O que retirar de 2022 e esperar de 2023?

Domingos Esteves, especialista em retalho
Domingos Esteves, especialista em retalho

Um ano difícil, como os anteriores, com variantes em tudo diferentes, mas com grande complexidade de gestão. Tivemos um conflito bélico na Europa, uma enorme crise energética, uma subida vertiginosa da inflação e dos juros, problemas na cadeia de aprovisionamento e outros fatores adicionais que originaram uma desaceleração económica e da recuperação que estava em marcha, assim como uma diminuição da confiança do consumidor, com perda do seu poder de aquisição.

A subida da inflação levou a um aumento de preços dos produtos, muitas vezes, de uma maneira não controlada, e isso não é sustentável no próximo ano. Nalguns casos, não foi possível controlar essa subida, mas em alguns produtos, o aumento foi muito superior ao real valor dos mesmos.

Muitas empresas de retalho conseguiram chegar aos níveis de faturação de 2019, mas, na maioria dos casos, deveu-se claramente a uma subida do preço médio de venda. Será preocupante se essas empresas perderem tráfego nos seus canais de venda e conversão de visitas em consumidores. Ter de recuperar clientes, antes fidelizados, é muito complicado e exige altos níveis de investimento.

Era expectável, para muitos retalhistas, que as vendas online continuassem a crescer, como em 2021. Mas, claramente, a venda no canal físico foi a que mais cresceu. Em muitos casos, compensou, noutros nem tanto, mas a nível de rentabilidade e margem comercial, muitas empresas obterão melhor resultado financeiro, no final deste ano.

 

Vivemos na era do supercliente

Tivemos, ainda, em 2022, a confirmação absoluta de que a melhor estratégia comercial é omnicanal, em que o mundo físico e o online têm de viver integrados e ser convergentes. As lojas físicas são, sem dúvida, essenciais como parte da estratégia comercial de um retalhista. Sai igualmente reforçada a relevância do omnicliente. Se numa loja física o consumidor procura uma experiência mais sensorial e usa os seus cinco sentidos, já num canal online o que mais lhe interessa é que a compra seja simples, rápida e cómoda. Vivemos na era do supercliente, muito bem informado, conectado e que fundamenta a sua decisão de compra. Um cliente que é fiel a si mesmo, mais que tudo, e cada vez menos fiel a marcas.

Sai, igualmente, reforçado o valor humano das equipas, da necessidade de escutar e dar voz aos que estão na linha da frente, que são, na prática, os grandes embaixadores das marcas e os primeiros “influencers” do negócio. Neste ano, ganhou bastante valor a proximidade, a conveniência, assim como os produtos sustentáveis, sãos e duradouros.

No que respeita à economia circular e à sustentabilidade, houve pouca evolução. Pode ser que a crise económica assim o tenha provocado, mas a necessidade de melhorar, em termos de políticas de economia circular, é indispensável. As políticas de economia circular não se devem centrar apenas numa estratégia de marketing ou de comunicação.

O que fica muito claro é a necessidade de continuar a gerir com altos níveis de volatilidade. Os líderes têm de ser corajosos e tomar decisões de forma assertiva, centrando-se no dia a dia, mas, igualmente, com uma visão clara sobre como construir o futuro. Têm de saber que é fundamental descer dos escritórios e estar nas lojas, escutar os clientes e as equipas.

 

O que nos vai trazer o ano 2023?

A inflação irá baixar, mas continuará alta. A confiança do consumidor continuará a ser afetada e este será obrigado a tomar melhores decisões de compra. Alguns sectores do retalho serão, sem dúvida, afetados. Continuarão a existir pressões na cadeia de aprovisionamento e a crise energética continuará a ocasionar danos consideráveis, em termos macroeconómicos. Caso não surjam novos imprevistos, 2023 poderá ir melhorando, depois do primeiro trimestre.

Os retalhistas deverão continuar focados em soluções que garantam a sua continuidade e crescimento do seu negócio, em adotar iniciativas que minimizem a subida geral dos custos e em concentrar a sua oferta comercial em produtos e serviços de maior valor acrescentado. É muito importante saber estimar e adaptar-se aos novos padrões de consumo e continuar a apostar na digitalização, inovação e no talento das equipas, com foco na melhoria contínua.

Uma aposta clara na sustentabilidade, como parte central da estratégia de negócio, terá impactos no médio prazo, mas permitirá, igualmente, obter vantagem competitiva e ser um fator de diferenciação. É muito importante assegurar a correta rastreabilidade dos produtos, desde a origem das matérias-primas.

É fundamental que os retalhistas aprendam que terão de ir onde está o cliente e não esperar que seja o cliente a vir à procura da marca. Para tal, será obrigatório uma integração total e convergente do mundo físico e digital, melhorar muito as funcionalidades digitais no espaço físico, introduzindo shoppers digitais nas lojas físicas. A compra online irá crescer, mas terá muita relevância a compra presencial e, como tal, há que reimaginar as lojas físicas para que sejam espaços onde vamos divertir-nos e viver emoções.

Continuaremos a estudar como transformar o online num negócio rentável, como reduzir o impacto da logística inversa. É igualmente crítico saber gerir e planificar os níveis de stock, de forma a garantir a rentabilidade. Nalguns sectores, pode ser recomendável passar a atuar com um nível mais alto de venda por pré-encomenda.

No sector da moda, dever-se-á apostar por coleções mais seguras e de menor risco, apostando em categorias básicas. É igualmente importante apostar em produtos mais sustentáveis e duradouros. A moda formal pode, em 2023, ser uma categoria em crescimento, depois dos últimos anos muito difíceis. Sem dúvida, irá crescer a venda de produtos em segunda mão e de aluguer.

Na área do grande consumo, terá maior relevância a qualidade dos produtos frescos e o aumento de produtos locais e sãos. Os sortidos de cada ponto de venda deverão estar adaptados ao cliente local e à localização de cada loja. O valor da proximidade continuará a ser muito importante e um fator de diferenciação, bem como a relação qualidade/preço, a possibilidade de efetuar toda a compra no mesmo canal, a credibilidade das promoções, a qualidade das marcas próprias e o aspeto geral da loja, em termos de limpeza e ordenação.

Os centros comerciais deverão transformar-se em espaços de vida, desenvolver um conceito experiencial e diferenciador, mas ser igualmente disruptivos, encontrar formatos e modelos alternativos e mais completos. Áreas a potenciar serão a restauração, com possibilidade de acessos especiais, uma oferta cultural mais diferenciada (teatros, concertos, eventos), espaços de experiência, espaços de nicho para diferentes hobbies, serviços e sinergias complementares (saúde, educação, administração).

Os consumidores continuarão a procurar produtos que satisfaçam várias necessidades, mas terão hábitos de compra mais moderados, darão muito mais importância ao valor e estarão muito mais atentos ao seu nível de despesas. Nesse sentido, serão menos fiéis às marcas e procurarão comprar onde lhes seja mais conveniente para poupar dinheiro. O valor dos produtos vai ganhar mais relevância que o preço baixo.

Os consumidores estão cada vez mais informados e mais conscientes do impacto que têm os seus hábitos de consumo e o compromisso das marcas, apostam cada vez mais em adquirir produtos duradouros, de qualidade e respeitosos com o meio ambiente. São omniconsumidores, que compram onde querem, quando querem e do modo que mais lhes convenha, em cada momento. Querem obter uma experiência, mais do que a simples ação de compra, e entendem os diferentes canais como uma realidade presente no seu dia a dia. A estratégia omnicanal correta e consistente será um valor acrescentado no “customer journey” e contribuirá para a fidelização dos clientes.

 

Conhecer melhor o cliente

É crítico investir em conhecer melhor o cliente e, com isso, poder adaptar a maneira de comunicar e promover os produtos. A chave para fidelizar os clientes será a capacidade de gerar confiança, de saber cumprir as promessas. Há que escutar mais e melhor o cliente e corrigir o conceito de “customer centric”. Não se trata de pensar no cliente, mas pensar como o cliente.

Há que continuar no processo de digitalização a um maior ritmo, de forma que os processos sejam mais eficientes. Serão mais urgentes os processos relacionados com o cliente, o stock e o produto. É primordial tudo o que possa melhorar a experiência de compra do cliente, seja qual seja o canal. É igualmente importante investir em processos que permitam diminuir o volume de devoluções e apresentar os produtos de maneira atrativa, nos diferentes canais.

A tecnologia é um dos desafios mais importantes para o retalho, junto com os temas ambientais e com a capacidade de dar resposta a uma sociedade muito preocupada com a qualidade de vida e o bem-estar. Há que construir um ecossistema tecnológico de experiências, serviços e produtos que unifique o mundo digital e o físico. Uma tecnologia o mais humana possível, ao serviço de todos, que seja imediata, que permita a procura de experiências, de clientes variados, de cestas de compra polarizadas, de necessidades personalizadas, etc.

Grande parte do segredo vai estar em apostar em tecnologia que permita aos retalhistas cumprir com as suas promessas, tanto na loja física como no canal online, de uma maneira ágil, sustentável e rentável.

 

Tendências que serão reforçadas

• Marcas nativas digitais e com distribuição direta aos consumidores abrirão lojas físicas;

• O nível de compras em lojas físicas continuará a ser alto para o comércio retalhista;

• As lojas físicas poderão ter formatos mais pequenos, mas será possível encontrar e comprar todo o sortido com apoio digital na loja física;

• A correta integração dos canais físico e online irá permitir ganhar quota de mercado e conseguir um nível mais alto de consumo e aumento do valor do ticket médio;

• As apps serão o dispositivo preferido para a grande diversidade dos consumidores;

• Uso mais eficaz e eficiente dos dados e dos algoritmos, que irão permitir efetuar campanhas e promoções mais personalizadas;

• Marketplaces puros e intermediários, com acordos “win-win” entre as partes;

• Crescimento do comércio social, as redes sociais serão lojas digitais;

• Evolução na “tecnologia verde”, que ajude a combater as mudanças climáticas e a reduzir as emissões de carbono;

• Evolução de sistemas autónomos, especialmente a nível logístico e de entregas;

• AI em todas as partes. Sistemas “contactless” e processos de compra e de entregas autónomos serão reais, AI que ajude no melhor controlo de inventários e gestão de stocks;

• O metaverso continuará o seu desenvolvimento e teremos modelos de Internet mais imersivos, onde poderemos trabalhar, comprar jogar e até socializar;

• Evolução da Web3, desenvolvimento da tecnologia Blockchain, NFTs irão ter mais uso, serão mais práticos e permitirão outro tipo de experiências;

• Os robots serão mais humanos, não só em aparência, mas também nas capacidades.

 

Este artigo foi publicado na edição N.º 78 da Grande Consumo.

Domingos Esteves, especialista em retalho
Domingos Esteves
Especialista em retalho

João Magueijo, diretor de marketing da Longa Vida

A marca das marcas

Maria Roman - Administradora de Recursos Humanos do Lidl Portugal

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