Passados 30 anos, será que já é tempo de fazermos o elogio fúnebre da Gestão por Categorias, elogiar o seu percurso de vida e passar à frente?
Esta é certamente uma crónica de (alguns) heróis e (muitos) vilões, como costuma acontecer nas estórias da banda desenhada ou nos filmes dos super-heróis. Mas quem são esses vilões, quem é esse herói? E, acima de tudo, qual é a estória por detrás da Gestão por Categorias?
Um percurso de vida de 30 anos tem muitas estórias, mas é ainda um percurso muito curto e que não merece (ainda) ficar na História, é algo que rapidamente se conta e que se resume a uma mera crónica. Uma crónica que vem à luz do dia apenas em 1991 e que é simples de contar: a gestão por categorias é algo muito simples…
De que se trata, afinal?
A Gestão por Categorias é uma abordagem conjunta de retalhistas e fabricantes para gerir uma categoria de produtos como uma unidade estratégica de negócio, resultando em melhores resultados de negócio, e que se foca em melhorar o valor ao consumidor.
Quem é, então, o herói nesta crónica e que conseguimos encontrar nesta frase? O herói é o CONSUMIDOR, um enorme sobrevivente que se defende de pandemias, epidemias, guerras, provocações, políticos e outros agentes subversivos. Quais os seus superpoderes? Resistência e Transformação, uma resistência duradoura graças a uma couraça impenetrável e um poder de constante transformação face aos elementos humanos e da natureza.
E quem são os vilões? E os aliados do CONSUMIDOR? Serão as marcas e fabricantes de produtos? Ou serão os retalhistas e as insígnias? Tal como na banda desenhada e nos filmes, esse papel está reservado a ambos … e não só! Depende!
Foco no consumidor
Não há qualquer dúvida que marcas e retalhistas estão sempre com atenção ao CONSUMIDOR, que as suas ações têm sempre em conta o seu comportamento e que, no fim do dia, é ele quem tem a decisão final sobre onde comprar e o que comprar. Mas, no campo de batalha em que ambos se defrontam, a vítima é, também, o CONSUMIDOR. É a vítima quando se aumentam os custos de toda a cadeia de abastecimento porque não se colabora, é a vítima quando se aumenta a pressão promocional em produtos que não são relevantes, é a vítima quando não se fornece os produtos atempadamente, quando os produtos não estão disponíveis na prateleira ou quando não há escolha suficiente no sortido. E isso não é Gestão por Categorias, já que não só não é um processo colaborativo, como não melhora resultados!
Mas não se pense que o CONSUMIDOR é sempre a vítima das marcas e retalhistas … como todos os heróis, também ele tem um lado negro! Este nosso herói sabe muito bem aproveitar-se dos seus aliados e não só vive bem melhor agora do que há 30 anos, graças a uma maior acessibilidade e variedade, como defende que o melhor regime é a ditadura.
O complexo do consumidor
A ditadura do consumidor é o regime em que vivemos, em que todas as decisões têm de ser tomadas apenas para si e esquecendo todos os outros, sejam eles os que o servem, sejam eles próprios quando assumem o papel de trabalhadores. Um regime em que poucos fazem ouvir a sua insatisfação usando redes sociais, em que os muitos satisfeitos se conformam em silêncio e onde se criam mitos e se destroem os aliados. Um lado negro que deixa marcas no próprio herói quando quer preços cada vez mais baixos, quando não está disponível para pagar por serviços adicionais, mas ao mesmo tempo exige salários mais elevados, impostos mais baixos e que o seu tempo seja cada vez mais valorizado. Sim, este nosso herói sofre de um complexo de Heckle and Jeckle, dois figurões fisicamente idênticos, mas com perfis e atitudes díspares.
Mas são estes os únicos personagens da nossa crónica? Mais uma vez, há que lembrar que há sempre outros personagens que, ao longo das estórias, vão saltando entre um mero papel de figurantes a figuras chave de mudanças no argumento. E, sendo o grande consumo e o retalho um dos principais sectores da economia mundial, são muitos aqueles que adoram surfar esta onda, como se fossem o famoso Surfista Prateado que detém o Poder Cósmico que lhe o permite absorver e manipular as energias cósmicas ambientais do universo. Este, sim, é um verdadeiro inimigo do nosso herói, tentando passar despercebido e tomar decisões que parecem boas, aparecendo quando o sucesso acontece e tornando-se invisível quando há vítimas. Os nomes e profissões destes? É como nos filmes … a identidade é secreta!
Enquadramento
Apresentado o herói, os vilões e restantes personagens da nossa crónica, é altura de falarmos do argumento, dos acontecimentos que marcam esta viagem de 30 anos e até da versão portuguesa.
Na versão original, o título é “Category Management”, mas na versão portuguesa há a versão que respeita a original e há as cópias. A diferença está num detalhe, enquanto nas cópias o título é “gestão de categorias”, na versão verdadeira o título é “Gestão por Categorias”. Mas qual é a diferença? Não é um detalhe? Sim, é um detalhe, mas um detalhe muito importante porque um “de” é uma relação de subordinação, onde as categorias são geridas olhando para dentro, criando uma gestão adversa e competitiva entre os produtos. Já um “por” demonstra uma relação complementar, onde as categorias são geridas como um todo e indo muito além da relação dos produtos entre si, olhando para as outras categorias complementares e categorias substitutas, compreendendo a verdadeira importância da categoria para o nosso herói, o CONSUMIDOR.
Narrativa
A nossa crónica começa num tempo não muito longínquo, aquando do nascimento do nosso herói. Esse era um tempo em que os mundos se dividiam e os muros separavam marcas e retalhistas, um mundo em que a vida de cada um era feita atrás das trincheiras e onde os encontros eram feitos de forma fugaz com bandeiras brancas de paz. E foi com o aparecimento do nosso herói que tudo mudou, que o novo normal passou a ser viver e trabalhar num mundo comum, sem fronteiras e onde cada dia é um dia bom, apesar das pequenas desavenças que vão acontecendo.
Se a pergunta fosse “valeu a pena?”, não haveria qualquer dúvida que a resposta seria SIM. São muitos os factos que nos dizem que estamos agora melhor, que há mais colaboração e que a partilha é cada vez maior. Que cada vez há mais acesso a mais, que cada vez há mais conhecimento e informação.
Mas sendo a pergunta “ainda vale a pena?”, será que a resposta é SIM? Socorrendo-me da minha experiência de mais de 30 anos no mundo do grande consumo e do retalho, quero acreditar que sim, que a Gestão por Categorias ainda vale a pena, que a colaboração entre retalhistas e fabricantes é fundamental, que as alianças superam as adversidades e que o problema está nas expectativas demasiado altas. Nos dias que vivemos, todos somos como o nosso herói CONSUMIDOR, queremos tudo e queremos agora. E isso demora, há que ter paciência!
HAJA PACIÊNCIA!
Este artigo foi publicado na edição N.º 87 da Grande Consumo