Exportar com ganhos para a indústria agroalimentar e para Portugal

Pedro Queiroz, diretor geral da FIPA
Pedro Queiroz, diretor geral da FIPA

Quando esta reflexão foi iniciada, ainda o mundo estava na esperança de um bom senso que, afinal, não prevaleceu. Infelizmente, estamos agora num contexto de guerra no continente europeu e o cenário de “tempestade perfeita” que a pandemia tinha trazido às cadeias de valor passou, no espaço de horas, a uma “tempestade mais do que perfeita”.

Apesar deste contexto profundamente turbulento, temos de manter todo o nosso foco na competitividade da indústria agroalimentar.  A exportação é um dos exemplos deste incessante empenho em procurar criar valor para o sector e para a economia nacional, colocando nos mercados externos o produto português.

Os resultados estão à vista. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) referentes a 2021, analisados pela FIPA, as exportações de produtos alimentares e bebidas cresceram 14%, face a 2020. Para este desempenho, contribuíram, em grande parte, as transações para a União Europeia (que registaram um crescimento de 18,5%), sendo que para os mercados extra-UE o aumento rondou os 7,3%.

 

Exportações mais do que um argumento teórico

Esta é uma das provas de que as exportações não são só mais um argumento teórico nas estratégias de projeção das empresas. São já uma inevitabilidade e, muitas vezes, o caminho para a sua consolidação económica, quando estas se veem a braços com os impactos da instabilidade no mercado interno.

Agora, depois de uma estagnação em 2020 – devido aos constrangimentos colocados pela Covid-19 – e deste expressivo crescimento em 2021, queremos manter o otimismo para 2022.

No entanto, existem muitos sinais de alerta, pois, apesar de terem sido atenuados os efeitos diretos da pandemia, o tecido empresarial enfrenta, desde meados do ano passado, uma conjuntura adversa que, por via do impacto imediato e da total imprevisibilidade da duração dos confrontos militares a leste, está agora em acentuado agravamento.

 

Sinais de alerta

Neste contexto, é inevitável referir a disrupção das cadeias de logística e o aumento de custos associados. Segundo os dados do mais recente Boletim Económico da FoodDrinkEurope, foi registado um aumento de 67% nas taxas de transporte aéreo e de 359% nas taxas de frete de contentores (outubro 2021 versus outubro 2020). Também sobre este assunto, a secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), Rebeca Grynspan, alertou para esta realidade, referindo que “um contentor passa agora mais 20% de tempo no sistema para uma típica transação comercial porta-a-porta e os navios, reboques e contentores ficam presos em portos congestionados”.

A esta instabilidade visível no transporte e na logística acrescem outros graves fatores, como as tensões geopolíticas entre países que envolvem grandes economias. Se as constantes tensões entre os Estados Unidos da América e a China vinham deixando rasto nas estratégias comerciais dos países europeus, a recente invasão militar da Rússia à Ucrânia teve consequências imediatas na inflação do preço da energia e das matérias-primas, existindo já sérios riscos de abastecimento. Ainda nesta abordagem geopolítica, refira-se o Brexit e a sua entrada em vigor em plena pandemia, que veio introduzir, num primeiro momento, mais barreiras e mais burocracia nas transações comerciais com o Reino Unido, um importante cliente nacional.

Por ora, estes são apenas alguns dos exemplos de fatores que impactam as transações comerciais internacionais. Por isso, quando sublinhamos os bons resultados das nossas exportações, não estamos apenas a comunicar números. Estamos a assinalar a enorme capacidade das empresas da indústria agroalimentar em ultrapassar barreiras e a sublinhar que, no contexto europeu e nacional, este é o momento para que sejam desenhadas políticas de exportação e internacionalização ainda mais sólidas.

 

Da coordenação europeia à afirmação da diplomacia comercial nacional

É neste enquadramento que a União Europeia deve servir como verdadeira âncora para fortalecimento das empresas e das suas estratégias de exportação, contrariando a aparente tendência de retração da globalização. Em primeiro lugar, mediante a instabilidade nos mercados, este é um momento crucial para que a União Europeia afirme a sua posição de colaboração com importantes regiões económicas. A este propósito, recorde-se um estudo do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia sobre os efeitos económicos esperados, até 2030, para o sector agroalimentar europeu no âmbito de 12 acordos comerciais (já em vigor, em fase de negociação ou já concluídos) com destinos como Canadá, Japão e Vietname, México, Mercosul, Austrália ou Nova Zelândia. Em janeiro de 2021, este estudo avançava que a aplicação cumulativa destes acordos poderia impulsionar o sector, refletindo-se em crescimentos substanciais das exportações agroalimentares de 25% (considerando um cenário mais conservador) ou de 29% (considerando um cenário ambicioso).

Em segundo lugar, as políticas desenhadas no contexto europeu têm de solidificar um bom funcionamento e verdadeira coordenação do mercado único. Se é importante que a União Europeia se queira colocar na linha da frente, em diversos campos da sustentabilidade social, económica e ambiental, é igualmente essencial que as suas políticas e estratégias coloquem em pé de igualdade os seus Estados-membros e não venham acrescentar dificuldades regulamentares e regulatórias que possam apresentar entraves à competitividade de um tecido empresarial maioritariamente composto por PME, quando falamos da indústria agroalimentar.

Paralelamente, ainda que em linha com a União Europeia, Portugal tem de se afirmar pela sua soberania nacional com políticas económicas e diplomáticas de incentivo à exportação. Para a indústria agroalimentar, este é um ponto essencial e deve ser um dos focos da próxima legislatura. Deste modo, será importante o investimento em linhas de financiamento de suporte à exportação, em instrumentos de apoio à promoção das marcas nacionais e em mecanismos uniformizados de identificação e comunicação de possíveis barreiras.

 

Não exportamos sozinhos

Portanto, apesar desta incessante missão da indústria agroalimentar em fazer mais, melhor e procurar inovar nas suas estratégias de negócios e conquistar um lugar de destaque internacional, a verdade é que não exportamos sozinhos.

Embora as empresas o façam focadas no seu sucesso, e que disso derive este crescimento das exportações, estas estão também permeáveis à evolução das políticas económicas globais e europeias e, em primeira instância, à capacidade de afirmação económica nacional.

Com um preocupante, mas também desafiante, horizonte de alteração da ordem mundial, a indústria agroalimentar continuará focada nos bons resultados, mas pede, também, que sejam postas em prática políticas governamentais que projetem e valorizem os seus produtos nos mercados internacionais e permitam um ganho de dimensão do sector e da economia.

É uma oportunidade para a indústria agroalimentar nacional e, sobretudo, uma oportunidade para Portugal.

Pedro Queiroz, diretor geral da FIPA
Pedro Queiroz
Diretor geral da Federação Portuguesa das Indústrias Alimentares (FIPA)

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