As compras dos europeus no novo normal

Asian deliver man wearing face mask in red uniform handling bag of food, fruit, vegetable give to female costumer in front of the house. Postman and express grocery delivery service during covid19.
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Com a pandemia de Covid-19 a persistir, os dados da McKinsey mostram que alguns, mas não todos os hábitos dos consumidores europeus irão manter-se. Como se apresentam as compras dos europeus no novo normal?

Durante os primeiros confinamentos para conter a pandemia, na primeira metade de 2020, os consumidores mudaram o modo como compram alimentos e bens de grande consumo. Ao longo da crise pandémica, o seu comportamento de compra continuou a evoluir. A questão que agora se coloca é se, no pós-Covid, os consumidores regressarão aos comportamentos prévios à pandemia e em que medida os novos hábitos, e quais deles, se tornarão persistentes.

A ciência comportamental indica que demora, em média, cerca de dois meses para se formar um novo hábito, que apenas se manterá se for reforçado através de rotinas.  Num artigo da McKinsey datado de dezembro de 2020, da autoria de Gizem Günday, Marek Karabon, Stijn Kooij, Jessica Moulton e Jorge Omeñaca, são examinados os hábitos de compra de quatro países da União Europeia – França, Alemanha, Itália e Espanha – e do Reino Unido, entre março e setembro de 2020, e identificados os temas que se tornaram significativamente mais evidentes entre os consumidores e que poderão durar para além da pandemia: uma sustentada, embora lenta, migração para o online, o foco na alimentação saudável, uma mudança para os ganhos de valor das grandes marcas (embora possa ser temporária, no caso de algumas categorias) e uma maior importância do propósito. 

 

Online

A McKinsey nota que, à medida que os confinamentos começaram a ser decretados nos vários mercados europeus, na primavera de 2020, os consumidores começaram a virar-se para as compras online, de modo a mitigar as dificuldades causadas pelas restrições às suas movimentações e devido aos receios de se exporem ao vírus em espaços públicos fechados, como as lojas. 

Como tal, as vendas online dispararam. Os dados da consultora mostram que, em abril, as vendas de alimentos pela Internet mais que duplicaram em Itália. No Reino Unido, o negócio online da Tesco cresceu para 16% do total das vendas, no primeiro trimestre de 2020. Em abril, a Ocado reportou um aumento de 10 vezes na procura e o tráfego na sua página de Internet foi 100 vezes acima dos níveis pré-pandemia. “E o crescimento do online até poderia ter sido muito mais elevado, se, durante a crise,  a procura não tivesse excedido a capacidade de abastecimento existente, um constrangimento que se mantém ainda em vários mercados”, nota o artigo. 

 

Experiência de compra a repetir

Ao longo destes meses de pandemia, cerca de 15% dos consumidores inquiridos nestes cinco mercados comprou bens alimentares e de grande consumo num site de comércio eletrónico que nunca tinha utilizado anteriormente. Entre esses consumidores, mais de 50% indica pretender continuar a comprar nesse site, pelo menos, parte dos bens de que necessita. Adicionalmente, 12% também comprou noutra insígnia que não a sua habitual, de modo a beneficiar das entregas ao domicílio ou dos serviços “click and collect”, ambos acessíveis através da encomenda pela Internet. 

Mas nem todos gostaram da experiência de compra online. Os britânicos reportam as experiências mais positivas com o processo de compra e entrega, com 33% dos utilizadores de entregas em casa a confessar-se bastante satisfeito. Apenas 5% expressou o seu forte desagrado. 

 

Reino Unido lidera

Efetivamente, o Reino Unido tem o mercado online de grande consumo mais evoluído da Europa, com uma penetração de 6,9%, em 2020, o que compara com os 5% de França, 1,7% de Espanha, 1,5% da Alemanha e 0,7% de Itália. Como tal, não surpreende que os operadores de retalho britânicos estejam melhor posicionados para responder aos picos da procura no online. Outros retalhistas, pura e simplesmente, não tinham a infraestrutura necessária para dar resposta e os dados da McKinsey revelam uma correlação entre a satisfação dos consumidores e a capacidade de responder à procura. Em Itália, França e Alemanha, apenas 13% a 16% indicou estar muito satisfeito com a sua experiência de compra. 

Além disso, mesmo alguns dos consumidores que se mostraram muito satisfeitos com a sua experiência de compra online afirmam que apenas veem esta opção como temporária e pretendem regressar às lojas físicas. De acordo com os dados de setembro, o único país onde os consumidores esperam aumentar as suas compras online é o Reino Unido, com uma intenção líquida de 5%. Os restantes consumidores perspetivam reduzir as compras online, com uma intenção líquida de -1% em França, -10% na Alemanha, -12% em Espanha e -14% em Itália. 

 

Pandemia potencia vendas

Não obstante, as vendas online ainda continuam mais elevadas do que antes da pandemia. Um novo grupo de consumidores que experimentou este canal descobriu que gostou de utilizá-lo e pretende continuar a fazê-lo. “Nesse sentido, esperamos que a quota das vendas online continue a crescer a uma taxa mais elevada do que antes da Covid-19. De uma perspetiva do comportamento do consumidor, ainda estamos muito no ‘olho do furacão’. Segundo a nossa pesquisa de setembro, 63% dos consumidores inquiridos nestes cinco países indica não estar a voltar às ‘normais’ (pré-pandemia) atividades fora de casa e ainda espera o levantamento das restrições por parte dos governos, a ampla disponibilidade da vacina ou a confirmação, por parte das autoridades de saúde, de que essas atividades são seguras. No Reino Unido e em Espanha, 73% e 72% da população, respetivamente, não regressou a essas atividades, enquanto na Alemanha, em Itália e em França, as percentagens são 62%, 58% e 51%, respetivamente”.

O que é que isto significa para o sector do retalho? Ora, uma das implicações imediatas é que a disponibilidade de horários de entrega, de modo a que os consumidores possam encomendar e receber as compras quando delas necessitam, será um aspeto crítico de competitividade. Os retalhistas com um modelo de picking “in-store”, no qual as encomendas online são satisfeitas a partir de um ponto de venda para entrega ou recolha, tiveram uma maior facilidade na resposta à procura. 

 

“63% dos consumidores inquiridos indica não estar a voltar às ‘normais’ (pré-pandemia) atividades fora de casa e ainda espera o levantamento das restrições por parte dos governos, a ampla disponibilidade da vacina ou a confirmação, por parte das autoridades de saúde, que essas atividades são seguras”

 

 

Saúde

A confeção das refeições e a compra de produtos frescos foram comportamentos efetivos durante a pandemia. Mais de metade dos inquiridos – e cerca de 85% em alguns países – confirma que a alimentação saudável é algo que considera nas suas compras semanais. 

Esta mudança comportamental é particularmente pronunciada, embora não limitada, nos consumidores mais jovens. Entre os consumidores Centennial e Millennial, aproximadamente 35% confeciona mais as suas refeições do que fazia antes da pandemia, assim como 23% da Geração X e 17% dos Baby Boomers. 

Sendo certo que os consumidores europeus tinham já uma elevada consciência das suas escolhas alimentares, durante a pandemia, a comida tornou-se um elemento ainda mais central. As casas tornaram-se nos novos restaurantes, bares e centros de entretenimento, o que se refletiu nas vendas de produtos de pastelaria, bebidas alcoólicas e snacks. “À medida que as necessidades e preferências dos consumidores continuam a evoluir, as ofertas dos retalhistas e dos fabricantes de grande consumo terão de acompanhar essa evolução. Em tempos de incerteza económica e crise de saúde pública, esse processo pode passar por ajudar os consumidores a encontrarem inspiração para fazer refeições mais saudáveis, atrativas e acessíveis”, nota a McKinsey.

 

Preço

Cerca de 25% dos inquiridos reporta que as suas finanças pessoais foram negativamente impactadas pela Covid-19. No curto prazo, as projeções apontam para um ambiente recessivo, mesmo quando as previsões macroeconómicas mostram uma vaga recuperação em forma de “U”. 

Considerando o que sucedeu nas crises económicas anteriores, a consultora espera que a sensibilidade ao peço continue a afetar o sector do retalho. A recessão atual, contudo, tem o elemento adicional de se passar mais tempo em casa, o que gerou vendas adicionais. A questão que agora se coloca é o quão extrema será essa sensibilidade ao preço. “A nossa pesquisa mostra que, no final de junho de 2020, os consumidores antecipavam reduzir ainda mais os seus gastos em todas as categorias, exceto na mercearia, onde previam gastar mais, com uma intenção líquida de 4%. Estamos a observar que a intenção se refletiu num comportamento mais cauteloso, como a utilização crescente de listas de compras, para reduzir as compras por impulso”. Em junho, 29% dos britânicos comprava com recurso à lista, acima dos 21% verificados em abril. Na Alemanha, observou-se um comportamento semelhante: 16% em junho versus 6% em abril. 

Quando inquiridos durante o confinamento, a maioria dos consumidos que tinha mudado para versões mais baratas dos produtos que normalmente compravam disse que, muito provavelmente, deixaria de as comprar no futuro. Os dados de junho mostram, contudo, mais consumidores a fazer “trade down” em Itália e em Espanha. Tendência similar foi observada na Alemanha e no Reino Unido. 

 

Panic Buying During Pandemic. Black Man Shopping In Supermarket Buying Food Wearing Face Mask, Guy Looking At Shelf Preparing For Coronavirus Quarantine Lockdown Standing In Grocery Store. Copy Space
Imagem: Shutterstock

 

Pressão sobre os preços irá intensificar-se

A McKinsey acredita que a pressão sobre os preços continue a intensificar-se, particularmente, em categorias menos essenciais, como as bebidas alcoólicas e os produtos frescos premium. Os dados de setembro confirmam que 33% dos britânicos alterou o seu comportamento de compra, com a mudança para marcas ou lojas mais baratas ou um foco mais acentuado nas promoções. Dinâmicas ainda mais profundas foram assinaladas na Alemanha, onde antes da pandemia apenas 6% revelava essa acrescida sensibilidade ao preço, crescendo, em 2020, para 24%. 

Em junho, 22% dos italianos, 19% dos britânicos, 13% dos franceses, 13% dos espanhóis e 7% dos alemães indicaram ter mudado de loja. Essa mudança aconteceu, principalmente, por conveniência, com 33% a citar a proximidade como a principal razão para o ter feito. E a pesquisa sugere que os consumidores irão continuar a comprar nessas novas lojas, se o preço for certo. Até porque 25% dos que mudaram de loja fê-lo por causa dos preços mais baixos. 

Na vaga de setembro, a pesquisa reflete que os consumidores continuaram a experimentar novos retalhistas, com percentagens similares de mudança de loja principal com base no preço: 19% em Itália, 17% no Reino Unido, 13% em França, 11% em Espanha e 5% na Alemanha. “Esperamos que o preço continue a ganhar prioridade face à proximidade na escolha de uma loja, especialmente, nos lares mais pressionados do ponto de vista económico. Como tal, poderemos vir a assistir a uma reorganização entre os operadores de retalho, à medida que prossegue a luta pela fidelização dos consumidores. Para os retalhistas, isso significa que é agora tempo para investir na retenção dos novos clientes angariados durante a crise”. 

 

Marcas

Durante os últimos anos, as pequenas marcas de grande consumo viram a sua quota crescer consideravelmente. Nos Estados Unidos, as pequenas marcas representaram 50% do crescimento em valor, entre 2017 e 2019, apesar de contribuírem para apenas 11% das vendas, em 2016. Esse crescimento foi alimentado pela preferência dos consumidores pela autenticidade e unicidade das pequenas marcas.

Num esforço para capitalizar a tendência, as grandes empresas do sector começaram a investir e até mesmo a adquirir essas pequenas marcas. Mas a pandemia de Covid-19 trouxe um novo ponto de equilíbrio. Nos primeiros meses de confinamento, os consumidores inquiridos confirmaram preferir as marcas conhecidas a marcas novas ou mais pequenas, alegando, como principal motivo, a ampla disponibilidade das mesmas. Facto é que, durante os meses de abril e de maio, as grandes empresas de grande consumo conseguiram responder à procura, ao mesmo tempo que as pequenas marcas se debateram com dificuldades na sua cadeia de abastecimento e na própria colocação em loja, já que muitos retalhistas reduziram o número de SKUs disponibilizados. 

Contudo, alerta a McKinsey, este impulso dado às grandes marcas poderá ser “sol de pouca dura”. Existem já sinais de que o interesse dos consumidores nas pequenas marcas está a ressurgir. “A nossa pesquisa mostra que a autenticidade e origem das marcas são cada vez mais importantes para os consumidores, o que irá, provavelmente, beneficiar as pequenas marcas que forem resilientes para superar a crise. Algumas não irão recuperar, mas outras continuarão a crescer e novas marcas entrarão no mercado”.

 

Propósito

Os consumidores valorizam cada vez mais os retalhistas e marcas com propósito. Numa altura em que alimentar-se de um modo saudável continua a ser uma prioridade, os consumidores também se mostram conscientes dos valores e propósitos das marcas que compram. A consultora assinala um crescente sentimento em torno dos atributos ambientais e éticos de um produto, uma vez que os consumidores têm cada vez mais opções quanto a onde e o que comprar. Em Itália, o sentimento para com as marcas com fortes valores atingiu os 49% em junho. E em França, Alemanha, Espanha e no Reino Unido, um quarto dos inquiridos considera que os valores das marcas são importantes. Esse sentimento manteve-se em setembro, com 18% a indicar comprar produtos mais sustentáveis e amigos do ambiente e 12% a escolher mais as marcas com base no seu propósito, do que antes da pandemia.

Durante a crise financeira global anterior, os consumidores consideraram importante que as grandes marcas dessem prioridade à sua responsabilidade social. Uns anos mais tarde, 70% a 90% dos consumidores de vários países dizia que esperava que as empresas operassem alinhadas com os interesses da sociedade, mesmo se isso significasse sacrificar o valor para o acionista. Na atual crise, os dados mostram uma aceleração da responsabilidade social, com os consumidores a revelarem uma forte intenção de apoiar as lojas locais e as marcas que demonstrarem cuidado e preocupação com os seus colaboradores e com a promoção de soluções mais sustentáveis.

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