Um ano sobre a transposição da Directiva UTP

Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca
Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca

Faz hoje, dia 27 de Agosto, exactamente um ano que foi publicado o Decreto-Lei n.º 76/2021, que transpôs para o direito português a directiva europeia de Unfair Trading Practices, introduzindo alterações muito relevantes aos diplomas nacionais das PIRC e dos Prazos de Pagamento.

Mas, mais do que recordar ou celebrar aquela publicação, o objectivo deste texto é apelar a uma mais efectiva implementação das regras previstas no diploma por parte de todos os envolvidos: produtores, fornecedores, distribuidores e, claro, das autoridades competentes. Sem monitorização e fiscalização activa, por parte das autoridades, do efectivo cumprimento das regras e obrigações introduzidas pelo renovado regime legal, muito dificilmente é gerado o sentido de necessidade e de urgência que conduza ao seu efectivo cumprimento.

 

Diplomas não neutros

A Directiva Europeia e o decreto-lei que a transpõe não são diplomas neutros. Foram objectivamente construídos para reforçar a protecção de quem está a montante da cadeia de abastecimento relativamente às potenciais práticas comerciais abusivas de quem está a jusante na mesma cadeia.

Há, por isso, quem tenha visto a sua protecção reforçada e que tenha de exigir que essa protecção seja mais eficaz e mais efectiva. Não se trata de pedir um qualquer favor ou tratamento especial. Trata-se, pura e simplesmente, de exigir que a lei seja cumprida.  E há quem tenha visto algumas das suas práticas comerciais serem questionadas e legalmente ameaçadas e que, naturalmente, torça o nariz a mudar o actual estado de coisas, porque isso introduz custos adicionais ou a redução da sua rentabilidade e porque a aplicação do novo quadro legal lhe retirará parte do excessivo poder negocial que actualmente detém. Quem está nessa posição aposta na inércia, no menor grau de exigência dos beneficiários das medidas e na inacção das autoridades competentes para manter, tanto tempo quanto possível, o status quo.

Por isso há que espicaçar os beneficiários do diploma a reclamarem mais veemente e mais vocalmente os seus direitos e há que espicaçar as autoridades competentes para que vão para o terreno verificar se a legislação está a ser realmente cumprida e que, quando tal não acontece, logicamente, actuem legalmente sobre os prevaricadores.

 

Eliminar o sentido de impunidade

Mais do que tudo, é fundamental, que se elimine definitivamente o sentido de impunidade que, infelizmente, ainda se observa demasiadas vezes e que faz com que se tentem impor regras de jogo, pressionadas pelo poder negocial, que certamente não vão de encontro ao espírito e ao texto da legislação em vigor. A legislação proíbe, por exemplo, a aplicação de penalizações aos fornecedores pela dificuldade de fornecimento de encomendas desproporcionadas face às quantidades normais do consumo do adquirente, proíbe a utilização ou divulgação ilegais de segredos comerciais do fornecedor, proíbe actos de retaliação comercial contra o fornecedor que exerce os seus direitos contratuais ou legais. E é fundamental que essas situações, existindo, sejam de imediato reportadas e denunciadas.

A legislação impõe a existência de um período de 25 dias para que os fornecedores possam conferir e, eventualmente, reclamar os débitos que lhes são aplicados pelos seus clientes, sendo que apenas após o respectivo OK os mesmos poderão ser levados à conta-corrente do fornecedor. Certamente algo que tem paralelo com o processo de conferência de facturas que o cliente, obviamente, faz. É, pois, fundamental que esses prazos sejam respeitados para todos os débitos emitidos e que os mesmos não sejam deduzidos aos pagamentos efectuados aos fornecedores, sem que estes tenham dado a sua prévia luz verde.

 

Relacionamento comercial justo, ético e equitativo

A legislação estabelece prazos de pagamento mandatórios, mediante as condições estabelecidas no seu texto. Esses prazos sobrepõem-se aos que estiverem previamente acordados entre as partes, mesmo que contratualizados. Em muitos casos, os prazos legais agora estabelecidos são substancialmente inferiores aos que são usualmente praticados e, como sabemos, o alargamento ostensivo dos prazos de pagamento é uma prática comercial abusiva, pelo que os fornecedores beneficiados têm de exigir, sem tibiezas, o cumprimento da legislação e receber os seus pagamentos nos prazos estabelecidos pela lei.

E em todos estes casos, e em relação às muitas outras disposições contidas naqueles dois diplomas – PIRC e Prazos de Pagamento –, tem de se exigir às autoridades que verifiquem sucessivamente o seu cumprimento e que impeçam que interpretações “transformistas” da legislação queiram impor aos seus beneficiários não um reforço da sua protecção, mas uma tentativa de prolongar, ou mesmo de alargar, o leque de práticas que deviam, há muito, estar afastadas de um relacionamento comercial justo, ético e equitativo.

Há alguns anos, a então ministra da Agricultura, Assunção Cristas, dizia a propósito do primeiro diploma PIRC que “a legislação não foi feita para ficar tudo na mesma”.

Que este entendimento do exercício legislativo prevaleça!

* o autor escreve ao abrigo da grafia pré-Acordo Ortográfico

Pedro Pimentel, diretor geral Centromarca
Pedro Pimentel
Diretor Geral Centromarca

Armando Mateus, Chief Experience Office Touchpoint Consulting

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