“Garantir alimentos suficientes para 10 biliões de habitantes amanhã será a grande corrida para todo o planeta”

Antonio Lopes Dias, diretor executivo da ANIPLA. © Nuno Fox
Antonio Lopes Dias, diretor executivo da ANIPLA. © Nuno Fox

É pela preservação da saúde das plantas que se poderá atingir um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU): a erradicação da fome. António Lopes Dias, diretor executivo da Associação Nacional da Indústria para a Proteção das Plantas (ANIPLA), não tem dúvidas de que acabar com a fome e alcançar a segurança alimentar, com base numa agricultura sustentável, começa por prestar atenção às emergências fitossanitárias, que têm tido efeitos devastadores na agricultura, florestas e a ecossistemas naturais, um pouco por todo o mundo. Do mesmo modo que a globalização acelerou a propagação da pandemia de Covid-19, a ausência de fronteiras no mundo também contribui para espalhar os problemas sanitários, que levam a que 40% das culturas sejam perdidas. Um dado que a ANIPLA quer sublinhar, numa altura em que se vive num clima de “quimiofobia” que tem levado ao aparecimento de vários mitos em torno da agricultura e do papel do agricultor. Com todo o planeta mobilizado na contenção de um vírus, existem outros desafios comuns aos quais urge dar resposta: assegurar alimentos para todos, sem esgotar os recursos naturais e garantindo a sobrevivência das espécies.

 

Grande Consumo – 2020 foi proclamado pela Organização das Nações Unidas como o Ano Internacional da Sanidade Vegetal. Que importância tem este reconhecimento, nomeadamente, para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

António Lopes Dias – A celebração do Ano Internacional da Sanidade Vegetal pretende chamar a atenção de todos para o contributo fundamental da sanidade vegetal para erradicar a fome, reduzir a pobreza, proteger o ambiente e impulsionar o desenvolvimento socioeconómico. Propósitos que, em tudo, se alinham com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, também definidos pela Organização das Nações Unidas.

Estamos certos de que acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, assegurando a melhoria da nutrição com base numa agricultura sustentável, começa precisamente por prestar atenção às emergências fitossanitárias que têm tido efeitos devastadores na agricultura, florestas e ecossistemas naturais, um pouco por todo o mundo.

Num mercado com cada vez menos fronteiras, são muitas as oportunidades, mas também grandes os desafios que se colocam aos agricultores. Nos territórios com grande diversidade de culturas e espécies florestais, há uma enorme exposição à entrada, estabelecimento e dispersão de pragas e doenças nas plantas. Motivo pelo qual a sanidade vegetal e a disponibilidade de meios de luta eficazes, amigos do ambiente e seguros para o consumidor assumem um papel central numa política comum em defesa da agricultura, espaços naturais e pessoas.

Como parte essencial das nossas paisagens, do oxigénio que respiramos, do carbono que capturam ou dos alimentos e bem-estar que fornecem aos seres humanos e animais, as plantas têm de ser protegidas. O Ano Internacional da Sanidade Vegetal vem lembrar-nos isso mesmo, enquanto iniciativa chave para destacar a importância da saúde vegetal para melhorar a segurança alimentar, proteger o ambiente e a biodiversidade e impulsionar o desenvolvimento económico, garantindo o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, por isso, intimamente ligados. Proteger as plantas é proteger a vida.

 

GC – A data vem também lembrar que, ano após ano, a população continua a aumentar e que é preciso assegurar que a produção responde positivamente a este crescimento, sendo que, até 2050, terá de aumentar 60%. Mantendo-se o atual cenário, haverá o que comer para todos? Teremos acesso aos alimentos desejados?

ALD – Além do cenário de pandemia que estamos a viver e de todas as dificuldades que o mesmo nos traz, vivemos também hoje uma época crítica, em que a perda da biodiversidade, ao nível global, atingiu valores sem precedentes, em que alterações climáticas, degradação de solos e habitats naturais, entre outros fatores de ameaça, têm um efeito devastador.

É precisamente por isso, e porque sabemos que a densidade populacional só terá tendência a crescer, e por consequência precisaremos de produzir em maior quantidade, que é fundamental  olhar para as ferramentas que temos à disposição e que nos permitem continuar a produzir de forma sustentável, superando desafios, como a defesa dos recursos naturais.

A ciência, investigação e desenvolvimento, hoje, mais do que nunca, proporcionam sofisticadas soluções que nos permitem otimizar resultados e preservar a segurança e qualidade dos solos e, por isso, acreditamos que não faltará alimento à população.

Contudo, para que tal seja possível, chamamos à atenção: é necessário, cada vez mais, utilizar a ciência e tecnologia a nosso favor, para um melhoramento constante de processos e práticas agrícolas que nos permitam, de forma sustentável, reforçar a capacidade de produção dos solos sem os destruir, permitindo-nos alimentar toda a população eficazmente. 

 

GC – Sabendo-se que 40% das culturas mundiais são perdidas devido a pragas, doenças e infestantes, o combate ao desperdício alimentar faz-se também pela vertente da sanidade vegetal? Esta é também uma resposta na erradicação da fome?

ALD – Esta questão remete-nos para a reflexão feita anteriormente: a sanidade vegetal vem relembrar-nos a importância de cuidar dos solos, de preservar os ecossistemas e respeitar as plantas, contribuindo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável já mencionados, entre os quais encontramos a erradicação da fome.

Não sendo uma resposta direta, é importante que se compreenda que a percentagem de culturas que se perdem, ano após ano, por serem completamente devastadas pela proliferação de infestantes, pragas e doenças, é muito elevada. 40% de culturas perdidas, um pouco por todo o globo, obrigam-nos a pensar no consequente e expressivo desperdício alimentar que daqui decorre e que é urgente evitar e prevenir. Basta pensar nas novas pragas e doenças que estão constantemente a chegar, como a Xylella fastidiosa que já é um problema concreto dos países do sul.

Laranjas com CVC, doença derivada da bactéria Xylella fastidiosa – Imagem Shutterstock

GC – As mudanças climáticas e as atividades humanas têm vindo a alterar os ecossistemas e a reduzir a biodiversidade, criando condições propícias para a proliferação de pragas e doenças. Além disso, o transporte e o comércio internacional de produtos agrícolas de origem vegetal, que triplicaram na última década, ajudam a espalhar rapidamente os problemas fitossanitários. Face a isto, como é possível continuar a ter plantas saudáveis? É algo que podemos dar como certo?

ALD – Uma das principais dificuldades com que o sector agrícola se tem debatido é, precisamente, a retirada contínua de substâncias ativas do mercado, sem que sejam disponibilizados substitutos que assegurem a proteção das plantas.

Paralelamente, apesar de se estreitar cada vez mais o controlo e reforçar o rigor nas fronteiras, são ainda muitas as pragas que atingem as diferentes culturas, provocando efeitos potencialmente devastadores.

Atendendo a estes constrangimentos, não sendo possível dar como certa a eterna vitalidade das plantas, o que podemos afirmar, sim, é que a ciência, a investigação e o desenvolvimento têm desempenhado um importantíssimo papel neste sentido, proporcionando sofisticadas soluções que podem ser utilizadas para combater os inimigos das culturas de forma eficaz. Soluções essas que têm de fazer parte do dia-a-dia de todos os agricultores e para as quais é necessário encontrar alternativas, quando retiradas do mercado.

Assegurar a vitalidade das plantas passa por compreender que, tal como nós precisamos de vacinas, também estas necessitam dessa proteção, face a um universo onde as contaminações chegam de toda a parte, fruto de uma mobilidade cada vez maior de pessoas e bens, que aumenta a exposição do ambiente a potenciais perigos que é necessário combater.

 

GC – Como se coordena essa proteção com a salvaguarda do ambiente e da saúde do ser humano e dos animais?

ALD – Contribuir para a prosperidade económica e o bem-estar social, protegendo simultaneamente os recursos naturais, fauna e flora, promovendo a biodiversidade, é uma missão assumida também pelo sector agrícola. Com o apoio das mais avançadas tecnologias, mantemo-nos em constante atualização de práticas e ferramentas que permitam otimizar a produção, poupando ao máximo o ambiente e promovendo a biodiversidade.

 

GC – O que comemos, hoje, é seguro?

ALD – Sem dúvida. Nunca o que comemos foi tão seguro como o que hoje chega à nossa mesa. Por via do rigoroso controlo imposto, desde há muito, pela regulamentação europeia (EFSA – Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar), os alimentos produzidos em território europeu são dos mais seguros.

 

GC – É possível quantificar os efeitos das emergências fitossanitárias na agricultura, na floresta e também nos ecossistemas naturais?

ALD – É possível quantificá-los do ponto de vista percentual. Hoje, através de inúmeros estudos e investigações levadas a cabo, sabemos que, de uma forma geral, as pragas e doenças são responsáveis por perdas de culturas na ordem dos 40%. Mas, além disso, e indo um pouco mais fundo, sabemos que só a Xylella fastidiosa, por exemplo, num cenário de propagação por toda a União Europeia, pode causar perdas anuais de produção de 5,5 mil milhões de euros, afetando 70% do valor de produção de árvores de fruto.

 

GC – Todos sabemos o que temos na fruteira, mas talvez nem todos saibamos que 76% da produção de pera rocha, por exemplo, pode estar em risco. Que mais culturas estão ameaçadas e porquê?

ALD – Todas as culturas têm o seu grau de risco resultante da perda de soluções fitofarmacêuticas. A tendência de crescimento populacional é um dado assumido e, por isso, estima-se que, até 2050, a produção alimentar tenha de aumentar em cerca de 60% de forma a dar resposta a este crescimento. Ora, produzir em maior quantidade, para alimentar um maior número de pessoas, obriga-nos a medidas redobradas de sustentabilidade e cuidado dos solos, de forma a evitar a destruição dos mesmos e, por consequência, de diversos ecossistemas e habitats naturais.

Culturas como a pera, o tomate, o milho, o azeite e o vinho foram alvo de um estudo pormenorizado, realizado pela ANIPLA em conjunto com as respetivas organizações de produtores. Se não formos capazes de aliar ciência, investigação e desenvolvimento e proteger as explorações, otimizando as produções, o resultado desse estudo aponta para riscos de perdas de produção nessas culturas na ordem dos 76% da nossa pera rocha, 82% da produção de tomate, 60% da produção de milho, 56% da de azeite e 50% do vinho nacional.

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GC – Vive-se hoje num clima de “quimiofobia”?

ALD – Sem qualquer dúvida. Temos vindo a assistir, nos últimos anos, a um fenómeno que nos preocupa e que nos leva a reforçar, talvez mais do que nunca, a importância de confiar na ciência: a quimiofobia. A Europa vive num mundo em que 30% dos cidadãos referem ter medo de produtos químicos e em que 40% quer viver num mundo em que estes não existem. Contudo, 82% não sabe que o sal de mesa extraído do oceano ou produzido sinteticamente são a mesma coisa.

Em 150 anos, a população mundial vai crescer quase quatro vezes mais e, por isso, é necessário tornar a forma de produzir cada vez mais eficiente e sustentável. Para o conseguir, é preciso que a população entenda que só podemos confiar na ciência: é preciso desfazer dezenas de mitos ligados à produção de alimentos, que mantêm a população num universo paralelo, longe do seu suporte, e onde alimentar toda a população mundial se torna, por consequência, impossível.

 

GC – A atual pandemia por Covid-19 veio reforçar a confiança dos consumidores na ciência para a proteção da sua saúde, mas o mesmo não se passa ao nível da proteção fitossanitária. Porque é que se confia na ciência para uma coisa e não para outra?

ALD – A reflexão que fazíamos anteriormente, sobre a quimiofobia, está intimamente associada à razão que leva os cidadãos a não acreditar na ciência aplicada à agricultura. O espaço que é dado para que se instalem mitos na alimentação é um dos maiores motivos pelos quais se desconfia tanto da ciência aplicada à produção agrícola. As ideias pré-concebidas e amplamente difundidas sobre boa agricultura e menos boa agricultura, e ainda, a influência de protagonistas que nada têm que ver com os métodos e técnicas de produção, mas que rapidamente espalham informação ligada ao que comemos, representam algumas das maiores preocupações.

Há uma tendência da população para duvidar da forma como os agricultores utilizam os produtos fitofarmacêuticos, sem saber que o seu uso exige que os agricultores tenham formação técnica e específica para tal. Facto que, todos os dias, nos esforçamos por combater com mais e mais informação e aproximando a sociedade daquilo que é o dia-a-dia do agricultor, que tem como prioridade a sanidade das plantas, porque sem elas não há vida.

Mais uma vez, como dizíamos, a questão central está na ciência. Que é a mesma, perante um vírus que nos colocou a todos em suspenso, e perante outros que surgem, de múltiplas formas, com um potencial enorme de devastar o que produzimos. Se, no primeiro caso, se salvam vidas humanas, no segundo, salvam-se alimentos, os mesmos que nos mantêm vivos e com saúde.

 

GC – A existência de uma agricultura boa e outra menos boa é, efetivamente, um mito?

ALD – É óbvio que é mais um mito. Esta é talvez uma das maiores lutas instaladas no sector e que, de facto, não passa de um enorme mito que é urgente desfazer. A dicotomia forçada que, há vários anos, se tem instalado entre as chamadas agriculturas “biológica” e “convencional” leva o consumidor a acreditar que existe uma agricultura da “Primeira Liga” e outra da “Liga de Honra”, ou ainda, uma agricultura boa e uma menos boa, quando, na verdade, esta está longe de ser uma afirmação justa.

Seja qual for o método de produção utilizado, em qualquer um deles, estará presente o perigo da proliferação de pragas e infestantes que devastam culturas. Em qualquer um dos casos, o agricultor terá de se socorrer das ferramentas que tem à disposição, entre as quais os produtos fitofarmacêuticos, para evitar a destruição de culturas.

Assim, e atendendo a uma legislação cada vez mais apertada e restritiva a este nível, em qualquer dos formatos, a preservação dos solos e explorações está garantida por apertadas normas de utilização de técnicas de combate a este tipo de pragas e infestantes. Sem diferenças e mantendo uma preocupação comum: produzir de forma consciente, responsável e, acima de tudo, sustentável. Um mito que temos vindo a tentar combater, talvez por ser o maior de todos, e aquele que mais afasta a população das reais preocupações que todos devemos ter quando falamos de produção alimentar.

 

GC – Portugal esteve na génese do primeiro acordo internacional de sanidade vegetal, assinado em 1881 e visando, na época, estabelecer normas para se evitar a dispersão da filoxera, que dizimava as vinhas nacionais e europeias. Como tem evoluído o trabalho em torno da sanidade vegetal no país?

ALD – A praga filoxera da videira foi, sem dúvida, um dos mais desafiadores flagelos de que se tem história no mundo agrícola. As videiras, um pouco por toda a Europa, coexistiram durante um longo período com estes agentes patogénicos que dizimaram, à época, 40% das culturas. Sem dúvida que, se não fossem os programas de apoio criados por inúmeras entidades e a investigação feita em torno do tema, as consequências poderiam ter sido ainda mais graves.

Para a solução dos problemas causados por estes agentes, no caso específico português, têm contribuído apoios no âmbito de vários programas nacionais, como AGRO e VITIS, e internacionais, como o financiado pela NATO (PO – Plant Virus – Science for Stability), tendo sido desenvolvido um trabalho meritório na área do diagnóstico e prevenção das doenças, através de práticas sanitárias e de seleção.

A alteração da legislação quanto à rega da vinha e o apoio técnico das novas associações vitivinícolas, bem como o financiamento e acompanhamento de técnicos, no âmbito da proteção integrada, contribuíram também para uma maior aproximação do país aos padrões internacionais.

O caso da filoxera é um bom exemplo do conceito deste tipo de proteção fitossanitária. A solução foi encontrada muito “simplesmente”, passando a plantar videiras em que a parte aérea é europeia, ou seja, que produzisse uvas com as características que desejávamos, enxertada numa variedade americana, integrando esta a parte subterrânea, uma vez que era resistente à filoxera. Ainda hoje é utilizada esta tecnologia.

Na verdade, e neste domínio, Portugal tem tido, a partir dos anos 60, uma posição de destaque na investigação, com estudos pioneiros, realizados desde o início, e com a aplicação de estruturas e práticas, nos dias de hoje, que permitem o combate a este tipo de pragas e infestações que comprometem em absoluto as culturas. Por isso, acreditamos que o trabalho em torno da sanidade vegetal no país tem evoluído de forma contínua e positiva, sendo que o ano declarado pela ONU reflete a necessidade de olharmos para esse mesmo trabalho, valorizando-o e adicionando-lhe todos os “inputs” da ciência e modernidade, que possam contribuir para uma constante otimização dos métodos de produção, assegurando um uso sustentado dos recursos em prol do planeta.

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GC – A ANIPLA lançou a campanha “Considere os Factos”. Qual o seu público-alvo e a principal mensagem que visa transmitir?

ALD – A campanha “Considere os Factos” foi dividida em duas fases, uma de sensibilização, a partir do já referido estudo de impacto na produtividade agrícola resultante da retirada de alguns produtos fitofarmacêuticos, e outra de apresentação de um estudo, este desenvolvido em parceria com a Universidade Católica, que surge, precisamente, a partir da necessidade de compreender o nível de conhecimento que os portugueses têm da realidade agrícola. Por isso, foi uma campanha dirigida a toda a população e teve na sua origem o objetivo de propor uma reflexão pública entre o sector agrícola e toda a sociedade civil, com todos nós enquanto consumidores.

Numa primeira fase, procurámos aproximar a população dos principais desafios com que o sector agrícola se depara, concretamente, culturas que se encontram em maior risco e principais mitos ligados à alimentação. Num segundo momento, fomos testar o conhecimento da população portuguesa sobre esses mesmos mitos e percebemos, com os resultados obtidos, que existe um desconhecimento geral dos portugueses sobre alguns dos principais desafios colocados à atividade agrícola, o que manifesta também um claro afastamento entre consumidores e produtores. Este trabalho revelou-se especialmente pertinente e interessante, do ponto de vista da estratégia de comunicação do sector, que precisa de ser cada vez mais de dentro para fora. Os tempos difíceis que vivemos atualmente vieram também reforçar esta necessidade urgente de partilhar com a sociedade o trabalho dos produtores de alimentos, que continuam dia após dia a produzir, num negócio a céu aberto, e perante as adversidades de uma natureza que não para de nos surpreender.

 

GC – Sabendo-se que, por um lado, a quantidade de terra arável disponível não vai crescer (nem é desejável que cresça, pesando na destruição de florestas) e, por outro, que dada a pressão demográfica, terá natural tendência para se reduzir, como será possível produzir mais e melhor, com menos?

ALD – Otimizar. Se precisamos de produzir mais, preservando um terreno que não crescerá à medida da nossa vontade, teremos de rentabilizar ao máximo as ferramentas que a ciência coloca à disposição da agricultura moderna. Tendo como base fundamental a aplicação de medidas de mitigação e as boas práticas agrícolas, existem diversas estratégias que podem ser utilizadas pelos agricultores para combater os inimigos das culturas de forma eficaz, otimizando os resultados da produção e benefícios dos produtos fitofarmacêuticos, promovendo a manutenção da biodiversidade sem comprometer os terrenos e florestas.

Consciente do papel positivo que a indústria pode desempenhar neste processo, a ANIPLA tem implementado vários projetos que visam a adoção das melhores práticas agrícolas, estabelecendo o equilíbrio entre a produção necessária, a economia e a responsabilidade ambiental. A Smart Farm, a quinta inteligente de demonstração e implementação de boas práticas agrícolas recomendadas pela indústria fitofarmacêutica, é um bom exemplo disso, ao englobar o desenvolvimento de projetos que asseguram a proteção da água e do solo (projeto TOPPS) e a promoção da biodiversidade (Estação de Biodiversidade).

A Estação de Biodiversidade, na Smart Farm, é um dos melhores exemplos onde são demonstradas as melhores práticas a ser utilizadas pelos agricultores para combater os inimigos das culturas, otimizando os resultados da utilização de produtos fitofarmacêuticos. Algumas dessas práticas incluem as sementeiras das entrelinhas e bordaduras dos terrenos junto à cultura, com espécies atrativas aos polinizadores e não só. Estas estruturas são locais de proteção ambiental por excelência, que podem albergar uma enorme variedade de espécies, protegendo e melhorando as condições de infiltração da água no solo.

Manter ou construir estruturas ecológicas que representem habitat e alimento para os insetos auxiliares, entre eles os polinizadores, como, por exemplo, faixas que contenham espécies vegetais com flor ou abrigos, é outra das técnicas aconselhadas pela indústria. Estes habitats representam uma dupla mais-valia: por um lado, são benéficos para as espécies de insetos polinizadores e, por outro, para as culturas e para o ecossistema envolvente à exploração agrícola. No fundo, técnicas que a indústria desenvolve e promove e que podem, a longo prazo, ajudar-nos a produzir de forma consciente e sustentável, garantindo os resultados desejados e protegendo aquilo que mais nos preocupa: o ambiente.

 

GC – A corrida aos supermercados a que assistimos nas últimas semanas e a possibilidade de haver falta de alimentos trouxeram a agricultura novamente para o centro das atenções dos portugueses. Como é que devemos pensar também na nossa independência alimentar?

ALD – De facto, a pandemia que vivemos trouxe desafios acrescidos ao sector agroalimentar, que foi chamado a produzir mais alimentos, em menor tempo, e com uma articulação ainda maior entre produtores, logística e distribuição, sectores críticos e integrados na lógica de produtor/consumidor final.

Paralelamente, atendendo ao contexto que vivemos, as dificuldades ao nível das importações e exportações entre países vieram atribuir uma maior relevância à capacidade de cada país atingir a independência alimentar, ou seja, a capacidade de produzir integralmente todos os alimentos de que necessita. Ainda assim, interligados, estes três sectores garantiram que, até agora, foi possível controlar essa mesma corrida aos supermercados, assegurando um fornecimento diário de todo o tipo de produtos essenciais, facto que é de destacar.

Pensar em independência alimentar é um tema que tem atravessado décadas. Portugal deu passos muito importantes, sendo hoje o principal produtor e exportador de alguns produtos, como azeite, vinho e frutas. Contamos hoje com um maior aproveitamento do terreno arável, um nível de exploração mais eficiente (graças à inovação e tecnologia), com laboratórios de estudo e seleção de sementes ao serviço do sector agroalimentar, com infraestruturas de rega e preservação de habitats, como acima comentávamos. Otimizámos equipamentos, colocámos a computorização ao serviço da agricultura e, por isso, sentimos que, apesar do caminho ainda ser longo, com o tempo, temos dotado o sector das ferramentas que necessita para que, um dia, possa atingir essa independência. 

 

GC – O paradigma da missão da agricultura está a mudar? É a adoção e reforço de práticas sustentáveis que marcará o futuro do sector?

ALD – Não é só o paradigma da missão da agricultura que está a mudar. O do agricultor também. Uma tendência para a desinformação e uma visão errada sobre as suas práticas e atuação, sobretudo quando falamos da aplicação de produtos fitofarmacêuticos, adensa uma visão distorcida do sector e do seu verdadeiro papel enquanto produtor de alimentos.

A extensão que ganham fenómenos como a quimiofobia ou a luta convencional versus biológicos tem que ser travada, através de uma comunicação que acontece a uma só voz e que partilha com o mundo o que está verdadeiramente a acontecer: retirada de substâncias ativas no mercado (sem substitutos), aparecimento crescente de novas pragas e um alerta urgente para compreender a importância e contribuição das plantas na preservação dos ecossistemas.

Sem dúvida que o reforço de práticas sustentáveis e o constante relembrar das mesmas são a mais poderosa ferramenta que ciência, governos, produtores e todos os restantes envolvidos têm ao seu dispor na defesa da sustentabilidade. O grande desafio é comum a todo o planeta: garantir alimentos para sete biliões de habitantes, um número que continuará a crescer. Como produzir alimentos para todos, sem esgotar os recursos naturais do planeta e garantindo a sobrevivência das espécies, é a maior de todas as interrogações, para as quais a ciência, tecnologia e inovação têm prestado um incrível contributo. Garantir alimentos suficientes para sete biliões hoje e 10 biliões de habitantes amanhã será a grande corrida para todo o planeta. Que não está assim tão longe, é já em 2050.

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