Das cestas de sobrevivência às cestas de contingência

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Marta Santos, Manufacturers Sector Director da Kantar

Antes do confinamento devido à Covid-19, o padrão de compra dos portugueses já tinha começado a mudar, privilegiando a intensidade do ato de compra, ao invés da regularidade, exatamente o oposto do que vinha a ocorrer em 2019. Entre o período de confirmação do primeiro caso e a declaração do estado de emergência, registou-se uma enorme afluência às lojas, que se foi desvanecendo com o avançar das semanas. Das cestas de sobrevivência, no início, passámos para cestas de contingência, com o decorrer do tempo. Quais os desafios que se seguirão com o regresso à normalidade possível? Haverá novos comportamentos de consumo? Que novas dinâmicas irão ocorrer na distribuição? Estas são questões que ainda carecem de resposta, que terá de ser encontrada a cada dia, dada a imprevisibilidade dos tempos que vivemos. Mas olhar para o que foram estes primeiros dois meses pode ajudar a projetar os meses futuros.

 

No mais recente estudo Kantar de acompanhamento da opinião dos portugueses sobre a crise provocada pela Covid-19, aplicado entre os dias 27 e 30 de março de 2020, o número de pessoas que afirma uma elevada preocupação com a pandemia subiu de 81% para 90% (percentagem de respostas com a classificação de 8 ou mais, numa escala de 0 a 10). Este aumento de preocupação com a atual crise não se deve tanto ao possível contágio ou à compra de máscaras e desinfetantes, mas sim com o impacto negativo na economia (68%, mais 12 pontos percentuais versus a primeira vaga), o possível colapso da Segurança Social (34%, mais nove pontos percentuais versus a primeira vaga) e a perda de emprego (20%, mais 10 pontos percentuais versus a primeira vaga).

 

Semana de confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em território nacional

No dia 2 de março, foram confirmados os primeiros casos em Portugal e a resposta dos portugueses não poderia ter sido mais pronta. No dia seguinte, verificou-se a maior afluência às lojas de 2020 (até à data), uma presença de compradores 51% acima da média diária verificada durante este ano, um cenário bastante atípico, sobretudo por se tratar de um dia de semana, deixando bem marcada a sua preocupação face à ameaça do vírus.

Desde o dia 3 de março até ao final dessa semana, apesar de se ter verificado um aumento natural na compra de produtos alimentares, o principal objetivo desta compra foi, sobretudo, produtos de higienização, tanto para o lar como para cuidado pessoal, que registaram um número de produtos comprados 23% e 22%, respetivamente, acima da média semanal verificada até ao final do mês de fevereiro. No geral, do dia 3 ao dia 8 (domingo), foi registado um aumento no número total de produtos comprados para os lares na ordem dos 19%.

 

Semana em que a Covid-19 foi declarada como pandemia

Apesar do pico atípico de afluência verificado no dia 3, foi na segunda semana de março que se verificaram as mudanças mais consistentes na compra e que maior impacto tiveram no panorama dos Fast Moving Consumer Goods (FMCG) em Portugal, mais precisamente a partir do dia 11 de março, quando a Covid-19 foi declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pandemia.

Do dia 11 ao dia 14, dia anterior à declaração das restrições no acesso e na afetação dos espaços nos estabelecimentos, verificou-se uma nova “onda” de deslocações às lojas. Neste período, a afluência de compradores esteve 24% acima da média diária de 2020. Com o número de recomendações para a permanência dentro de casa a expandir-se, os portugueses foram aumentando consideravelmente o tamanho da cesta por compra, sendo que, desta vez, o alvo principal não foram só os produtos de limpeza, mas também a procura pelo armazenamento alimentar, com um registo do número de produtos comprados 49% e 37%, respetivamente, acima da média “pré Covid-19” (até ao final do mês de fevereiro). Neste espaço de tempo, a quantidade diária de produtos comprados esteve 45% acima da média anual, representando, assim, o grande momento de stockagem das famílias portuguesas.

 

Das restrições ao acesso de estabelecimentos até à declaração do estado de emergência

A partir do dia 15 de março, quando o acesso às lojas foi restringido, ao mesmo nível que a afluência às lojas ia diminuindo consideravelmente, o tamanho das cestas aumentava na mesma proporção. Porém, nesta altura, deixaram de ser batidos recordes de compras e sentia-se o prenúncio da esperada retração, após a intensa procura verificada nas duas semanas anteriores.

Prenúncio esse que foi efetivado a partir do dia 19, o dia seguinte à decretação do estado de emergência em Portugal. A afluência às lojas diminuiu drasticamente para os valores mais baixos de 2020 (até à data), tendo mesmo chegado no domingo, dia 22, ao nível de compradores mais baixo do ano, 42% abaixo da média diária do ano. Embora com uma grande diferença, o tamanho de cada cesta, nesta data, atingiu níveis máximos, mas mesmo assim foi inevitável a quebra abrupta das compras de FMCG.

No cômputo geral, da terceira semana após a confirmação do primeiro caso do vírus, o saldo total de produtos comprados ficou na média, face ao período pré Covid-19, porém, numa tendência clara de decrescimento que se poderá agravar nas próximas semanas, até se encontrar um novo equilíbrio no padrão de compra.

 

 

Cesta de sobrevivência

O que conseguimos, igualmente, retirar destas semanas é a “cesta de sobrevivência” dos portugueses, os produtos que foram priorizados neste momento de crise, onde não existiu tempo para um planeamento de compras muito antecipado. Quando comparadas as cestas de compra pré e pós Covid-19, dentro da alimentação, nas duas primeiras semanas, a aquisição de produtos frescos (sobretudo as frutas, as verduras e a carne) foi altamente prioritária. Porém, a menor capacidade de reposição face à procura fez com que nem todos os lares tenham tido o mesmo nível de acesso a estes produtos, resultando que, no global destas três semanas, a compra de produtos frescos tenha ficado na média face ao período antes da crise.

De forma mais consistente, surgiu a procura de produtos básicos e de longa duração, destacando-se, como principais, as leguminosas, sobretudo grão e feijão, farinhas, peixes e legumes em conserva, massa e, num segundo plano, arroz, azeite, vinagre, sal, açúcar, bolachas e produtos congelados, desde salgados e verduras até à carne e peixe. Percebemos também a importância dos produtos básicos e de limpeza e higiene, sobretudo luvas domésticas/descartáveis, detergentes para roupa, lixívia e produtos de papel no geral, não só o papel higiénico, mas também lenços, rolos de cozinha e guardanapos. Sabonetes e fraldas foram as grandes prioridades na área da higiene pessoal.

 

Semanas de 22 de março a 5 de abril: surgimento de uma nova rotina de compra, a de contingência

Esta nova rotina rege-se pelo princípio da contingência, que implica ir às compras o menor número de vezes possível (no dia 5 abril, foi atingido um novo valor mínimo anual) e levar uma maior quantidade de produtos por cesta (registando o seu máximo de 2020 no dia 4 de abril), que evite a repetição da compra num curto espaço de tempo.

Em relação à procura pelo canal online, que, até ao dia 20 de março, 10% dos portugueses já afirmavam estar a comprar mais neste canal, revela agora uma intenção de aumento de compra por parte de 17%, quando se fala em produtos alimentares.

Estas foram as semanas em que abrandou a compra de produtos de higiene e limpeza e em que existiu uma maior dedicação do orçamento familiar ao abastecimento alimentar. As visitas nesta quarta e quinta semanas de período Covid-19, comparando com as três semanas anteriores, destacaram-se mais pela compra de produtos que permitam uma dose extra de prazer e conforto. Numa altura em que estamos privados de momentos de lazer e de socialização no exterior, ganham um particular destaque os doces e produtos para se confecionarem doces, assim como as bebidas alcoólicas, mas também alimentação congelada, desde a carne congelada até às refeições prontas congeladas.

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