“É certo que somos uma multinacional, mas somos Lidl Portugal”

Com o objetivo de reforçar o seu compromisso no apoio à produção nacional, o Lidl lançou a segunda edição da iniciativa Da Minha Terra, dando a mais produtores portugueses a oportunidade de terem os seus produtos comercializados nas lojas da insígnia. Tendo sido lançada no final de setembro de 2020, na sequência do contexto provocado pela pandemia, que criou sérias dificuldades aos pequenos produtores, a iniciativa apoiou, na sua primeira edição, 35 produtores. De acordo com os dados disponibilizados, alguns, como a Casa Benjamim, em Torres Vedras, a Liccicookies, em Trás-os-Montes, ou a Casa Paixão, em Serpa, aumentaram substancialmente a sua faturação, em mais de 400% cada um. Alexandra Borges, diretora geral de compras do Lidl Portugal, considera que o feedback obtido é demonstrativo do impacto do programa, que tem permitido a muitos pequenos produtores algo tão fundamental como a sua própria sobrevivência.

Grande Consumo – O Lidl encontra-se, presentemente, a promover a fase de candidaturas da segunda edição da iniciativa Da Minha Terra. Que balanço pode fazer da primeira edição? Atingiu os objetivos a que se propôs?

Alexandra Borges – O Da Minha Terra, como já sobejamente falado, é uma iniciativa do Lidl Portugal, lançada no ano passado, para promover a produção nacional e para apoiar os pequenos produtores que viram os seus negócios muito afetados pela pandemia e pela situação difícil que se viveu, e que estamos ainda a viver. Surgiu, então, este projeto, no sentido de estabelecermos um canal muito direto com os pequenos produtores, que normalmente não conseguem chegar, ou consideram que é difícil chegar, a uma multinacional como o Lidl. Em apenas um mês, recebemos cerca de 180 candidaturas e selecionámos 70 produtores para nos apresentarem os seus artigos no Pitch Day. Destes 70, selecionámos 35 novos fornecedores e demos entrada no nosso sortido de 46 novos artigos regionais.

Penso que é muito importante ressalvar que mantivemos sempre estes artigos com o selo Da Minha Terra, para dar a conhecer que é um projeto do Lidl com os pequenos produtores. O que realmente pretendemos foi dar a conhecer o nome dos produtores e dos artigos, para que os consumidores os possam também reconhecer nas pequenas lojas. Portanto, a marca e o nome do produtor são sempre mantidos.

O feedback que recebemos dos nossos fornecedores foi extraordinário. Mais importante do que que todos os números de que possamos aqui falar, e que são naturalmente interessantes para nós e para os parceiros, é precisamente todo este feedback. Muitos dos fornecedores viram aumentar a sua faturação, e alguns deles cerca de 400%, mas asseguraram, sobretudo, a possibilidade de se manterem no ativo. Temos fornecedores, como a Casa Paixão, em Serpa, que pensavam em fechar portas, porque a situação era insustentável. O facto de ter chegado às lojas Lidl não só permitiu manter aberto um negócio familiar, que já vem desde a avó da atual proprietária, como contratar mais pessoas e já estão a procurar novas instalações.

O interessante é que o nosso impacto não é só no próprio produtor em questão, mas também nos produtores regionais à sua volta. Muitos deles aumentaram as suas compras de matéria-prima nacional, porque é isso que nós privilegiamos neste projeto, e muitos deles em cerca de 25% as suas compras de produtos locais. Houve um efeito de contágio, também ao nível da criação de emprego. A média de novas contratações anda à volta de 47%.

As nossas lojas tiveram, e continuam a ter, um papel muito ativo. No ano passado, as candidaturas estiveram abertas sensivelmente um mês. Este ano, por mais de tempo, de 25 de outubro a 31 de dezembro. O pequeno produtor só tem que se inscrever através do nosso site, mas temos aqui também um fator recrutador muito importante, que são os nossos colegas das lojas. Estamos em mais de 265 pontos de venda e estes colaboradores, que são quem realmente escuta diretamente o nosso consumidor, têm a possibilidade de recomendar artigos. Pelo que o Da Minha Terra é, no fundo, um projeto de mais de oito mil colaboradores.

 

GC – Com que expectativas partiram para a segunda edição? Mudaram alguns aspetos face à edição de arranque? Procuram por novas categorias, por exemplo?

AB – No ano passado, tínhamos o projeto aberto apenas a quatro categorias: queijos, bolos, doces e charcutaria. Este ano, é transversal a qualquer categoria, exceto frutas e legumes, que exigem um contacto muito mais local e praticamente diário, envolvendo também outra logística.

O impacto da iniciativa de 2020 foi tão positivo nestes pequenos produtores – muitos deles nem sequer tinham, alguma vez, posto os seus produtos em cima de uma palete – e este retorno extraordinário de aumentos de faturação, de novos postos de trabalho e de aumento de compra de matéria-prima local, que fazia todo o sentido dar esta oportunidade a mais parceiros. É também essa a missão do projeto, dar a conhecer e apoiar a produção nacional.

 

“O feedback que recebemos dos nossos fornecedores foi extraordinário. Mais importante do que que todos os números de que possamos aqui falar, e que são naturalmente interessantes para nós e para os parceiros, é precisamente todo este feedback. Muitos dos fornecedores viram aumentar a sua faturação, e alguns deles cerca de 400%, mas asseguraram, sobretudo, a possibilidade de se manterem no ativo”

 

GC – Este programa é uma boa rampa de lançamento para a exportação? Já há casos de produtos exportados para outras latitudes onde o Lidl está presente…

AB – O apoio à produção nacional não se faz só na esfera interna. Estamos presentes em mais de 30 países e o apoio à exportação é uma das missões que também assumimos, no sentido da continuidade do apoio à produção nacional. Temos ajudado a exportar uma série de produtos. Por exemplo, no ano passado, conseguimos exportar o atum de Santa Catarina ou o limão do Algarve. Não só estamos a exportar produtos nacionais, como também a indicar a origem e a falar do país.

Os números oficiais de 2020 serão apresentados muito em breve, mas, se não estou em erro, em 2019, ajudámos a exportar cerca de 150 milhões de euros, o que é, de facto, um número impactante. Em 2020, por exemplo, em março e em abril, aumentámos em 30% as exportações de frutas e legumes. Fazemos também campanhas identificativas de Portugal, sob a chancela das nossas ações temáticas.

 

GC – O Da Minha Terra um projeto sem número definido de novos produtores e produtos? Ou, como qualquer outro, não deixa de ter objetivos, sejam qualitativos ou quantitativos?

AB – O maior propósito deste projeto é, sem dúvida e sem falsas modéstias, apoiar a produção nacional. O facto é que temos nas nossas lojas um módulo de secos, com doces e charcutaria que não necessita de frio, e outro destinado à charcutaria de frio que se mantêm há um ano. Os artigos têm que ser positivos, quer para o Lidl como para o próprio produtor – nenhum gosta de ver os seus artigos numa prateleira de supermercado sem rotação -, que acompanha, juntamente connosco, as vendas. Como é um projeto muito querido de todos, vamos seguindo a performance dos artigos e falando com os fornecedores para encontrar soluções alternativas, quando as coisas não correm tão bem.

Mas estamos muito satisfeitos com o retorno, quer qualitativo, quer quantitativo, e sobretudo com as possibilidades de, a curto/médio prazo, exportar alguns desses artigos.

 

Alexandra Borges, diretora geral de compras do Lidl Portugal

 

GC – Este grande programa de apoio à produção nacional e local era a ferramenta que faltava ao Lidl Portugal para reforçar a sua ligação com as comunidades onde está presente?

AB – Era algo que faltava por todas estas missões que temos que estado a enumerar, por todo este apoio à exportação e por estarmos sempre na linha da frente no apoio a produção nacional. Respondemos positivamente quando, no ano passado, o Governo lançou o repto no sentido de se apoiar a produção de queijos, que estava a atravessar uma fase muito difícil, e conseguimos ter também quatro a cinco artigos novos.

Não diria que era o que nos faltava, mas sem dúvida que é um grande avanço e um projeto que muito nos orgulha, que dá continuidade a toda esta nossa missão de privilegiar os artigos de origem portuguesa.

 

GC – O que torna o Da Minha Terra distinto de outras iniciativas existentes de índole semelhante em cadeias concorrentes?

AB – É um projeto muito genuíno. Nasceu, efetivamente, de um “brainstorming” do que é que poderíamos fazer e da nossa responsabilidade, enquanto maior cadeia de distribuição europeia, já com uma presença muito sólida em Portugal. Até para desmistificar algumas ideias.

Trata-se de um projeto que não envolve um só departamento específico. Envolve o departamento de compras, o de comunicação, o de marketing, o de vendas, como braço armado na comunicação com o cliente. Portanto, acaba por ser um projeto que é transversal a toda a empresa e está latente em todo o colaborador do Lidl, porque todos temos o foco no apoio à produção nacional e aos produtos locais. Os nossos colegas que estão, por exemplo, na loja de Serpa têm um orgulho enorme de ver as suas queijadas da Casa da Paixão em mais de 100 lojas. E houvesse capacidade de produção e estariam listadas em mais.

E é um projeto honesto. O seu objetivo é tão só o apoio à produção nacional e a fornecedores que, muitos deles, estavam em situações críticas.

 

“É certo que somos uma multinacional, mas somos Lidl Portugal. Temos um país pequeno, na ‘cauda’ da Europa, pelo que temos de ajudar os produtores a conseguirem crescer e ganhar dimensão e escala. Hoje, estamos a dar a conhecer os vinhos extraordinários que temos em Portugal, seja das marcas de fornecedor, seja das marcas exclusivas. Estamos na altura do Natal e o nosso sortido Deluxe, que está disponível nas lojas dos 32 países onde estamos presentes, em Portugal, é composto por 50% de artigos portugueses”

 

GC – Há algum exemplo de algum produtor que vos tenham despertado particular satisfação em potenciar?

AB – A Casa Paixão é, de facto, um dos fornecedores que me ficou muito presente, porque estava no Pitch Day esse dia. Quando estava a dirigir-me à sala, cruzei-me com a proprietária com o seu filho de sete dias. Estava um dia horrível, em que chovia imenso. A senhora esteve a amamentar antes de apresentar os seus produtos. Isto só demonstra uma resiliência extraordinária. O negócio estava em risco de fechar e a senhora veio de Serpa, com o seu bebé recém-nascido, e enfrentou um júri de uma multinacional, a quem apresentou os seus artigos transmitindo todo o amor que coloca naquilo que faz.

Mas temos outros. A Casa Benjamim, por exemplo, aumentou a sua faturação em cerca de 400%. O Vale Pavão teve agora a capacidade de iniciar um novo centro logístico, para gerir toda a produção e distribuição. A Melmequer, também do Alentejo, criada por uma equipa muito jovem e que tem um produto extraordinário, em que o favo de mel está literalmente dentro do frasco.

 

Alexandra Borges, diretora geral de compras do Lidl Portugal

 

GC – A oferta do Lidl é conhecida pela forte presença de marcas exclusivas face ao número de marcas de fornecedores. O Da Minha Terra é uma forma concreta de reforçar a exclusividade dessa mesma oferta?

AB – Cerca de 85% do nosso sortido é marca própria. As marcas de fornecedor têm um peso importante na faturação e para o consumidor português, que procura e que está muito habituado a marcas. Estes 15% têm vindo a crescer.

O Da Minha Terra é a união perfeita entre a marca de produtor e marca do Lidl. Como mantivemos a marca e o nome do produtor, para realmente dar a conhecer os artigos, porque é importante que o consumidor os identifique em qualquer outro local, combinado com a identidade Da Minha Terra, que o cliente associa como sendo uma iniciativa nossa, faz a simbiose perfeita entre a marca de fornecedor e a marca do Lidl.

 

GC – Há espaço ainda para melhorar este canal aberto entre o Lidl e os pequenos e médios produtores?

AB – Há sempre espaço para melhorar. A primeira edição correu muitíssimo bem, com e-mail destacado do projeto, mas, depois, fomos percebendo que não basta enviar um e-mail. Todo esse canal tem que ser mantido, ao longo de todo o processo, principalmente, no sentido de ajudar os fornecedores em coisas tão simples como a colocação dos artigos em palete ou em caixa expositora. Notámos que existe uma necessidade de informação e de formação para estes pequenos produtores saberem como podem vingar e fazer singrar os seus artigos. Noto que existe aqui um potencial de melhoria grande na comunicação dos pequenos produtores com a distribuição, no seu geral.

O Da Minha Terra acaba por quebrar também alguns estigmas e mostrar que é possível os pequenos produtores fazerem negócios com uma multinacional e, internamente, tornou-nos mais ágeis no contacto com potenciais fornecedores.

 

GC – É responsabilidade dos grandes operadores de retalho de base alimentar promover a produção nacional, seja por intermédio das suas compras ou por programas desta natureza?

AB – Toda esta nossa vertente de apoio à produção nacional é transversal. Além da exportação e do Da Minha Terra, nas nossas lojas, também privilegiamos a origem. É assim com a nossa carne e com as frutas e legumes, por exemplo.

É certo que somos uma multinacional, mas somos Lidl Portugal. Temos um país pequeno, na “cauda” da Europa, pelo que temos de ajudar os produtores a conseguirem crescer e ganhar dimensão e escala. Hoje, estamos a dar a conhecer os vinhos extraordinários que temos em Portugal, seja das marcas de fornecedor, seja das marcas exclusivas. Estamos na altura do Natal e o nosso sortido Deluxe, que está disponível nas lojas dos 32 países onde estamos presentes, em Portugal, é composto por 50% de artigos portugueses. Foram desenvolvidos com fornecedores locais, trabalhados pela equipa de compras com os parceiros, e dá-nos um orgulho tremendo termos uma campanha tão forte como esta com artigos que são nossos.

Comecei a trabalhar no Lidl estava na faculdade, portanto, já lá vão 20 anos, pelo que acompanhei quase todo o seu percurso desde a sua chegada a Portugal e este crescente apoio aos artigos nacionais. É, naturalmente, um motivo de orgulho, assim como o facto dos nossos fornecedores estarem a ficar cada vez mais profissionalizados e a aceitarem os desafios que lançamos. Somos uma cadeia relativamente simples de trabalhar, temos requisitos básicos, como as caixas expositoras, somos muito de processos e temos um parâmetro que é inquestionável, que é a qualidade. Trabalhamos com certificações do mais avançado que há, mas, depois, temos realmente uma proximidade com os produtores e com os fornecedores muito genuína. E estes não se coíbem de nos pedir ajuda, se necessário. Isso é um valor acrescentado. No final do dia, os fornecedores sabem que somos exigentes e temos tolerância zero a nível de qualidade, mas que somos justos. Somos justos e estamos próximos dos parceiros. Isso é algo que nos distingue.

 

Este conteúdo foi publicado na edição N.º 72 da Grande Consumo.

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