Tempo de solidariedade. Tempo de ação.

Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca
Pedro Pimentel, diretor geral da Centromarca

As notícias que nos chegam do leste europeu não cessam e vão aumentando o nosso nível de preocupação e ansiedade. E, mesmo com as tentativas de se entrar num processo negocial e de estabelecer as regras para um cessar-fogo, nada indica – pelo menos no momento em que escrevo estas linhas – que a situação se resolva a breve trecho.

Como era do conhecimento público, o conflito entre Rússia e Ucrânia estava em fervura lenta há vários anos, mas, desde 2019, e especialmente nos últimos meses, o governo de Moscovo vinha dando sinais de estar a aumentar, progressivamente, a temperatura desta crise, até pelo afastamento progressivo do regime de Kiev da esfera russa e pela crescente proximidade de Volodymyr Zelensky ao ocidente, à União Europeia e, mesmo, à própria NATO.

Referia no “A Semana em 180 Segundos” da Centromarca, na semana passada, que um conflito a quatro mil quilómetros de distância das nossas fronteiras, tende a não ser sentido por muitos dos nossos concidadãos como uma ameaça direta à sua segurança pessoal ou à segurança dos seus bens. Mas, na verdade, em Portugal, e em praticamente toda a comunidade internacional, foi visível a simpatia pelas posições do governo de Kiev e a multiplicação de declarações, de manifestações e de ações de apoio e solidariedade para com o povo ucraniano.

Se há, por um lado, um desejo claro de que seja evitado o escalar do conflito, pelas facilmente antecipáveis muito gravosas consequências em vidas humanas, em destruição e para a economia (com o impacto no abastecimento e na cotação de diversas matérias-primas de elevada importância para a economia global), há, por outro, a consciência que não basta mostrar solidariedade e que, na dimensão de cada um, é preciso partir para a ação.

 

Estrangulamentos logísticos

A nível económico e num mundo que, mesmo sem este conflito, enfrentava já uma fortíssima pressão inflacionista e em que os estrangulamentos logísticos e de circulação de pessoas e bens, gerados em parte importante pela pandemia, estão ainda longe de estar resolvidos, o conflito russo-ucraniano é uma acha mais, e de peso, atirada para uma fogueira que estava já demasiado quente.

Obviamente, o impacto está longe de se ficar por aqui, mas energia, combustíveis, gás natural e cereais, com influência direta em tantos produtos do nosso dia-a-dia, estão a aumentar preços de forma acelerada e a inflação, que na zona euro se aproximou já dos 6% no final de janeiro (e em Portugal acelerou para 4,2% em fevereiro), continuará a aumentar para níveis a que não assistíamos há mais de 30 anos e não dá, pelo menos para os próximos meses, sinais de abrandamento.

Apesar disso, multiplicaram-se, em anéis com diâmetros cada vez mais amplos, as sanções económicas que, por exemplo, a União Europeia, o Reino Unido ou os Estados Unidos decidiram já contra Moscovo e contra os interesses económicos da oligarquia russa. E, mesmo com algumas inaceitáveis e penosas exceções, foi fácil perceber que muitas personalidades e interesses que mostravam grande proximidade com o regime de Putin se tentam agora afastar e desmarcar, convertendo, pela primeira vez, um líder de uma superpotência num “pária internacional” e a Rússia num “pária económico e financeiro global”.

 

Corte de relações

Apesar dos prejuízos que, logicamente, essa decisão acarreta, foram muitas as empresas e entidades que resolveram cortar as ligações ao mercado russo e com as empresas e interesses ligados a Moscovo, numa demonstração que não compactuam com regimes tirânicos, obscuros e corruptos e que as relações económicas com os seus principais rostos e interesses são tóxicas e altamente prejudiciais às suas reputações.

Muitas empresas internacionais a operar em Portugal foram rápidas na sua decisão e acção, abandonando ou limitando a sua presença no mercado russo. A comunicação social dava nota, por exemplo, de que a Biedronka, a insígnia polaca detida pelo Grupo Jerónimo Martins, anunciou deixar de ter nos seus lineares produtos de origem russa e bielorrusa, valendo a pena lembrar que a Polónia tem uma extensa fronteira com a Ucrânia, mas também com a Bielorrússia e a Região de Kalinegrado, administrada pela Rússia.

 

Sanções

Ainda na área do retalho, foram conhecidas as sanções adoptadas contra Mikhail Friedman, o multimilionário russo, nascido na Ucrânia, e que detém, entre outras, a maior entidade financeira privada russa, a Alfa Bank, a gigante da distribuição X5 e o grupo DIA, que, como é sabido, detém, em Portugal, as lojas Minipreço. E também as sanções decididas contra vários dos principais accionistas da Magnit, o retalhista russo que integra a aliança internacional EPIC, em conjunto com a Jerónimo Martins, a alemã Edeka, a suíça Migros, a sueca ICA e a neerlandesa Picnic.

Quase 30% do capital da Magnit é detido pelo Marathon Group (fundo de investimento propriedade de Alexander Vinokurov, genro de Sergey Lavrov, o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moscovo) e mais de 17% pertence ao VTB Bank, o segundo banco público russo, também sujeito a sanções, tal como a sua subsidiária VTB Capital, excluída dos mercados bolsistas de Londres e EUA. Para além disso, vários dos seus administradores fazem também parte dos boards de outras empresas, como a Volga-Dnepr, cujo presidente se encontra igualmente listado na lista dos oligarcas russos sob sanções.

Por tudo isto, este é um tempo de solidariedade, mas é também um tempo de ação.

E todos – cidadãos, consumidores, empresas, marcas – podemos dar o nosso contributo a favor de um mundo melhor.

 

Consumo como sinónimo de liberdade

Escrevia há meses, num texto que intitulei de “o consumo como sinónimo de liberdade”, que quando “observamos os pontos do globo onde a democracia dá ainda uns titubeantes passos e continua longe de estar consolidada, percebemos que o desenvolvimento social e a aproximação a uma economia de mercado geram uma forte atracção por produtos e marcas anteriormente não acessíveis. Há quem, de nariz torcido, indique que se trata da ocidentalização do consumo, mas, na verdade, as populações locais associam o acesso a esses produtos e o respectivo consumo a um ideal de liberdade e de sociedade”.

É por isso que quando, como agora, tanto se discute a liberdade e a democracia, “é fundamental nunca esquecer aquela que é, porventura, a mais importante das liberdades: a liberdade de escolha”. Ela é fundamental para que possamos viver no sistema político e económico que desejamos, “para permitir a eleição dos melhores políticos e das melhores políticas, ela é fundamental para salvaguardar a nossa liberdade religiosa, política ou de orientação sexual. E é essencial para que, a cada momento, consigamos escolher os melhores produtos, os melhores serviços, as melhores marcas”.

Assim, enquanto empresas e enquanto marcas, nunca nos devemos esquecer que somos uma expressão viva e prática dessa liberdade de escolha e que, como tal, somos sinónimo de liberdade e pilar da democracia. E devemos agir em conformidade…

Pedro Pimentel, diretor geral Centromarca
Pedro Pimentel
Diretor Geral Centromarca

Luciano Peixoto, administrador Casa Peixoto

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