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“As insígnias portuguesas são “players” muito competitivos nas geografias onde estão presentes”

A Deloitte lançou a edição de 2018 do estudo Global Powers of Retailing, que mostra que as receitas agregadas das 250 maiores empresas de retalho, a nível mundial, atingiram os 4,4 biliões de dólares, no ano fiscal de 2016, correspondente ao exercício encerrado até junho de 2017, num crescimento de 4,1%. Jerónimo Martins e Sonae registam uma evolução significativa, subindo ambas oito posições neste ranking historicamente liderado pela Walmart. A Jerónimo Martins é hoje o 56.º maior retalhista a nível mundial, a sua melhor posição de sempre, fruto de um crescimento de cerca de 6,5% no seu volume de negócios. Já a Sonae ascendeu ao 167.º lugar, tendo os proveitos gerados pelo negócio de retalho ultrapassado, pela primeira vez, a fasquia dos cinco mil milhões de euros. Para aprofundar as conclusões deste estudo, que analisa o desempenho obtido pelo sector do retalho, a Grande Consumo conversou com Pedro Miguel Silva, Associate Partner de Retail & Consumer Products da Deloitte, que não tem dúvidas ao perspetivar que vai haver ainda muita mudança no retalho e que 2018 será um ano entusiasmante.

Grande Consumo – Quais são as principais conclusões que se podem retirar da mais recente edição do estudo Global Powers of Retailing?
Pedro Miguel Silva
As principais conclusões que tiramos da edição deste ano do Global Powers of Retailing têm a ver, essencialmente, com três vertentes. Por um lado, o contínuo crescimento e a ascensão da Amazon e de outras plataformas digitais. A Amazon alcança o sexto lugar, ainda antes da consolidação da aquisição da Whole Foods. Em sentido inverso, as insígnias mais dependentes do formato “big box” estão em queda acentuada e, para estas, a saída vai no sentido dos formatos de conveniência e da omnicanalidade. Por último, o mix mudou em termos de nacionalidades, com a contínua redução do peso das empresas europeias em comparação com o crescimento das asiáticas e norte-americanas.

GC – O retalho é um negócio que gera cada vez mais ou menos margens?
PMS
Embora à medida que o online e o “click and brick” ganham importância as vantagens de escala vão-se esbatendo e, em contrapartida, a inovação e a agilidade vão tornando-se cada vez mais relevantes e a ter um peso cada vez maior, este é um negócio onde a dimensão ainda conta. Sobretudo ao nível do retalho alimentar, onde a eficiência e boa gestão da margem continuam a ser determinantes. Daí que se observe uma progressiva concentração, também através de aquisições, que tiveram impacto no ranking, como a fusão entre a Ahold e a Delhaize ou entre a Fnac e a Darty.

GC – O mesmo estudo revela a ascensão das insígnias nacionais de retalho, Sonae e Jerónimo Martins. A que se deve a subida dos retalhistas nacionais neste ranking, sobretudo quando a presença europeia volta a cair entre os maiores retalhistas mundiais?
PMS
Há duas grandes conclusões a retirar. Por um lado, a retoma de uma posição natural no ranking dos dois retalhistas nacionais, Sonae e Jerónimo Martins, que tinham sido fortemente prejudicados na edição anterior, face à desvalorização significativa, de cerca de 14% em 2015, do euro face ao dólar. Este ano, não tendo havido grandes flutuações cambiais ao longo de 2016, ano a que se referem os dados desta edição, há um retomar da sua posição natural.
Por outro lado, foi um ano em que ambas as empresas cresceram a dois dígitos em termos de negócio de retalho. No caso da Jerónimo Martins, não obstante ter sido transversal a todas as insígnias e geografias, foi fortemente alavancado pela Polónia. No caso da Sonae, foi um período em que, quer por crescimento orgânico quer por aquisições, como foi o caso das da Salsa e da Go Natural, ultrapassou, pela primeira vez, a fasquia dos cinco mil milhões de euros de vendas no seu negócio de retalho.

GC – As insígnias retalhistas nacionais são competitivas face aos seus parceiros europeus e norte-americanos?
PMS
As insígnias portuguesas são “players” muito competitivos nas geografias onde estão presentes. A questão que se coloca, cada vez mais, é se o domínio do mercado doméstico é suficiente.
Observámos também no ranking o aumento do número de países onde cada uma das insígnias está, em média, presente, principalmente as europeias, que são as mais internacionalizadas. O retalho está a tornar-se cada vez mais num negócio global, apesar de tradicionalmente, e principalmente o retalho alimentar, ter sido sempre um negócio local. Existe um conjunto de operadores que dominam a paisagem do retalho.
A partir do momento em que as vantagens físicas e de localização de lojas perdem espaço em termos competitivos, o “player” médio ganha importância e o retalho torna-se cada vez mais num negócio regional, onde para sobreviver é preciso ganhar escala, que é adquirida de forma orgânica, mas também por aquisições, seja em Portugal seja em todas as geografias onde estão presentes.

GC – Quais são os “drivers” das aquisições?
PMS
Os “drivers” de aquisição que temos vindo a observar são essencialmente três. Por um lado, as fusões entre operadores equivalentes, que servem para complementar as geografias. Foi o caso da Fnac e da Darty e também da Ahold e da Delhaize.
Em segundo lugar, numa lógica de aprendizagem do online, os retalhistas tradicionais sentem que necessitam de acelerar significativamente as suas competências digitais e, para os que têm dimensão e capacidade de investimento, muitas vezes, a forma mais rápida de o fazer é através de aquisições de “players” digitais, como a Walmart fez com a Jet ou a Richemont está a fazer com a Yoox Net-a-Porter.
Finalmente, é uma questão de diversificação de categorias e formatos. Empresas como a Sonae, o Carrefour e a Tesco estão tradicionalmente mais ligadas ao formato hipermercado e têm sentido a necessidade de, através de aquisições, diversificar o risco associado a esses formatos que, à medida que o consumidor pede mais conveniência e proximidade, apresentam dificuldades de sobrevivência.

GC – A tecnologia continua a mudar o comércio? É a prevalência dos “clicks” face aos “bricks” (lojas físicas)?
PMS
O paradigma do consumidor mudou. Há muitos anos, falava-se que os três fatores de sucesso no retalho eram localização, localização e localização. Hoje em dia, é mais a lógica dos três “A’s”: “anything”, “anytime” e “anywhere”. Principalmente os nativos digitais sentem cada vez mais a necessidade de gratificação instantânea. É um paradigma em que as vantagens de produto e de preço esbateram, quase tudo é uma “commodity” e quase todos os retalhistas têm a capacidade, seja através de venda direta, seja de marketplace, de ter ofertas de produto equivalentes. O que distingue os operadores entre si é a experiência do consumidor, a capacidade de execução em qualquer hora e em qualquer canal e, do ponto de vista logístico, ser eficiente nessa execução. Tem sido e continua a ser esse o segredo do sucesso da Amazon.

GC – O top 10 é manifestamente diferente em 2016 face a 2001, com a presença, em sexto lugar, de um “pure player”. Podemos esperar mais operadores deste género a entrar neste “clube restrito”?
PMS
A JD.com tem apresentado, nos últimos cinco anos, uma taxa de crescimento média anual de 60%. Vai ser uma questão tempo vê-la entrar neste “clube restrito”, assim como a Alibaba. Muitas vezes, tem a ver com a lógica de contabilização das vendas em formato marketplace, porque, se se contabilizasse vendas puras, a Alibaba já estava nos “calcanhares” da Walmart. No caso do marketplace, não conta tanto o valor da venda, mas a comissão ganha. Além da Amazon, estes “players” chineses irão ascender aos primeiros lugares do ranking. É só uma questão de tempo.
O desafio para os retalhistas tradicionais é, seja por crescimento orgânico, seja por aquisições, posicionarem-se nos mercados, segmentos, formatos e canais em maior crescimento. O online, independentemente de representar muito ou pouco desses mercados individuais, é efetivamente o canal com maior crescimento hoje em dia.
Nos últimos cinco anos, metade do top 10 mudou. Não há muitos sectores de atividade onde isso aconteça, mesmo sectores em transformação como as telecomunicações e a tecnologia. Este é um sector particularmente dinâmico e o que nos desafia a fazer este estudo todos os anos é, precisamente, porque há sempre novidades. Este ano, uma das novidades principais foi a ascensão da Amazon ao sexto lugar – no ano passado tinha entrado no top 10 – e é também a mudança do mix, quer de nacionalidades, quer de formatos, origens e canais, que o ranking progressivamente tem. As plataformas digitais estão cada vez mais presentes e mesmo os retalhistas tradicionais que têm tido melhor desempenho são, em muitos casos, aqueles que conseguiram mais cedo, e de forma mais acelerada, aumentar as suas competências digitais.

GC – Este ranking já reflete, de alguma maneira, as medidas protecionistas associadas ao Brexit?
PMS
Este ainda não. O do próximo ano eventualmente. O ranking deste ano apura as contas das empresas cujo ano fiscal encerrou até junho de 2017. Como, na maior parte das empresas, o ano fiscal é igual ao ano civil, reflete essencialmente as vendas no ano de 2016. No próximo estudo, talvez se observe já alguma mudança.
O Reino Unido tem grandes desafios pela frente, não só pelo Brexit em si, mas pelas expectativas e incertezas geradas em torno do tema e isso refletiu-se na desvalorização da libra. Por outro lado, a dependência que o próprio comércio alimentar britânico tem das importações é elevada. A estimativa é de 40%.

GC – A edição deste ano do ranking diz-nos que os maiores retalhistas de moda e acessórios já não lideram o crescimento das receitas, mas continuam a ser o sector mais rentável. É sinal da sua maior adaptação à demanda por novos canais?
PMS
Neste sector, tem-se assistido ao aumento da importância dos marketplaces, como a Farfetch, a Yoox e a Asos. Venceu-se a barreira de algumas marcas de não venderem online ou em marketplaces. Por outro lado, os próprios retalhistas tradicionais também estão a recuperar algum tempo perdido em termos de aceleração de competências digitais. O mercado da moda, em si, vai passar por um período de evolução e consolidação para conseguir ter escala e as capacidades competitivas nos vários mercados onde os seus retalhistas estão presentes.

GC – Como é que os retalhistas estão a redefinir as suas estratégias de modo a valorizar, e a renovar, o processo de compra cada vez mais fluido e que alterna entre o online e o offline?
PMS
Já passámos por várias fases. Houve uma fase em que os retalhistas pensavam que o campo de batalha era o e-commerce e que o que tinham de fazer era acelerar as suas capacidades para criar quase dois canais paralelos de loja física e de loja online.
Agora, estamos na fase em que se percebeu, até pela mudança dos hábitos de consumo, e porque cada vez mais o envolvimento digital com o cliente é feito através dos dispositivos móveis, que se deve estar presente nos vários canais onde o cliente está, sempre com um serviço impecável e consistente, de forma a conseguir servir o maior número de jornadas de clientes o mais heterogéneas possível. Há clientes que vão querer sempre ir à loja, outros que vão querer usar mais o online e outros que vão querer andar de um lado para o outro e encomendar aqui e levantar ali.
O desafio é fazer isto de forma perfeitamente transparente e satisfatória para o consumidor. Do ponto de vista deste, parece algo óbvio, mas quem conhece as operações de retalho sabe que é uma tarefa difícil, que envolve a integração de informação e de estruturas e sistemas que foram desenvolvidas com paradigmas completamente diferentes e ritmos e capacidades distintos. Este é hoje o campo de batalha, com os “player” digitais a virem para o retalho físico e o retalho físico a caminhar para o digital. No final, o vencedor será aquele que conjugar as várias vertentes, porque também já aí vem a geração seguinte, em que o digital se torna voz ou realidade aumentada. Os canais de contacto e interação com o consumidor vão ser cada vez mais diversos.

GC – Esta conciliação de procedimentos/estratégias será ainda mais visível em 2018?
PMS
Sim, em Portugal e no mundo. Vamos ter um ano entusiasmante pela frente. O que se vê, por exemplo, em mercados como os Estados Unidos da América e a China, que são mais evoluídos do ponto de vista do e-commerce, é que os retalhistas tradicionais estão no mesmo patamar competitivo de uma plataforma digital, concorrem com esta em termos de crescimento das vendas online. Já passámos a fase em que os retalhistas tradicionais precisavam de vencer alguma inércia associada ao seu modelo tradicional, que é o modelo de lojas, e já perceberam que, hoje em dia, o fator principal de sucesso é a experiência do cliente e a capacidade de execução de forma transparente ao longo da sua jornada.
Vem aí muita mudança. E, quando olharmos para o ranking, daqui a cinco anos, vamos vê-lo novamente completamente diferente daquilo que é hoje. Com “players” novos que se calhar ainda vão surgir ou com “players” tradicionais que julgávamos já estar maduros mas que ainda têm muito espaço para crescer.

Este artigo foi publicado na edição n.º 49 da Grande Consumo. Veja aqui a galeria de imagens. Assista em baixo ao vídeo da entrevista.

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