“Entre os portugueses impera o preço riscado”

Ana Paula Barbosa

Portugal e Espanha têm consumidores bem diferentes. Apesar da economia de ambos estar a recuperar e se assistir ao aumento da confiança dos consumidores, paralelo ao crescimento do mercado de grande consumo, a Nielsen, no estudo “Descobrindo o comprador ibérico” assinalou as principais diferenças entre estes dois “shoppers”. Nomeadamente, que os espanhóis são “smartshoppers” enquanto os portugueses se rendem às promoções. Ana Paula Barbosa, Retailer Services Director da Nielsen, garante que os portugueses são autênticos “promo-lovers” porque, também, é esse o mercado presente no país. Um mercado de intensidade atividade promocional, altamente influenciado pela oferta das insígnias e marcas.

 

Grande Consumo – A Nielsen lançou em Espanha um estudo onde faz um comparativo dos consumidores portugueses e espanhóis, onde define que os portugueses são “promo-lovers” e os espanhóis são “smartshoppers”. O que está na base da distinção entre os consumidores dos dois países?

Ana Paula Barbosa – O que está na base é, principalmente, a situação que se vive em Portugal, relativamente à questão das promoções. Temos, em Portugal, um “shopper” que é oportunista, que aproveita o contexto. E o contexto é de forte atividade promocional, ao contrário de Espanha. Isto, logo à partida, condiciona um pouco à atitude do “shopper” português face às compras. Como em Espanha não há esse contexto de intensiva atividade promocional, não se verifica este comportamento. Isto tudo está muito influenciado pela oferta.

 

GC – Em que mais diferem portugueses e espanhóis no que ao consumo de bens de grande consumo diz respeito e aos formatos de loja preferidos?

APB – Existem diferenças culturais entre os “shoppers” português e espanhol. Não têm uma forma muito semelhante de gastar dinheiro. Por exemplo, mesmo em termos de áreas de consumo, o “shopper” espanhol dedica uma parte maior do seu orçamento a consumo ou entretenimento fora de casa. Enquanto o português, que tem vindo a aumentar esse consumo, tradicionalmente, tem sempre valores abaixo do consumidor espanhol. Em termos de consumo, também há diferenças que têm a ver com aquilo que se consome. Na alimentação, por exemplo, muito mais do que nas outras categorias, há diferenças que têm a ver com os hábitos de consumo do país.

Mas também existem muitas semelhanças, não só com o consumidor espanhol, como também com os outros países, que é a procura de conveniência, o apreciar de produtos mais premium e mais qualitativos, a procura de um preço justo para o valor do produto, a procura de produtos saudáveis. Tudo isso são áreas comuns e que se aplicam tanto a um “shopper” quanto ao outro.

Em termos de formatos de loja, está relacionado com a oferta retalhista. Vamos verificando, ao longo dos anos, que muitos comportamentos são influenciados não só pelo contexto económico ou pelas questões culturais, mas também pela oferta retalhista ou até de marcas. Quando surgiram os primeiros hipermercados em Portugal, disse-se que o português gostava de hipermercados, que era novidade. Surgiram depois os formatos discount, e disse-se que o português gostava de discount e gostava muito de marca própria, porque também estas lojas incentivaram o crescimento das marcas próprias. Agora, estão a crescer os supermercados de proximidade e diz-se que os portugueses gostam de proximidade.

Estamos numa fase em que os portugueses gostam muito de promoção. Gostam, de facto, porque há uma oferta muito grande. Temos que relativizar um pouco aquilo que é intrínseco do “shopper” e aquilo que é influenciado por fatores externos.

 

GC – O estudo indica que 46% das vendas de grande consumo no mercado português são feitas em promoção, enquanto em Espanha são 16%. O que poderá justificar que o investimento promocional do país seja tão superior ao registado em Espanha?

APB – Em Portugal, até há uns anos atrás, havia menos organizações retalhistas a apostar nas promoções. A partir de dada altura, começou a haver uma intensificação da oferta promocional. Isto coincidiu com uma época de crise, portanto, o facto de se ter apostado mais em promoções, a partir de 2012, também teve a ver com a conjuntura económica.

O que aconteceu em Portugal é que, a partir do momento em que começa a haver essa escalada, é difícil sair deste ciclo. A partir do momento em que tanto as marcas como as insígnias apostam muito em promoções, se deixam de apostar, já sabem que vão ter uma consequência direta nas suas vendas. Tendo entrado neste “jogo”, marcou-se uma diferença muito grande face aos outros países que não tiveram este processo.

 

GC – É uma tendência que se tem vindo a acentuar, manter ou esbater? É possível atingir-se um teto máximo no que à intensidade promocional diz respeito?

APB – Não faço conjunturas porque, sempre que dizemos que já estamos no limite, verificamos que continua a haver crescimento na atividade promocional. Estes 46% são um dado muito geral. Estamos a falar de percentagem de vendas que são feitas com promoção. Depois, há outro dado, que nós não temos, mas que também influencia, que é a profundidade dos descontos que são dados.

Para já, a intensidade promocional vai manter-se por causa destas questões concorrenciais e porque o consumidor está mesmo à espera da promoção para comprar muitos produtos. Mas pode haver, e nós recomendamos que haja, maior criatividade nas dinâmicas promocionais. Ou seja, em vez de estar a dar um desconto direto, seja qual for a quantidade comprada, haver dinâmicas diferentes, inclusivamente dinâmicas que possam surpreender o “shopper”. Porque, hoje em dia, já é tudo muito expectável e já estamos a banalizar de tal maneira o desconto no preço que deixa de ter um efeito incremental.

 

GC – Um outro estudo da Nielsen, o Shopper Trends, revelou que apenas 3% dos portugueses assumem que as promoções raramente influenciam as suas escolhas no que às marcas diz respeito. Quer isto dizer que os portugueses são mais viciados em promoções do que os seus vizinhos europeus ou limitam-se a aproveitar a oferta promocional, mais intensa no seu país do que nos outros mercados?

APB – É a questão de serem oportunistas. Há promoção, por isso, vão aproveitar. Isto está a ser um problema para as marcas também, porque verificamos que o “shopper” está menos leal às marcas. Há um grupo que diz que só compra a sua marca preferida em promoção, mas há um grupo muito grande que compra em promoção seja qual for a marca e varia de marca por causa da promoção. Isso distingue o consumidor português dos outros consumidores e é problemático em termos de lealdade às marcas.

 

GC – Esta “febre” pelas promoções leva a que o conhecimento sobre preços por parte dos portugueses seja inferior e esteja mais distorcido? Em que medida diferem os portugueses dos espanhóis quanto a este aspeto?

APB – Entre os portugueses impera o preço riscado. Em Portugal, nós, como consumidores, muitas vezes acabamos por olhar para o preço riscado e ver se a oferta é suficientemente interessante, mas perdemos a noção do preço base. Enquanto que os espanhóis estão muito mais habituados a ver um preço mais regular. O preço regular em Espanha ainda tem um significado. Em Portugal, com tanta promoção e tanto preço riscado, perde-se um pouco a noção do preço dos produtos.

 

GC – Será possível os portugueses virem novamente a ter uma real noção do preço regular de cada produto?

APB – Sim, desde que as insígnias e as marcas comecem a fazer outro tipo de promoções sem ser desconto puro de preço e direto. Enquanto não houver essa mudança, vamos continuar a ter esta situação.

 

GC – O estudo sobre o “shopper” ibérico revela ainda que, enquanto os espanhóis planificam e vão às compras munidos de uma lista, os portugueses vão de travão de mão e com um orçamento definido, embora façam uma compra mais improvisada. De que modo este comportamento influencia as compras por impulso em Portugal e a experimentação de marcas e produtos novos?

APB – Esta planificação e o facto de os portugueses tomarem muitas decisões no ponto de venda também tem a ver com a atividade promocional. Ou seja, eu sei que preciso de comprar uma determinada categoria, mas só quando chego à loja é que eu vou decidir. Inclusivamente, há quem faça ementas em função das promoções da semana. Portanto, muitas das decisões, resultado deste contexto promocional, são tomadas na loja.

Os portugueses gostam de ofertas novas e de produtos novos e essa tendência vai crescer no futuro, até pela questão dos Millennials, que gostam de experimentar produtos novos mais do que qualquer outra geração. Se calhar não gostam mais porque, em Portugal, há uma oferta grande de promoções que tende a não dar tanta visibilidade à inovação. Quando um “shopper” entra numa loja já a pensar na promoção, se calhar, não está tão desperto para a questão da inovação, como o “shopper” espanhol.

No fundo, um consumidor quer ser surpreendido quando entra numa loja, quer seja o espanhol ou o português. O português entra com a ideia de ver o que há de promoções, enquanto o espanhol, como não está tão habituado a ter promoções, está mais desperto à questão dos produtos novos.

A promoção é uma boa forma de promover produtos novos, o que nós também relembramos aos nossos clientes. É preciso voltar àquilo que é a função principal de uma promoção. Seja comprar mais quantidade de produto, que hoje em dia quase que já não acontece porque há um desconto seja qual for a quantidade comprada, ou divulgar um produto novo e levar à experimentação.

Em Portugal, há muito espaço para a inovação. Quando há uma inovação, o consumidor português é um consumidor muito interessante. Mesmo pensando fora da área do grande consumo, tudo o que seja inovações que vieram de fora, desde robots de cozinha, máquinas de café expresso em casa ou produtos mais premium, encontra um consumidor português muito aberto.

 

GC – Podem as promoções ser um mecanismo para promover essa experimentação? De que modo podem jogar a favor de trazer valor para as categorias?

APB – Estamos num contexto em que o consumidor está mais confiante, está disposto a gastar mais por produtos que lhe tragam valor acrescentado e que tenham um atributo percecionado como positivo. É o momento certo para tirar partido deste contexto promocional e desta procura pelas promoções para promover produtos mais premium. Isto já acontece em algumas categorias e é uma forma dos retalhistas e marcas não deixarem de fazer promoção, mas de fazerem as promoções de uma forma que lhes traga mais valor, que é isso que se pretende.

 

GC – O estudo comparativo indica também que um dos aspetos que melhor definem o consumidor português é o gosto por fazer compras. Esse aspeto pode estar na base da hegemonia das lojas físicas e da pouca representatividade do e-commerce no nosso país, no que ao grande consumo diz respeito?

APBA oferta de e-commerce em Portugal é reduzida, ou seja, não está ainda completamente desenvolvida. Temos como “players” relevantes cadeias de hipermercados e supermercados existentes que têm lojas físicas. Não temos lojas puramente online com um peso relevante, em Portugal. E a verdade é que o consumidor português gosta de ir às compras na loja física, principalmente para comprar produtos frescos.

O e-commerce depende de vários fatores. Está relacionado com o desenvolvimento do próprio país e do acesso à Internet – e em Portugal estamos muito bem posicionados nesse aspeto –, assim como com a propensão do consumidor de comprar online e com a oferta.

A propensão para o português comprar online existe, porque se o português já compra muito online em categorias não alimentares, é porque já tem essa predisposição. Se não compra online produtos alimentares, se ainda está pouco disponível para comprar, é porque existem alguns bloqueios e temos que perceber o que está aqui a impedir essa compra. Nos estudos que fizemos, já identificámos, para além da oferta, alguns fatores que podem ser um travão, que vão desde as opções de entrega, o custo da entrega e as modalidades que existem. Notamos que algumas organizações até já estão a fazer avanços bastante interessantes a nível das opções de entrega e da flexibilidade, mas também julgamos que não são devidamente comunicadas ao consumidor e nem toda a gente sabe que já estão disponíveis. As organizações têm que fazer um esforço e um investimento em termos de comunicação.

Mas estamos convencidos que há um potencial enorme de crescimento do online em Portugal. Este valor também tem que ser relativizado e só por si não significa que não há espaço para o online. Ainda há muito por fazer em Portugal.

 

GC – Com a conveniência a ser uma das grandes tendências do momento, perspetiva-se que esta situação possa mudar no curto prazo?

APB – Sim, tem é que ser realmente conveniente. Se eu precisar de estar muitas horas em casa à espera de uma compra, deixa de ser conveniente. Se eu não tiver uma experiência interessante com um bom processo rápido e fácil, deixa de ser conveniente. O online tem questões próprias, a conveniência do online é diferente da conveniência da loja física, que também está a crescer imenso. É preciso entender completamente quais são as expectativas do consumidor e tentar ir por esse caminho.

 

GC – Portugueses e espanhóis procuram pela conveniência do mesmo modo ou apresentam necessidades específicas, ao nível dos formatos de loja, dos produtos, das embalagens e dos serviços?

APB – Os consumidores, normalmente, não têm um formato de loja preferido identificado. O que existe são missões de compra, que o consumidor tem em diferentes momentos do seu dia-a-dia. A partir daí, é que escolhe o tipo de loja onde vai fazer as suas compras e isso acontece em todos os países. Se tiverem necessidade de maior variedade ou de fazer uma compra grande, vão a uma loja maior. E se tiverem uma necessidade de momento, de comprar ingredientes para preparar o seu jantar, vão optar por uma loja mais pequena ou por um formato mais próximo. Isto é transversal a Portugal e Espanha.

 

GC – Já abordámos os aspetos que separam o “shopper” português do espanhol. Afinal de contas, o que os une? Que características partilham?

APB – Os consumidores, tanto os portugueses quanto os espanhóis, gostam de fazer uma compra inteligente. Do lado espanhol, traduz-se por ter um conhecimento dos preços e saber comprar de forma inteligente; do lado português, é aproveitar as promoções ao máximo para conseguir rentabilizar a compra. Ambos gostam de ofertas personalizadas, de produtos que tenham um valor acrescentado e de produtos premium e, se conseguirem comprar esses produtos a um preço acessível, melhor ainda.

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