A concorrência na distribuição

José António Rousseau, docente e investigador da UNIDCOM/IADE
José António Rousseau, docente e investigador da UNIDCOM/IADE

Em matéria de concorrência, a Distribuição não recebe lições de ninguém. No entanto, temos assistido, nas últimas semanas, a muito ruído mediático, acerca dos alegados lucros excessivos das empresas retalhistas, por força do aumento das suas margens e de eventual prática de especulação, sendo estas acusadas nos meios de comunicação e pela vox populi de contribuírem para o aumento da inflação e do custo dos produtos de grande consumo, particularmente dos produtos alimentares perecíveis.

As empresas de distribuição não são, obviamente, perfeitas, mas esta acusação não só é injusta, como infundada. Criticar de práticas especulativas de preço empresas que praticam, diária e permanentemente, políticas promocionais, quer de preço quer de outra natureza, que concorrem umas com as outras para se posicionarem como as empresas com os preços mais baixos do mercado, com muitas a prometerem até devolver a diferença de preço, se o consumidor encontrar na concorrência os mesmos produtos mais baratos, não deixa de ser irónico, senão mesmo absurdo.

Não deixa também de ser curioso que o bode expiatório seja a Grande Distribuição, quando os aumentos de preços de que são acusadas estas empresas se verificam também em todos os outros formatos alimentares, como, por exemplo, as lojas de conveniência, os minimercados, as mercearias e os mercados municipais. Mas alguém fala deles?

 

O sistema de formação de preços é livre

A crítica começa com uma confusão entre margens brutas e líquidas, considerando as primeiras como sendo as segundas. A prática de margens brutas de 40% ou 50% em hortofrutícolas, como, por exemplo, as cebolas ou as cenouras, são perfeitamente normais, até já foram superiores, e não podem deixar de ter este nível de grandeza, pela própria natureza perecível destes produtos, os quais, pela sua venda em livre serviço, possuem um alto índice de quebra. Diariamente, as lojas retiram da placa de vendas muitos quilos de hortofrutícolas que, pelo mau manuseamento dos clientes, não podem ser vendidos e, no final de cada dia, são doados a diversas ONGs.

Não esquecer também que a margem bruta serve para cobrir todos os custos de operação, tais como salários, logística, rendas, impostos, amortizações, etc., pelo que, no final, a margem líquida das empresas de distribuição se situa, em média, entre os 3% e os 5%.

Hoje, em Portugal e em toda a Europa, o sistema de formação de preços é livre, isto é, os agentes económicos podem praticar as margens que entenderem adequadas para o seu negócio, e já lá vai o tempo em que era o Governo a impor, por lei, os preços de venda ao público ou as margens máximas de comercialização, como, aliás, algumas forças políticas, quer de esquerda quer de direita, inexplicavelmente estão a propor que se faça. Os extremos tocam-se e só mostram que continuam assentes em posições ideológicas ultrapassadas e que não aprenderam nada com as lições do passado.

Não deixa, assim, de ser irónico que as empresas que, há alguns anos, eram acusadas de vender os produtos abaixo do preço de custo, ou seja, com prejuízo, e até tenham sido por esta razão objeto de processos da Autoridade Tributária, sejam agora acusadas de vender os seus produtos com preços especulativos, decorrentes da prática de margens ilegítimas de tão altas.

 

O que são margens ilegítimas, num sistema de preços livres?

E o que são margens ilegítimas, num sistema de preços livres? As margens comerciais deviam ser iguais para todos? Uma mercearia, uma loja gourmet ou um hipermercado deviam praticar todos as mesmas margens comerciais? É evidente que não e quem disser o contrário não sabe do que está a falar. Por força das suas características operacionais, as suas estruturas de custos são bastante diferentes, pelo que necessitam também de praticar margens diferentes para os poderem suportar.

Aliás, alguém que explique ao Governo e aos comentadores omniscientes que a rentabilidade da chamada Grande Distribuição, há décadas, deixou de estar centrada nas margens comerciais (que são cada vez mais baixas, por força da fortíssima concorrência existente entre as empresas) e foca-se, hoje, no índice de rotação, isto é, no número de vezes que rodam os stocks das lojas, ao longo do ano, pelo que quanto maior o índice de rotação, maior a rentabilidade. E, quanto mais vezes rodar o stock, mais baixas podem ser as margens para atingir a mesma rentabilidade.

 

Formação de preços

Por outro lado, e por força da forte concorrência existente no sector, a formação dos preços nos dias de hoje, é feita de forma invertida, isto é, parte-se do preço de venda ao público que seja correto, justo e aceitável pelo mercado, para, depois, se negociar com os fornecedores o preço de aquisição dos produtos que permitam contemplar a margem bruta pretendida. Daí que os processos negociais que envolvem distribuidores e fornecedores sejam sempre difíceis e complexos, npois, numa conta de exploração de um retalhista, a rubrica de aquisição de mercadorias é a mais elevada, na ordem dos 70% a 75%.

Não é, pois, de estranhar, e muito menos de criticar, as diferenças de preços existentes entre as diferentes empresas retalhistas, até porque estas possuem diferentes formatos comerciais, que vão desde formatos qualitativos ou de conveniência, em que o nível de preços e de qualidade dos produtos poderá ser superior, e os formatos com filosofia de desconto, sejam médias ou grandes superfícies, nos quais o nível de preços é inferior, mas concorrendo todos entre si.

 

Variações de preços

Ainda recentemente, um estudo da KuantoKusta analisou as variações de preços entre diferentes retalhistas não identificados, em três categorias de produtos não alimentares, nomeadamente, produtos de puericultura, de higiene pessoal e de limpeza. E as conclusões a extrair não poderiam desmentir mais a opinião publicada e comentada nos meios de comunicação social. Na categoria de puericultura, as diferenças entre o preço mais baixo e o segundo preço mais baixo vai de 0,67% a 27,54% e entre o preço mais baixo e o preço mais alto vai de 27% a 78%. Na categoria de higiene pessoal, a diferença entre o preço mais baixo e o segundo preço mais baixo varia entre 0,01% e 2,51% e entre o preço mais baixo e o mais alto varia entre 1,51% e 78,35%. Na categoria de limpeza, a diferença entre o preço mais baixo e o segundo preço mais baixo varia entre 4,86% e 39,90% e a diferença entre o preço mais baixo e o preço mais alto varia entre 4,64% e 62,55%.

Todas estas diferenças só provam e evidenciam que não existe qualquer prática de combinação de preços entre os retalhistas, como até a simples observação o comprova, e que a forte concorrência entre as empresas continua a ser uma prática saudável do sector, que só beneficia os consumidores finais. O impacto destas diferenças de preço é verdadeiramente positivo e só reforça a imagem das empresas que as praticam, contrariamente a outros sectores, como a banca, os seguros ou os combustíveis, cuja prática é exatamente a oposta.

 

IVA

No desfecho desta polémica, o Governo legislou, reduzindo o IVA para 0%, em 44 categorias de produtos alimentares, mas que correspondem a várias centenas de SKUs, e assinando um acordo com a Agricultura e a Distribuição, nos termos do qual, as empresas destes sectores se comprometeram a baixar os preços destes produtos, pelo menos, na mesma percentagem de descida do IVA. E, de forma a confirmar a efetiva redução de preço destes produtos, o Governo encarregou a PARCA e a ASAE de monitorizarem e fiscalizarem a prática das empresas, para além de contratar duas empresas privadas com o mesmo objetivo. Seria de esperar que este “acompanhamento” também acontecesse em todos os outros formatos comerciais independentes, de menor dimensão e mais tradicionais, incluindo a própria restauração, mas tal não irá, com certeza, acontecer.

Mas, e independentemente da desaceleração da inflação, já confirmada pelo INE nas últimas semanas, a importância deste acordo entre a Distribuição e os seus fornecedores é inegável e um exemplo a seguir, no futuro nas relações produtores/distribuidores, de modo a consubstanciar aquilo que deveria ser a base destas relações, ou seja, trabalharem em conjunto para satisfazer as necessidades e desejos dos consumidores, da melhor forma, de modo mais acessível e com menos custos para estes.

José António Rousseau, docente e investigador da UNIDCOM/IADE
José António Rousseau
Docente e investigador da UNIDCOM/IADE

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