Anos Cão (o dilema do tempo nas empresas)

Armando Mateus, Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting International
Armando Mateus, Chief Experience Officer da TouchPoint Consulting International

Costuma dizer-se que um ano são 365 dias, 8.760 horas ou 525.600 minutos! Mas será que, quando estamos a trabalhar, o tempo se conta da mesma forma?

Não tiveram já daqueles dias em que dizem “tive um dia de cão”? É que, se calhar, esse dia tirou muito mais de vós e não foram apenas 24 horas, foi muito mais. Se calhar, esse dia devia estar a ser contado na escala dos “anos cão”, onde um ano vale por sete. Aliás, segundo os especialistas na área, um “ano cão” pode chegar a ser o equivalente a 22 anos.

Ao longo da nossa vida profissional, vamos mudando o empenho e entusiasmo com que nos dedicamos ao trabalho que realizamos. Uma dedicação quase total, quando começamos um novo emprego, quando chegamos a uma nova empresa ou função. Parece que os dias têm poucas horas de tanto o que queremos fazer, ou estamos tão embrenhados no que fazemos, que, quando olhamos para o céu, o sol já desapareceu e a noite chegou. Nesses momentos, achamos que o dia devia continuar, que não queremos terminar o que estamos a fazer, queremos continuar.

 

Anos avançam

À medida que os anos de trabalho vão avançando, ou que existe uma consolidação nas funções que desempenhamos, tudo começa a parecer sob controlo, tudo parece mais fácil e que os dias são maiores, que conseguimos fazer muito mais, que somos capazes de ir mais longe e fazer o mesmo de forma mais rápida, ou fazer muito mais com a mesma quantidade de tempo.

E, lá mais para a frente, dizem que até sobra tempo, que os dias custam a passar e que se olha para o relógio à espera, que o tempo é demasiado, que o trabalho demora a passar e que só se quer escapar dali. E este é um momento precursor do que vem a seguir, em muitas carreiras profissionais, onde, após anos e anos de trabalho, se atinge àquele momento em que o tempo sobra e chega a reforma.

 

Mais de 30 anos

Este percurso de mais de 30 anos a que nos dedicamos é realmente contado por anos humanos, ou devia ser contado por “anos cão”? Não na velha teoria de que um ano cão vale por sete anos humanos, mas, sim, pela nova teoria que nos diz que um cão de porte médio com um ano viveu o mesmo que uma criança com 12 anos, que com dois anos já é um jovem de 23 anos, que com quatro anos chega à maturidade dos 39, com oito anos está prestes a reformar-se aos 63 e que com 14 anos é dos mais velhos no planeta, já com uns bonitos 95 anos.

Mas, atenção, se o porte for pequeno, quatro anos de vida apenas valem 29 anos … é quase como se, por serem mais pequenos, fossem menos esforçados no trabalho e um ano representasse um pouco menos na escala dos “anos cão”. Ou, talvez mais interessante, o porte pequeno fosse o trabalhador que é dedicado e recebe o seu ordenado ao fim do mês e o porte maior fosse o empresário ou empreendedor que arriscou tudo, que colocou o seu dinheiro na empresa, que nos primeiros anos de vida não conseguiu trazer um osso para comer, mas que teve sempre o cuidado de alimentar os de porte pequeno, porque isso é a sua responsabilidade, consumindo-o mais e fazendo com que um ano lhe saia mais do pelo do que dos que se esforçam, mas que sabem que, no fim do mês, o ordenado cai na conta. Talvez isso justifique os 10 anos de diferença.

Será que uma empresa com 10 anos já viveu o equivalente a 55 anos se for pequena, 75 anos se for média ou 94 anos se for uma empresa de grande dimensão e porte? Bastará cada um olhar para as empresas que conhece e em que trabalha, ou já trabalhou, para encontrar a resposta, para ver o esforço de tantos e tantas que ajudam a construir e manter a direção alinhada em relação à sustentabilidade financeira. Hoje, é mais difícil encontrar aqueles que dedicaram a sua vida profissional por inteiro a uma única empresa, mas ainda há muitos que estão há mais de 20 ou 30 anos na mesma companhia. Não conhecem ninguém assim? E como se referem a essas pessoas? Será que lhes chamam dinossauros? Nada mais justo, face à dedicação e longevidade, face à capacidade de transmitirem o seu conhecimento e experiência, mas sem serem daquelas espécies que devoram os dinossauros jovens…

 

Carreira profissional

Mas atenção que uma carreira profissional não tem de ser “uma vida de cão”, em que se passa cada dia à espera da reforma, se anseia por que cada dia passe rápido e pela reforma aos 40 anos, para ir poder fazer “coisas lá fora”, na escala de tempo dos humanos, porque se gosta mais. Essa é uma escala de quem não gosta do que faz, que o faz para sobreviver mais um dia ou que apenas quer que o tempo passe. E isso, sim, é “uma vida de cão”, daqueles pobres animais indefesos que são atirados para um canto ou abandonados. E que pena dá olhar para esses pobres seres indefesos, que apenas querem trabalhar para sobreviver e vivem cada dia a pensar naquele em que ganham o Euromilhões ou se reformam.

Mas, nos dias que correm, há “vidas de cão” que são um luxo, em que cada dia é cheio de satisfação, cheio de vontade de fazer e de que o próximo dia chegue com a mesma força e entusiasmo. Dias em que dá vontade de acordar e sair de casa ao encontro do sol que brilha. E é com essas “vidas de cão” que se encaram 30 anos de trabalho, com aquele sorriso que diz: quero continuar, não quero saber ainda da reforma, gosto do que faço e cada ano vale por sete anos ou mais, como os “anos cão”.

 

Maior ambição

Imaginem um empresário ou um empreendedor que, todos os dias, vos dizia que a maior ambição era que o dia terminasse, ou que não parava de falar do dia em que se ia reformar daí a 40 anos, ou que contava as horas do dia em vez de viver os dias como se fossem o último. Gostavam de passar os vossos dias com essa pessoa? Ou preferiam alguém que vivesse cada dia como se tivesse 48 horas, que conseguisse encaixar em cada dia tanta coisa que até ficavam cansados de pensar nisso?

É essa a diferença entre contar os anos de trabalho na escala humana ou na escala dos “anos cão”, em que cada ano vale por muito mais do que os meros 365 dias.

Eu, por mim, prefiro trabalhar sete anos num ano e saber que o faço com um sorriso em cada um dos 2.555 dias que consigo encaixar em um ano!

 

Este artigo foi originalmente publicado na edição N.º 87 da Grande Consumo

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