco por todo o mundo. Desse processo, faz parte a criação dos livros de instruções, feitos por uma equipa especializada no assunto; a criação das caixas com imagens magníficas que “vendem” os conjuntos e aliciam miúdos e graúdos; o moldar de milhões de peças que são necessárias e toda a distribuição atempada de forma a chegar ao maior número de pessoas possível no dia de lançamento, em cada mercado, nos quatro cantos do mundo.

 

GC – Que sentimento lhe suscita saber que haverá milhares de crianças no mundo que brincam com criações que ajudou a desenvolve?

MB – É realmente um sentimento incrível, embora não seja algo que esteja presente no pensamento, no meu dia-a-dia. Como todas as pessoas, tenho as minhas rotinas e grande parte daquilo que faço – embora seja muito diferente do trabalho de tantas outras pessoas – é, ainda assim, um trabalho: com responsabilidades, pressão e objetivos. Mas quando vejo nas redes sociais a satisfação de tantas pessoas, de todas as idades, que construíram um dos nossos conjuntos, sinto realmente que tudo vale a pena. E é um orgulho imenso fazer parte da história da LEGO.

 

GC – Qual foi o seu primeiro set e quanto tempo demorou a desenvolver?

MB – O primeiro conjunto que tive a responsabilidade de criar foi o 6863 Batwing Battle Over Gotham City (que tem um nome gigante!). Não me recordo exactamente de quanto tempo levou, mas acredito que terá sido mais ou menos dentro da média dos dois ou três meses de que falei antes. Não era um conjunto particularmente grande, mas foi um grande desafio ajustar a minha forma de criar enquanto fã de LEGO para passar a desenhar um conjunto com a intenção de ser construído por outras pessoas, baseado em instruções 2D – com as suas limitações – e com o propósito principal de gerar horas e horas de brincadeira, ao invés de ter “apenas” bom aspeto.

 

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GC – Em que etapa é que percebe que precisa de uma peça nova? Ou já está tudo desenvolvido em termos de peças e respetivas ligações entre elas?

MBA criação de peças novas é algo que acontece de forma relativamente esporádica. Normalmente, numa linha como LEGO Harry Potter, criamos peças novas quando queremos representar um personagem de forma mais fiel ou criar um acessório para as minifiguras que seja mais fidedigno ou detalhado, para ajudar a capturar a essência da história que estamos a representar. Noutros casos, peças mais “genéricas” surgem da necessidade de continuar, constantemente, a reinventar formas de expressar criatividade através das peças LEGO ou até para expandir o número de possibilidades de combinações entre peças.

 

GC – Tal como noutras artes associadas ao design, também nesta dimensão pode-se considerar que o traço, ou a linha do design, também evolui com o tempo. É hoje um profissional mais completo face ao início da sua carreira?

MBCertamente! A experiência é um fator indiscutível no desenvolvimento das nossas competências enquanto criativos. Como exemplo, mostro uma fotografia da minha primeira criação original quanto voltei a comprar peças LEGO, aos 18 anos, em contraste com o museu que construí dois a três anos depois. Enquanto LEGO Designer, sinto-me hoje muito mais confiante e capaz do que quando comecei, mas, para mim, o segredo para manter vivo o entusiasmo pelo que faço é nunca esquecer que haverá sempre mais para aprender e desenvolver.

 

GC – A possibilidade de conciliar o suporte físico (brinquedo LEGO) com o apoio da inteligência artificial veio trazer uma nova dimensão aos brinquedos da marca?

MB – A LEGO está sempre à procura de novas formas de se reinventar e as possibilidades que inteligência artificial e a tecnologia em geral oferecem são bastante interessantes. Na era digital em que vivemos, de videojogos e dispositivos móveis, algumas crianças acabam por ter uma exposição muito limitada aos conjuntos LEGO mais tradicionais. Ao expandir o nosso catálogo com experiências que vão um pouco mais de encontro ao que esse grupo procura, a LEGO tenta assim recrutar ainda mais potenciais “construtores”, através desta sinergia entre o brinquedo físico (e mais tradicional) e a incorporação da tecnologia.

 

GC – Era aqui que se via estar ao dia de hoje? Este é o seu emprego de sonho?

MB – Não sonhava com a Dinamarca, porque nem sabia onde a LEGO estava sediada, quando era criança. Mas, sem dúvida, que, em miúdo, aquilo que mais desejava era que pudesse viver a criar. E criar com peças LEGO é uma dessas vertentes, embora “trabalhe” o meu músculo da criatividade com muitas outras atividades: escrevo, faço música, crio jogos, ilustrações… E é assim que me vou realizando, peça a peça.

 

GC – O que lhe falta ainda criar?

MB – Um filme. Um dia gostava de escrever um guião e vê-lo materializado na grande tela.

 

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