E agora? Como entregar e capturar valor?

João Miranda, empresário
João Miranda, empresário

Há um mundo novo, que todos esperávamos viesse a surgir lentamente nas próximas décadas, mas que irrompeu de forma brusca e descoordenada nas nossas vidas, nas nossas empresas, como que antecipando o futuro. Esse é o lado mágico deste período negro que vivemos: o desafio da mudança.

Se é verdade que todos devemos manter o foco no curto prazo, tentando mitigar os efeitos destrutivos desta surpreendente pandemia, também não é menos verdade que temos que guardar um pouco do nosso tempo para acautelar o futuro, estimulando a mudança nas nossas organizações.

O exercício não é fácil, pois o “pipeline” estratégico, meticulosamente revisitado a cada momento de incerteza, durante 2020, que tinha sido trabalhado com a participação ativa e entusiasmada das nossas equipas, foi colocado “on hold” mês após mês, notícia após notícia, confinamento após confinamento, sempre na expectativa que o “novo normal” nos iria dar o espaço necessário para voltar à carga, com aquela estratégia ganhadora e galvanizadora, pensada em conjunto e que nos fez sonhar nas maiores conquistas.

Percebemos, chegados aqui, já em 2021, que muitos daqueles pensamentos estratégicos inspiradores ficaram obsoletos!

 

Mundo novo

O mundo novo chegou mais cedo, trazendo para o nosso quotidiano muitas outras variáveis que vieram confundir o nosso “swot” e nos fazem, agora, repensar o nosso modelo de negócio, principalmente, na forma de entregar e capturar valor, como muito bem nos induziu o Canvas.

A economia global é dinâmica e, cada vez mais, instável e imprevisível. As empresas que conseguem consolidar e perenizar a sua presença no mercado global são aquelas que são ágeis e antecipam os movimentos mutacionais, conseguindo estruturar-se internamente, criando a resposta ajustada e atempada às reais necessidades do mercado e dos clientes.

A pandemia veio trazer uma nova mutação no mercado, reforçando a consciencialização de que o planeta e os recursos naturais são finitos, e evidenciar algumas fragilidades da globalização, trazendo para a discussão pública o escrutínio apertado das empresas e suas marcas nos temas ambientais e sociais.

A deslocalização das produções, promovida de forma intensa e descontrolada nas últimas décadas, como resposta a necessidades evidentes de aumentos de produtividade, pela via do acesso a custos de mão-de obra mais baixos, com sacrifícios ambientais irreversíveis, está a ser cada vez mais questionada e boicotada. Privilegiam-se, hoje, cadeias de abastecimento mais curtas, que também promovam os mercados de proximidade, produzindo, preferencialmente, na Europa, com menor pegada de carbono, maior respeito pelo ambiente, respeito pelas leis laborais, maior proteção da propriedade industrial e uma relação muito mais forte com a produção local, tudo isto usufruindo de maior e mais fácil conectividade e de tecnologias cada vez mais acessíveis e integráveis.

 

Capturar valor

Se queremos as nossas empresas a capturar valor de forma consistente, temos que considerar a equação da sustentabilidade como a “umbrela” que as guiará através de toda a cadeia de valor, servindo de guião à produção do novo conhecimento e inovação, bem como ao outro fator crítico na relação com o mercado e com os consumidores: a transparência! Entregar valor de forma transparente não é um desafio do futuro, é um desafio do presente!

Exemplo disso, França iniciou o ano com duas iniciativas verdadeiramente alinhadas com estas premissas e que bem podem servir de “benchmark” para inspirar as nossas empresas, associações sectoriais ou o Estado português a liderarem estes movimentos. A primeira é o Eco-Score que avalia os impactos ambientais dos produtos alimentares e que leva em conta a análise do ciclo de vida do produto, a produção, as embalagens, o país de produção, o fluxo logístico, entre outros critérios, e que os classifica de A a E, tal como acontece, há algum tempo, com o Nutri-Score, já muito popular entre nós, para avaliar o valor nutricional de cada produto alimentar no linear, através da leitura do código de barras da embalagem.

A segunda é o “índice de reparabilidade”, em que todos os equipamentos e dispositivos eletrónicos, como os PCs, os smartphones e os televisores, entre muitos outros, têm obrigatoriamente que ter uma etiqueta com uma nota de 0 a 10. Este índice permite que o consumidor saiba se o produto é reparável, difícil de reparar ou não reparável, em linguagem simples e objetiva, assente em critérios transparentes, combatendo a obsolescência programada.

O “índice de durabilidade” também é outro dos índices que está a ser preparado e que, muito em breve, será implementado.

 

Transparência

É assim, de forma transparente e sem “greenwashing”, que deveremos emergir desta que é uma das maiores crises dos tempos modernos e que se apresenta como uma das melhores oportunidades para repensarmos as nossas organizações e para nos reinventarmos, sob a égide da sustentabilidade, da tecnologia através da I4.0 e da requalificação dos nossos recursos humanos, no sentido de voltarmos mais fortes e robustos e, essencialmente, mais adaptados à nova realidade e ao novo mundo que ressurgirá desta pandemia, com novas formas de entregar e capturar valor, mas sempre, sempre com transparência.

João Miranda, empresário
João Miranda
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