Do campo a Bruxelas: a estratégia para proteger a batata europeia

Harvesting potatoes in Peru. Farmer selecting native potatoes from the Peruvian Andes.
Foto: Shutterstock

Na Europa, a batata é muito mais do que um alimento básico é um produto agrícola estratégico, com um peso relevante no comércio interno, na indústria alimentar e na segurança alimentar do continente. Contudo, o sector vive tempos de transformação e de incerteza. Entre crises climáticas que afetam colheitas, pressões regulatórias que redefinem práticas agrícolas e um mercado global cada vez mais competitivo, a resiliência depende de união e coordenação. É nesse cenário que a Europatat, a Associação Europeia de Comércio de Batata, se assume como uma peça central. Ao congregar produtores, comerciantes, exportadores e representantes nacionais de toda a Europa, cria um espaço neutro de diálogo e estratégia, onde países com realidades muito diferentes podem encontrar soluções comuns. Este ponto é crucial: sem uma estrutura como a Europatat, o sector europeu da batata seria apenas uma “colcha de retalhos” de interesses nacionais e empresariais, vulnerável a políticas erráticas, regras mal adaptadas e à concorrência internacional.

A batata continua a ser o quarto cultivo agrícola mais importante da União Europeia, mas está longe da estabilidade de outros tempos. Desde 2000, a produção caiu 36,7%, menos 27,9 milhões de toneladas em apenas duas décadas. Em 2023, a colheita chegou a 48,3 milhões de toneladas, ligeiramente acima de 2022, mas a tendência de longo prazo é de queda. O problema não é apenas quantidade: é conservação.

O clima instável dificulta o planeamento e agrava as perdas no campo. A restrições ao uso de fitossanitários, como a proibição do CIPC (clorprofame), usado para evitar a germinação durante o armazenamento, teve impacto imediato, especialmente em França, que antes abastecia o mercado europeu praticamente todo o ano. Enquanto alguns países (como Itália, que usava menta) sentiram pouco impacto, outros, como Espanha e Portugal, dependem mais das importações, pois a produção local não cobre todo o ano e, sem capacidade de armazenamento prolongado, a cadeia logística depende da coordenação entre diferentes origens.

A União Europeia enfrenta atualmente um défice na produção de batata, que é compensado por importações, especialmente no final do inverno e início da primavera, quando a colheita europeia ainda não está disponível. Importou batatas no valor de 356,3 milhões de euros em 2023, sendo que as batatas precoces representaram a maior parte das importações. França, Países Baixos e Alemanha foram os principais comerciantes de batata dentro da União Europeia, representando juntos uma grande parte das exportações intra-UE em termos de valor. França, sozinha, foi responsável por 30,4% das exportações intra-UE de batatas.

Mas a capacidade exportadora de França tem vindo a reduzir-se, abrindo espaço para fornecedores sazonais, como o Egito, Israel e, em menor escala, o Chipre, que preenchem temporariamente os vazios da oferta local durante os períodos críticos. Neste cenário, produtores, distribuidores e legisladores têm de lidar com um equilíbrio delicado entre qualidade, sustentabilidade e abastecimento contínuo, num mercado onde a cooperação internacional já não é opcional é vital.

 

Do Green Deal à competitividade

Durante anos, a política agrícola europeia foi marcada pelo Pacto Ecológico Europeu e pela estratégia Do Prado ao Prato, que fixava metas ambientais ambiciosas, incluindo a redução para metade do uso de pesticidas químicos. A visão era ecológica, mas, para muitos no sector, irrealista. A situação agrava-se com a lentidão regulatória: pedidos de aprovação de pesticidas biológicos “podem demorar mais de cinco anos”, travando a inovação.

A reação não tardou. Mobilizações agrícolas em vários países, combinadas com o impacto das eleições europeias, levaram a uma “mudança de tom” na Comissão Europeia, com uma nova direção que está mais focada em competitividade e simplificação regulatória, deixando em segundo plano a retórica ambiental mais rígida. Como resume Berta Redondo, secretária geral da Europatat, “a comissão anterior tinha metas ambiciosas, como reduzir em metade o uso de pesticidas químicos. Mas isso era insustentável nenhum país apoiou essa ideia. Agora, após as eleições europeias, há claramente uma mudança de tom. Já não se fala do Green Deal, já não se fala Do Prado ao Prato. Agora, fala-se de competitividade e de simplificação. O discurso passa para ‘vamos tentar assegurar que, se não houver soluções no mercado, então, um produto não é simplesmente retirado’”.

 

A batata continua a ser o quarto cultivo agrícola mais importante da UE, mas está longe da estabilidade de outros tempos. Desde 2000, a produção caiu 36,7%, menos 27,9 milhões de toneladas em apenas duas décadas. Em 2023, a colheita chegou a 48,3 milhões de toneladas, ligeiramente acima de 2022, mas a tendência de longo prazo é de queda

 

A nova abordagem promete acelerar a aprovação de soluções alternativas, como pesticidas biológicos, um ponto crítico para sectores como o da batata, que sofrem com a lentidão dos processos de homologação. “Hoje em dia, por exemplo, uma empresa que, em 2019, tenha iniciado o processo para registar um produto, ainda não o tem aprovado. A ideia é que este processo seja mais rápido, para facilitar a chegada ao mercado de novas soluções”, acrescenta.

Para a responsável, os maiores desafios que o sector enfrenta, ao nível da produção, são, efetivamente, as pragas e as alterações climáticas. “Estamos a ver pragas que antes existiam apenas no sul da Europa a subirem para o norte. Por exemplo, o alfilerillo e os wireworms. Na Áustria, por exemplo, já enfrentam grandes problemas com estes insetos. Isto acontece num momento em que há cada vez menos substâncias ativas disponíveis menos produtos para tratar estas pragas. No fim, o agricultor tem menos ferramentas para lidar com o problema”.

Berta Redondo, secretária geral da Europatat
Berta Redondo, secretária geral da Europatat, destaca o papel estruturante da Europatat, sem o qual o sector europeu da batata seria uma colcha de retalhos de interesses nacionais e empresariais

 

O novo discurso representa uma mudança estratégica para a agricultura europeia. Em vez de impor cortes drásticos sem substitutos, a política passa a considerar o impacto económico e operacional nas cadeias de produção e abastecimento.

É neste cenário que a Europatat, a Associação Europeia de Comércio de Batata, se assume como uma peça central. Ao congregar produtores, comerciantes, exportadores e representantes nacionais de toda a Europa, cria um espaço neutro de diálogo e estratégia, onde países com realidades muito diferentes podem encontrar soluções comuns. “Na Europatat, não fazemos lobby por uma substância específica, porque acreditamos que isso é trabalho dos fabricantes ou produtores. Mas defendemos uma regra clara: não se podem retirar produtos do mercado de um dia para o outro sem que exista um substituto funcional. Não estamos a falar de substitutos ‘naturais’, mas de algo que realmente funcione. Por exemplo, para o alfilerillo, neste momento, não existe nada eficaz. Algumas alternativas biológicas estão a ser testadas, mas ainda não há soluções verdadeiramente eficazes. Este é um desafio muito importante para o sector”.

 

A União Europeia enfrenta atualmente um défice na produção de batata, que é compensado por importações, especialmente no final do inverno e início da primavera, quando a colheita europeia ainda não está disponível. Importou batatas no valor de 356,3 milhões de euros em 2023, sendo que as batatas precoces representaram a maior parte das importações

 

Representar o sector

Fundada em 1952, a Europatat é a principal plataforma representativa do sector de comércio de batatas tanto para consumo como para semente a nível europeu, atuando como elo de ligação entre produtores, comerciantes e instituições europeias. Está sediada em Bruxelas e congrega hoje 71 membros em mais de 20 países, incluindo Portugal (Porbatata), através de 19 associações nacionais, 44 empresas e oito membros associados. Juntos, estes membros representam mais de 80% da produção total de batata na Europa.

A Europatat tem como missão representar, promover e defender os interesses do comércio de batata de semente e de consumo no espaço europeu e internacional. Para isso, aposta em três pilares: lobby e representação junto das instituições da União Europeia, coordenação e partilha de informação entre membros e promoção e educação sobre os benefícios da batata, tanto para consumidores como para decisores políticos.

No contexto atual marcado por alterações climáticas, desafios regulatórios e mudanças no consumo —, a associação desempenha um papel vital na defesa de políticas pragmáticas. Mas não é apenas uma entidade de lobby: é um ponto de encontro para resolver problemas coletivos. Como resume Berta Redondo, “quando as pessoas vêm à Europatat, vêm com o espírito de ‘temos um problema – vamos encontrar uma solução juntos’”.

 

Durante anos, a política agrícola europeia foi marcada pelo Pacto Ecológico Europeu e pela estratégia Do Prado ao Prato, que fixava metas ambientais ambiciosas, incluindo a redução para metade do uso de pesticidas químicos. A visão era ecológica, mas, para muitos no sector, irrealista

 

Atualmente, a associação estrutura o seu trabalho através de cinco comissões permanentes, cada uma dedicada a um segmento ou desafio específico do sector da batata: batatas de semente, batatas para consumo, sustentabilidade, assuntos técnicos e regulatórios e RUCIP. Estas comissões discutem tudo, desde novas regras de rotulagem a soluções biológicas inovadoras, legislação sanitária e estratégias de promoção ao consumidor, funcionando como centros operacionais, onde representantes de associações e empresas-membro discutem problemas, alinham posições e desenvolvem soluções conjuntas. “O RUCIP é um sistema de arbitragem específico para o sector da batata. Quando duas empresas um produtor, um embalador ou uma empresa de sementes fazem uma transação de batatas, podem incluir uma cláusula, assegurando que algum problema ou mal-entendido é resolvido através do RUCIP. Ou seja, em vez de ir a um tribunal normal, organizamos um processo de arbitragem, com um painel de árbitros e peritos especializados no sector da batata, que é uma boa forma de garantir que o caso é analisado por quem entende do sector e também é muito mais barato do que ir para os tribunais”, explica a responsável.

 

Manter a batata europeia viva

Num sector agrícola pressionado por crises climáticas, volatilidade de preços e regulamentações cada vez mais complexas, a fragmentação seria uma sentença de vulnerabilidade. Sem uma estrutura coordenadora, o mercado europeu da batata correria o risco de se transformar num mosaico disperso de interesses nacionais, sujeito a políticas erráticas, normas pouco ajustadas e à concorrência feroz de países terceiros.

A Europatat é essa voz. Não cultiva, não embala e não exporta, mas garante que todos aqueles que o fazem possam continuar, com regras claras, previsibilidade e uma estratégia partilhada a nível europeu.

O papel da associação vai muito além da representação política. Para economias onde a batata não tem o peso político de outras culturas — como Portugal — esta rede é uma alavanca estratégica, amplificando a influência e a capacidade de negociação junto da Comissão Europeia.

 

No contexto atual — marcado por alterações climáticas, desafios regulatórios e mudanças no consumo —, a associação desempenha um papel vital na defesa de políticas pragmáticas. Mas não é apenas uma entidade de lobby: é um ponto de encontro para resolver problemas coletivos

 

Novas regras ambientais exigem adaptações rápidas e consumidores cada vez mais atentos pedem transparência e sustentabilidade, logo, a coesão torna-se indispensável. A Europatat fornece não só dados e análises atualizadas, mas também um enquadramento para que produtores, comerciantes e embaladores consigam antecipar tendências e responder de forma coordenada. “Na comissão de sustentabilidade, que foi criada há três anos, reunimos todos os membros é o que chamamos de uma comissão horizontal e falamos de tudo o que este tema pode afetar, desde a produção até ao transporte, às embalagens, ao consumo de água. Analisamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e identificamos quais seriam os mais relevantes para o nosso sector e de que forma as empresas podem agir. A ideia é dar-lhes uma noção de onde podem olhar e atuar”, explica Berta Redondo.

A Europatat tem membros com dimensões muito diferentes, desde grandes empresas multinacionais, como as principais casas de sementes, a empresas muito pequenas, familiares, com três ou quatro pessoas. Hoje, mais do que uma associação, a Europatat é a coluna vertebral de um sector que alimenta milhões, gera milhares de empregos e, com visão e resiliência, continuará a crescer no competitivo mercado global. No fim, o futuro da batata europeia decide-se tanto nos campos como nas mesas de negociação em Bruxelas e, em ambos, a cooperação é a chave.

 

Este artigo foi publicado na edição N.º 94 da Grande Consumo

 

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Por Bárbara Sousa

I am a journalist and news editor with eight years of experience in
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