“Guerrilha comercial”: preço vs valor ou valor vs preço

Domingos Esteves, especialista em retalho
Domingos Esteves, especialista em retalho

Ao longo da última década, temos assistido a uma prática comum das empresas, em diferentes sectores do grande consumo e do retalho, de adotarem políticas de preço baixo e fortes promoções dos seus produtos ou serviços. Essa prática não só tem contribuído para uma redução da qualidade dos mesmos, mas, sobretudo, para uma deterioração acelerada das margens comerciais e, por consequência, uma redução da rentabilidade das empresas.

A existência de campanhas promocionais contínuas conduz a que as marcas percam o seu valor de marca e contribui para a mudança do seu posicionamento no mercado. O valor de marca é algo que leva muitos anos a construir, mas reverter os “danos” vai levar ainda mais tempo e exigirá níveis de investimento ainda mais altos.

A não defesa do real valor dos produtos e, sobretudo, o exagero das campanhas contínuas de descontos e promoções educaram, de forma errónea, os consumidores e habituaram-nos a gerir as suas decisões de compra na base de esperar pela próxima promoção e pela próxima redução do preço.

 

Fenómeno crescente

Esse fenómeno crescente de “guerrilha” comercial não teria um impacto negativo tão grande na rentabilidade das empresas não fosse a realidade dos últimos 10 a 15 anos, em que novos “players” comerciais, vulgarmente denominados de marcas “low cost”, adquiriram um protagonismo tão grande na captação de consumidores, de forma transversal, e conquistaram de forma sólida as diferentes classes sociais. Para tentar manter o posicionamento dentro do sector/mercado, muitas empresas justificaram, assim, a necessidade de reduzir o preço e, ao mesmo tempo, manter campanhas comerciais de promoção.

De forma a compensar os resultados financeiros finais, algumas marcas estabeleceram estratégias de negociação com os seus fornecedores que conduziram à redução da qualidade dos produtos e, igualmente, optaram por políticas de redução de custos estruturais e organizativos que podem acabar por ter um impacto social. Uma coisa é certa, a luta dos preços baixos e das promoções contínuas nunca terá um bom fim!

 

Defesa das marcas

Tenho vindo, ao longo dos últimos anos, a defender que as empresas falharam claramente ao não defender as suas marcas, ao não saber comunicar corretamente o valor correto dos seus produtos, justificando, dessa forma, um posicionamento de preço diferente e dando por garantido que o consumidor só iria optar por continuar a consumir produtos de preço baixo. Os consumidores têm hoje, mais do que nunca, um conjunto de ferramentas que lhes permitem, de forma rápida e eficaz, comparar produtos e preços e, assim, fundamentar as suas decisões de compra. Mas se as marcas só centrarem a sua comunicação no preço e na promoção, é nisso que os consumidores se vão centrar.

 

Preço correto

Partindo do princípio que o real valor dos produtos corresponde ao preço correto a pagar pelo consumidor, estou certo de que uma comunicação transparente e assertiva, baseada nos atributos e qualidades dos produtos, ajudaria, sem dúvida, os consumidores a tomarem a decisão de compra correta e seria, não duvido, uma estratégia comercial bastante mais rentável e económica para as empresas. Para quê reduzir os investimentos de marketing e publicidade, numa ótica de redução de custos, quando, depois, o real custo da promoção e da liquidação dos produtos é, na verdade, muito superior? Será que não se justifica uma real análise, agora mesmo, que temos à nossa disposição tantos dados e algoritmos, para verificar qual o custo de tantas promoções na conta de resultados das empresas? Quanto mais stock foi necessário adquirir para poder alimentar as promoções e não frustrar os consumidores? Será que o Black Friday é realmente uma campanha comercial necessária e útil? Seria necessário existir conceitos outlet se a mercadoria fosse vendida no momento correto e nos canais para os quais foi adquirida?

Por muitos outros motivos, para além dos expostos anteriormente, determinar o preço correto de um produto é muito difícil. Mas não podemos, nem devemos, tentar enganar os consumidores. Algumas táticas comerciais, como usar preços mais altos para, depois, permitir realizar promoções, são, nos dias de hoje, impossíveis de praticar.

 

O vazio da pandemia

Os últimos dois anos deixaram grandes marcas que motivam e obrigam, claramente, a grandes mudanças: melhores práticas de gestão das empresas, maior transparência da cadeia de valor, uma maior preocupação pelo ambiente e o planeta, em geral, uma maior regulação e verificação pelas entidades governamentais e, sobretudo, uma maior responsabilidade dos consumidores na hora de efetuar uma compra. 

Observo, no entanto, com alguma preocupação, que, por detrás de campanhas sociais e ambientais, algumas marcas tentem subir os preços dos seus produtos, pensando que esse será o caminho mais curto para a solução da perda de rentabilidade dos seus negócios. Não é por se pôr uma etiqueta de produto sustentável que passa a ser suficiente para um aumento do preço…

Temos de ser fiéis ao consumidor e praticar os preços que este esteja disposto a pagar. O consumidor, se bem informado, aceitará pagar o valor correto do produto, valor esse que terá de corresponder, na íntegra, às suas qualidades, características e atributos reais. Nem alto, nem baixo, mas, sim, o preço correto.

 

Mix de produtos

No retalho de moda, será importante trabalhar no mix de produtos da coleção, reduzindo, assim, artigos com maior componente de moda versus a compra de básicos. O ciclo de vida dos produtos deve ser mais curto, para as marcas não chegarem com tanta quantidade de mercadoria aos períodos de saldos, concentrarem-se em resolver os problemas de fitting e dos tamanhos responsáveis pela maior parte das devoluções, trabalharem com menos stock e iniciarem as novas temporadas mais cedo (nos meses de agosto e janeiro, o espaço comercial não deveria ter mais de 20% de artigos de fim de coleção). As empresas de moda terão de assumir a responsabilidade de desenhar e produzir produtos de maior qualidade e durabilidade, que nos permitam manter os artigos mais tempo nos armários e, dessa forma, garantir um enfoque mais sustentável.

Não há que ter medo de subir os preços e aprender a gerir o tema de uma maneira equilibrada. É necessário ter uma clara noção de que os consumidores estão numa fase de mudança contínua e são, permanentemente, bombardeados com informação, pelo que se devem estabelecer políticas de comunicação com menos ruído e mais assertivas: menos=mais=melhor.

 

Mudança de paradigma

Mas como poderemos realizar esta mudança, de um momento para o outro, e, ainda por cima, num momento de grande mudança para as empresas, com necessidades enormes de investimento, no sentido de proporcionar uma melhor experiência de compra nos diferentes canais de venda (lojas físicas e online)? Numa conjuntura económica totalmente inflacionista, em que os preços das matérias-primas e dos recursos naturais vão subir, em que o aprovisionamento de mercadoria vai ser mais complexo e oneroso? Como assegurar que a subida de preço que será necessário efetuar seja, na realidade, o valor correto a pagar pelo consumidor? O paradoxo atual é que as marcas não irão, só por si mesmas, ter capacidade sobre a decisão final dos preços a praticar, uma vez que diversos fatores macroeconómicos podem arrastá-las para políticas de preço alto que são tão, ou mais, negativas que as políticas de preço baixos.

 

Sobrecusto da inflação

Devem as marcas assumir o sobrecusto da inflação? Entendo que a solução passa por uma gestão mais equilibrada, em que as marcas, em vez de subirem todos os preços dos seus produtos, devem procurar aumentar o valor de compra e o valor do ticket médios. Como? Ao selecionar muito bem quais os artigos que permitem a subida de preços e mantendo os restantes aos preços atuais. Há que fazer um esforço adicional até que as economias se voltem a equilibrar. Mas é necessário atuar já, efetuando uma revisão de todos os produtos e desenhando uma nova arquitetura de preços e produtos. 

Será um erro, e pode ter consequências muito negativas na economia, se se aumentam todos os preços de um momento para o outro. Mesmo com uma alta pressão da inflação em contínua subida, as empresas devem tentar estabelecer uma subida faseada de preços, identificando corretamente quais os produtos que o permitem e quais os que não.

 

Campanhas “consumer centric”

Desenvolver campanhas de marketing educacional centradas nos consumidores e nos colaboradores, ajudá-los a consumir de maneira responsável, de modo a reduzir a devolução de artigos e a que entendam as vantagens de não esperar pelos momentos de saldos para comprar.

Em conclusão, a curto prazo, não serão as marcas que praticam preços mais baixos ou mais altos que irão ganhar no mercado, mas, sim, as que vendam ao valor correto e que melhor satisfaçam os seus clientes: na qualidade dos seus produtos e serviços e na melhor experiência de compra.

(este artigo foi escrito antes do início da ofensiva militar na Ucrânia)

Domingos Esteves, especialista em retalho
Domingos Esteves
Especialista em retalho

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